quinta-feira, 9 de janeiro de 2014




15/12/13                                  LIMPANDO  PEIXES

O apelo publicitário das lojas não me atrai. A profusão de luzes espalhadas pela cidade não me encanta. Fujo como o diabo da cruz desse clima consumista de fim de ano. Não vou ao shopping e prefiro presentear o outro por razões simbólicas bem mais particulares. Ainda prefiro o Jesus filho de carpinteiro e nascido na manjedoura.

Então o fim do ano me chega sem a via comercial do Natal. Praticamente não tenho familiares próximos em Salvador e não pretendo viajar. O nascimento de Cristo, embora eu não me considere devota, será celebrado. Celebrado num recatado recolhimento de quem se sente satisfeita com o saldo que vai ficando de 2013.

Comecei o ano com questões de saúde um tanto complicadas. Fiquei muito "jururu". Oportunidade para viver com gratidão e ternura a solidariedade de amigos e colegas que se fizeram presentes das mais diferentes formas.

Ao longo do ano sustentei a escrita do "Blá, blá, blá....." em praticamente todos os domingos. Como não sou escritora, me permito dar o meu recado mesmo quando o texto não sai como eu gostaria. Escrever é uma atividade de importância visceral para mim. Me dizer ao outro, partilhar acontecimentos, impressões, recordações, questões da minha subjetividade. Receber o retorno sensível dos amigos, colegas e leitores me dizendo estar em sintonia com o que lhes conto. Ou não estar.

Através do "Blá, blá, blá...." muitos testemunharam momentos importantes vividos durante esse ano. Alguns se fizeram presentes continuamente, outros, foram mais intermitentes. Alguns jamais se manifestaram. Não importa. Sei que me expus, me revelei quase na minha intimidade e recebi todos os fins de semana retornos generosos ao que escrevi. Quero agradecer. Pelo nem sempre fácil mas sempre gratificante caminho da escrita, pude construir e fortalecer laços afetivos da maior importância.

Em junho celebrei os meus sessenta anos com a presença maciça de todos aqueles que me são caros. Os que não puderam comparecer fisicamente por motivos justos, se presentificaram por e-mail ou telefone. Por iniciativa das queridas amigas mais antigas Ana Cecília e Ana Helena e com a participação de muitos, recebi de presente de aniversário meu quadro "Flor de Algodão" que estava na galeria para ser vendido. Gesto de uma beleza impagável. A "Flor de Algodão" está agora pendurada na minha sala me fazendo companhia na sua leveza cândida.

Usufruí durante todo o ano da presença de Nice, minha funcionária do lar, pessoa de uma amorosidade rara. Meio a contragosto e mesmo com a minha burrice tecnológica, entrei no facebook e fiz vários amigos.

Com muito estudo e com muito gosto, escrevi um projeto de trabalho buscando uma confluência entre literatura e psicanálise com a pretensão de examinar a obra poética de um escritor que considero excelente, tomando como marco teórico o Seminário 23 de Lacan. Se eu puder darei andamento a esse projeto o ano que vem. Parte da coleta de dados já foi realizada.

Tornei-me amiga do poeta Carlos Machado, pessoa muito especial e passei a veicular seu boletim de poesia para amigos, colegas e leitores. Eu e um bom grupo de pessoas interessadas nos encontramos com a escritora baiana Martha Galrão para conversar sobre a relação da escrita com a subjetividade. Criei o blog cujo nome é uma homenagem a Carlos Machado: blablablazista.blogspot.com.br   Nele publico por enquanto os escritos a partir de 2012 da minha crônica dominical.

Junto com minha colega Carla estou sustentando um estudo sistemático e muito gratificante de um seminário de Lacan. Recebi com dedicação meus pacientes, cuidando para ser rigorosa e capaz no exercício do lugar de analista e mantendo acesa a chama de entusiasmo pela psicanálise.

Usufruí da carona da minha amiga e colega Terezinha que junto com seu marido me trouxe em casa toda quarta-feira na saída do seminário. Pessoa adorável, Terezinha.

Recebi a amorosa visita de Sandra, Dani e Alfredo, respectivamente minha irmã mais velha, minha sobrinha e meu cunhado. E como estreitamos laços! Ainda nas visitas, não posso esquecer de Maroca que povoou um domingo de alegria com sua presença cálida testemunhada por meus leitores. Falei várias vezes com meu filho adotivo Rafael Andrés e pretendo visita-lo em São Paulo no ano que vem para matar as saudades dele e de minha nora.

Passei todo o ano mantendo uma compaixonada, cuidadosa e enternecedora interação com minha mãe, sentindo carinho e respeito por sua devotada fé em Deus de noviça carmelita. Fiz milhares de outras coisas e não haveria espaço para enumerá-las. Mesmo porque o leitor já deve, enfadado, estar se perguntando por que cito no meu balanço de fim de ano coisas tão corriqueiras, tão triviais, tão de todo dia.

Respondo dizendo que mesmo não sendo religiosa, gosto muito da poeta Adélia Prado. Adélia tem um poema de amor onde descreve uma cena dela com o marido na cozinha limpando peixes. Como limpar peixes pode ser a encarnação de um gesto de amor quando dito pelo poeta! Infelizmente não sei ser poeta. Mas felizmente a sensação que tenho é que passei 2013 na cozinha limpando peixes. 2013 foi pra mim uma colcha de retalhos do cotidiano, costurada com o delicado fio do amor. Estive sob a égide do amor em 2013, mesmo quando perdi a minha amiga D. Ruth. Vai ver, por isso, vou passar o Natal num recolhimento de manjedoura. Recolhimento que prescinde dos grandes feitos. Limpando peixes.
                                                                                                 Marcia Gomes.