segunda-feira, 27 de junho de 2016

12/06/16                                               A  CLAREZA  DE  CLARA (2)

OUTRA VEZ, NUM SEGUNDO DOMINGO, DEDICO ESTE TEXTO À PRESIDENTE DILMA, QUE SENDO MULHER COMO EU, ALÉM DE TODAS AS SÁDICAS ATROCIDADES FÍSICAS E PSICOLÓGICAS QUE SOFREU DIGNAMENTE DA DITADURA MILITAR, ESTÁ EXPERIMENTANDO NESSE DRAMÁTICO MOMENTO PELO QUAL ATRAVESSA A CONJUNTURA POLÍTICA BRASILEIRA, A LAMENTÁVEL, DESPREZÍVEL MESMO, CHAMADA "CULTURA DO ESTUPRO". DE UMA EXPRESSIVA MAIORIA DE DEPUTADOS E SENADORES HOMENS, MAS NÃO SÓ, SEM FALAR DO, NA FALTA DE MELHOR PALAVRA, DESCONCERTANTE "GOVERNO" (que governo?) TEMER, VEM SENDO VÍTIMA DE DESRESPEITOSAS, VIOLENTAS E CRUÉIS INVESTIDAS CONTRA A SUA CONDIÇÃO DE SUJEITO. HOJE, NÃO ENTRO NO MÉRITO DOS ERROS QUE POSSA TER COMETIDO, ESTANDO CERTA DE QUE NÃO É UMA CRIMINOSA. FALO DA SUA EXEMPLAR PERSISTÊNCIA EM SE APRESENTAR COMO UM SUJEITO DESEJANTE, CUJA CAUSA PELO BEM DO POVO BRASILEIRO, PARTICULARMENTE OS EXCLUÍDOS E DESPRIVILEGIADOS, A EXEMPLO DAS MULHERES, NEGROS, CRIANÇAS E ADULTOS EM SOFRIMENTO FÍSICO E PSÍQUICO, IDOSOS, DESPOSSUÍDOS DE BENS E TERRAS, ENTRE OUTROS, SE SOBREPÕE DE MODO COMOVENTE E CORAJOSO, A SEU SOFRIMENTO. SEI QUE HÁ CRÍTICAS E CONTROVÉRSIAS QUANTO A O QUE REPRESENTARAM PARA O BRASIL ESSES ANOS DE GOVERNO DO PT. NÃO QUERO ENTRAR NESSE MÉRITO. QUERO DEIXAR REGISTRADA MINHA COMOVIDA SOLIDARIEDADE A DILMA, E À MOÇA, QUE NÃO POR COINCIDÊNCIA, NESSE MOMENTO, FOI VÍTIMA DE VIOLÊNCIA SEXUAL POR UM GRUPO AO MEU VER, DE DELINQUENTES. NÃO POR COINCIDÊNCIA. NÃO DUVIDO QUE A ESTRUTURA MACRO DETERMINE A ESTRUTURA MICRO. DELINQUÊNCIA MACRO, DELINQUÊNCIA MICRO. ONDE IMPUNEMENTE SE EXERCE O ESTUPRO EM PALAVRAS QUE BEIRAM AS VIAS DE FATO, FICA AUTORIZADO, DE CERTA FORMA, SE CHEGAR, PRETENDENDO FICAR IMPUNES, ÀS VIAS DE FATO. MINHA SENTIDA HOMENAGEM À DILMA, QUE CONSIDERO UMA COMPANHEIRA.

Gostaria que a crônica de hoje e a do domingo passado, chegassem à presidente Dilma. Se alguém souber como devo proceder para fazê-lo, por favor, me informe, escrevendo para meu E-mail.

Diz o comércio que hoje é dia dos namorados. Eu duvido disso. Como, o amor, na sua natureza contingencial, pode ficar marcado por uma data única, para todos? O amor tem datas. Quem não sabe disso? Muitas datas. Assim talvez diga Roland Barthes. Afinal, somos seres de linguagem e gostamos dos símbolos e de celebrar. Particularmente as mulheres. Datas de dois, no que há inescapavelmente de singular. Datas de dois, que pelo amor, felizmente, por mais trágico que isso seja, subvertem o discurso do capitalista.

Então, pensando sobre isso e sentindo isso, me demorei a começar a escrever, assistindo no Arte 1, praticamente meu único canal de televisão, uma bonita exibição do Grupo Corpo, fazendo coreografias musicadas de modo a doer, de corpos de dois, homem e mulher, se contorcendo de modo barroco, em paroxismos de gozo.

Se bem me conheço, se começasse a falar do amor, acabaria de novo por nada dizer da história de Clara, pendente desde o domingo passado. Então, antes de Clara (haverá sempre um antes de Clara?) me ocupo em relatar um evento do qual participei, podendo testemunhar que o povo brasileiro está, sim, por mais que a imprensa vendida insista em não noticiar, se manifestando de forma bela e veemente contra o "Governo " Temer e tudo o mais. 

