domingo, 8 de março de 2015

Cara leitora, caro leitor,

Quero fazer meu agradecimento comovido àqueles de vocês que me disseram pessoalmente, por telefone ou por escrito, terem sentido falta do meu texto no domingo passado. Na verdade eu tive um pequeno problema de saúde que inviabilizou a escrita. Mas agora tudo caminha para ficar bem. Algumas pessoas estranhando a minha ausência, expressaram preocupação com a saúde de minha mãe, pelo que fico muito grata. Felizmente minha mãe está bem, se recuperando da cirurgia num processo promissor. Concluiu uma série de sessões de fisioterapia com drenagem linfática que foi muito satisfatória. Além de com as sessões ter se reduzido o edema na região do corte, o que diminui as dores e dá mais mobilidade na mão e no braço do lado em que foi feita a mastectomia, minha mãe estabeleceu uma rica interação com a fisioterapeuta, com quem trocou muita experiência sobre assuntos religiosos. Obrigada a vocês pelo carinho.

08/03/2015                                            RETALHOS

Escrevo num final de tarde de uma sexta-feira. O tempo é sombrio e às vezes chove um pouco. Há alguns minutos cheguei em casa retornando de um procedimento médico um tanto traumático ao qual me submeti. Um tanto traumático, mas nada demais. Apenas coisas de rotina da saúde da mulher. Estou um pouco apreensiva com o resultado do procedimento, mas nada demais. Dou-me conta que domingo, dia em que enviarei o escrito aos leitores, será o Dia Internacional da Mulher. Não me ocorre um tema sobre o qual escrever. Então sairão retalhos.

Retalhos de texto. Agora lembro de um filme que se não me engano chama-se "Colcha de Retalhos". É bonito. São várias mulheres tecendo uma colcha, enquanto tecem relatos de suas vidas recheadas do imaginário feminino. Vi esse filme em São Paulo. Quando eu morava em São Paulo na década de 80, um tempo cheio de contingências. Quando eu pensava que ia controlar o dia, lá vinha o dia me desconcertar com suas surpresas.

 Hoje foi assim. Um dia cheio de contingências. Enquanto esperei por três horas o médico me chamar para o tal procedimento, recebo a maravilhosa notícia de que Rafael, meu filho adotivo, foi nomeado Professor Adjunto da Universidade Federal do Sul da Bahia. Enquanto esperei por três horas o médico me chamar para o tal procedimento, recebo a boa notícia de que está chegando para mim uma jovem paciente. Saí de casa achando que seria imediatamente atendida pelo médico e que nem haveria tempo para boas novas.

Boas novas enquanto eu esperava por três horas numa clínica destinada à assistência à mulher, sem que ninguém viesse prestar a gentileza de explicar sobre o atraso do médico. Para que, não é? Éramos todas mulheres apreensivas com os "perrengues" arranjados por seus corpos. Entre nós havia uma senhora que sequer tinha almoçado, tão cedo chegou. E ninguém para explicar sobre o atraso do médico. Para que, não é? Provavelmente não passava pela cabeça dele, o médico, o quão apreensiva pode ficar uma mulher com os "perrengues" arranjados por seu corpo. Estávamos lá, mulheres à espera, desamparadas. De repente, resolvo me levantar, ir à recepcionista e reclamar. Peço uma explicação e num instante o médico aparece e começa a atender. E domingo será o Dia Internacional da Mulher.

Paro de escrever e me detenho num documentário que está passando no Arte 1 sobre Paulo Vanzolini. O cronista musical da vida noturna de São Paulo, com a linda canção "Ronda". Eu, mulher, vivendo em São Paulo na década de 80. O cinegrafista percorre rostos anônimos de mulheres na paisagem urbana da noite em São Paulo. A visão dos letreiros em neon na Avenida São João me faz sentir uma nostalgia aguda de ter vivido naquela cidade com alma de mulher maltratada. A alma de mulher maltratada é minha ou da cidade? De ambas. Não deve ter sido à toa que escolhi São Paulo como cenário para viver meu enredo de mulher sofrida. No documentário aparecem Chico Buarque e Paulinho da Viola bem jovens, cantando letras de canções sobre mulheres açoitadas pela vida.

Penso numa conversa que tive ainda esta semana com uma amiga em que comentamos que às vezes algumas mulheres escolhem se identificar com seus pais opressores para fugir da apavorante identificação com a mãe oprimida. Mudo de pensar. Penso em "Mulheres de Atenas", a linda canção de Chico, esse gênio de sensibilidade para apreender a alma feminina. Penso na Penélope que sou tecendo e esperando o retorno do meu herói de sua longa viagem. 

Volto a escrever somente quando acaba o documentário sobre Paulo Vanzolini. Escrevo pensando em Dilma, a presidenta. Não gosto de escrever "presidenta". Penso que talvez essa palavra tenha uma certa empáfia de tentar fazer atravessar pela garganta dos machistas que quem preside o país é uma mulher. Penso que essa palavra talvez tenha algo de uma investida fálica. Penso nas sórdidas investidas da mídia global em relação ao escândalo da Petrobrás. Será que seriam tão sórdidas se quem presidisse o país fosse alguém do sexo masculino? Sinto uma ternura solidária por Dilma, que aguenta e bem ser chamada de "presidenta". Ternura solidária por Dilma, que vai à luta, arregaça as mangas, sem nunca ter se dado ao luxo de ser Penélope. Deixo assim registrada minha homenagem à mulher brasileira e vou assistir valter hugo mãe falar sobre Billie Holiday.
                                                                                               Marcia Gomes.

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