A convite de amigas queridas, principalmente companheiras de luta, certamente mais esclarecidas e/ou menos preconceituosas que eu, fui numa noite dessas a um evento no TCA, promoção barata (R$ 5,00 para idosos) do Governo da Bahia, cujo tema, se não me engano, era o "empoderamento da mulher", ou qualquer coisa assim. A convidada era Marcia Tiburi, doutora em filosofia, escritora, feminista. Eu, hein!! Aqui fala a voz da ignorância. Nunca ouvi falar dessa distinta figura. Mas, confiando nas minhas amigas, fui. Felizmente, uma das debatedoras era Olívia Santana. Secretária do Governo para assuntos da mulher, filiada ao PCdoB, também feminista e, na minha opinião, principalmente, negra.

 Quem me conhece de perto, sabe, que não é sempre sem protestos que me rendo ao chamado discurso feminista. Me explicando melhor, talvez para parecer menos preconceituosa e ignorante, nem critico, na verdade receio um pouco os mal entendidos que podem causar concepções como dizer que a mulher ocupar a função de objeto de desejo do homem, é coisificá-la. Talvez a psicanálise tenha até talvez alguma responsabilidade nesse mal entendido, por, de certa forma, creio que por uma questão de rigor, preferir (será?) não se popularizar. É que o conceito de objeto, para a psicanálise, parece nada ter a ver com o "objetivável" ,"objetalidade", "coisificação". Ao meu ver, muito ao contrário disso. Mesmo porque, homem e mulher parecem se alternar nesse lugar.

Outra coisa que nesse discurso me deixa um pouco cabreira, é às vezes uma um tanto insistente tendência a examinar com razão, criticamente, a opressão do homem sobre a mulher, indiscutível, mas prescindindo de considerar suas determinações sócio econômicas. Acho isso delicado. Confesso, num tom mais autobiográfico, tenho medo de mulher que não gosta de homem. Não no sentido de suas preferências sexuais, às quais respeito, mas no sentido de terem um certo ódio, alguma questão complicada com aqueles que são portadores de pênis. Lembro que tive uma professora feminista numa pós-graduação , sobre quem muito conversei com o querido amigo poeta Carlos Machado, que na minha presença, recusou-se a orientar uma estudante aplicada, porque, sendo mulher, cometeu a heresia de escolher um escritor homem como objeto de trabalho da sua tese. Dessas coisas, tenho medo.

Felizmente Marcia Tiburi não é dessas. Sabe a que veio. A primeira coisa que ela disse foi: "Em primeiro lugar, FORA TEMER." O teatro em peso, eu arrepiada, levantou-se ao mesmo tempo, homens e mulheres, inclusive eu, gritando por bem uns dez minutos, com toda veemência: "FORA TEMER, FORA TEMER!!!". Foi lindo! Um espetáculo belíssimo!! Além disso, Marcia Tiburi disse que na sua estante ao lado do "Segundo Sexo" fica sempre "O Capital".

 Escreveu recentemente um livro intitulado "Como Conversar com um Fascista". Advertiu, que obviamente, o título é uma ironia, porque não se conversa com fascista. Ou melhor, com fascista, não se conversa. Sou da mesmíssima opinião. Gostei que ela tenha observado que o fascista não sabe escutar. E embora, com muito respeito, não gostei dela dizer que sexo não é a melhor coisa. Não será que as uvas "estejam" verdes? Quanto às minhas uvas, estão maduras, bem o sei. Eu é que preciso crescer, para alcançá-las. Outra nota autobiográfica. Enfim, valeu conhecer esta xará. Mas de quem eu gostei mesmo, sem restrição e com todo entusiasmo, foi de Olívia Santana. Particularmente, quando, com muita delicadeza e parceria, disse à Márcia: " Você é branca, uma intelectual, de classe média, talvez alta, tem título de doutorado. Eu sou uma mulher negra." Sabem como terminou o evento? Do mesmo modo como começou: "FORA TEMER, FORA TEMER, FORA TEMER, FORA TEMER, FORA TEMER, FORA TEMER, FORA TEMER, FORA TEMER, FORA TEMER, FORA TEMER!!!

 Agora tentarei falar de como uma criança pode também dizer : "FORA TEMER"!!!! Vamos ver se meu lacrimódromo, como de costume, não dá vexame sentimental. Como já mencionei no domingo passado, Clara é uma menina de 6 anos, muito inteligente, sensível e interativa. Filha da moça que me presta serviços como empregada doméstica. Estudando pela tarde, não tendo, muitas vezes com quem ficar em casa pela manhã, quando sua mãe está aqui trabalhando, Clara vem muito com ela e nos damos muito bem. Como, se estou em casa, costumo estar muito ocupada quando ela vem, Clara já se acostumou, ao chegar cedo com sua mãe, a ligar a televisão para assistir desenhos infantis. Às vezes, prefere ficar desenhando. Nos meus intervalos de trabalho, passei a brincar com ela, às vezes assisto aos desenhos junto e quando ela prefere desenhar, conversamos sobre suas criações artísticas. Ficamos amigas.

Gostando muito de criança, não tendo netos e com sobrinhos netos morando fora de Salvador, à exceção de Gabriel, cuja mãe é muito ocupada com a vida acadêmica, fui me apegando a Clara. E, sem perceber, com meus prováveis "desvios pequenos burgueses", passei a convidar somente a ela para irmos ao cinema, ao zoológico, a um parquinho, etc. Cada vez que era convidada, Clara, cabisbaixa, em tom aborrecido mas sem ser birrenta, me respondia: "Eu quero ir, mas só vou se minha mãe for". Eu, com meus prováveis "desvios pequenos burgueses", fazia uma leitura daquilo como se ela ficasse "insegura", "temerosa", sem a presença da mãe. Confesso, ficava um pouco chateada com aquilo. Queria curtir Clara independente de sua mãe poder estar conosco.

Então, com autorização de sua mãe, e, insensível, passei a tentar persuadir Clara a sair sozinha comigo. Ela, respondendo do mesmo modo. Eu tentando explicar que sua mãe não podia ir porque tinha trabalho a fazer. Até que um dia Clara me deu a resposta necessária e desconcertante: "Dona Marcia, minha mãe trabalha muito. Ela também precisa se divertir." Não sem vergonha, não sem uma certa dor, pude enfim compreender que Clara estava me dizendo algo assim: "Não pense você que com seus vícios ideológicos, vai brincar de me adotar como neta, excluindo minha mãe, por ser empregada." Foi uma porrada!! Dali em diante, passamos a sair as três juntas, em horário de passeio, em geral no sábado à tarde.

Infelizmente, pelo menos para muitos de nós, chegou aquele tristíssimo dia 12 de maio. Clara, que quando vem, chega muito cedo, quando acordei a encontrei com a televisão já ligada (na minha casa há um só aparelho de televisão).  Com braço e mão estendidos na minha direção, esboçava o gesto de me entregar uma moeda de dez centavos, troco de umas compras que sua mãe havia feito, enquanto eu ainda dormia. Ocupada com o que precisava lhe dizer, e já muito tensa com a perspectiva de assistir no Senado aquele tenebroso espetáculo, eu não cuidei de pegar o dinheiro e Clara, me ouvindo atentamente, continuava me oferecendo a moeda.

Então, eu já muito triste, expliquei pacientemente a Clara que ia precisar mudar o canal da televisão porque umas pessoas que trabalhavam num lugar chamado Senado, a maioria delas, muito próximas das pessoas muito ricas, queriam colocar Dilma para fora do Governo e do palácio e eu precisava assistir. Clara me perguntou por que essas pessoas queriam colocá-la para fora. Meio sem saber como abordar a questão com ela, que é uma criança, respondi que era porque Dilma era amiga do povo brasileiro e dos pobres.

 Então ela perguntou por que sendo Dilma amiga dos pobres, seria posta para fora? Eu, ainda sem saber ao certo o que daquilo ela poderia compreender e sem querer desqualificá-la, respondi que em geral, as pessoas muito, muito ricas, não gostam de dividir o dinheiro que possuem, com os pobres. Que na verdade, muito do dinheiro que possuem, pertence ao povo brasileiro e que eles ficam muito ricos roubando o povo brasileiro e botando as pessoas pobres para trabalhar e pagando bem pouco.

 Ela me escutava atentamente, muito concentrada. De repente, percebi uma mudança no seu gestual, que lerda, não compreendi. Clara recolheu o braço com o qual estendia a moeda, e fechou-a na sua mãozinha. Sem entender perguntei : "O que foi, Clara?" Ela, sem titubear respondeu: "Esse dinheiro, não é seu. É de minha mãe." É preciso chorar. Então choro. Respondi que por enquanto, aquele dinheiro era meu. Mas que eu compreendia o que ela queria me dizer. Que trabalhando tanto quanto sua mãe trabalha, ela ganhava muito menos que eu e isso não é justo. E que Dilma queria resolver essa situação. Por isso os muito ricos a queriam fora. Caí num choro sem poder continuar a conversa.

Desamparada, pedi a Clara e a sua mãe que sentassem comigo na sala para assistir a televisão. Chorando muito, ainda recebi essa impressionante lição de Clara: "Dona Marcia, não chore assim, não. Ela vai voltar. Ela é como minha mãe. Não chora". Obrigada, Clara!!! Jamais me esquecerei desse lindo dia. E já sei, sem que soubesse, por que só consegui concluir o escrito, hoje, segunda-feira, dia 13, um mês e um dia depois. Clara, mais bonito que o inconsciente, só você. Eu não lembrava. Hoje é seu aniversário e você está aqui, ao meu lado, assistindo seu desenho, enquanto escrevo. Só não quero que me veja chorar. Quero ser como sua mãe. A que sabe, que temos porque esperar.  FELIZ  ANIVERSÁRIO!!!!
                                                                                              Marcia Myriam Gomes.
                                                                                             

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