quinta-feira, 20 de março de 2014

"Blá, blá, blá domingueiro......"e...Meu carnaval : lição de vida.


09/03/14                            MEU CARNAVAL : LIÇÃO DE VIDA.

Eu e minha irmã mais velha. Um ano apenas mais que eu. Somos água e vinho. Eu, talvez taciturna, talvez mais para triste. Ela, sociável, mais para extrovertida. Eu, talvez mais voltada para coisas da vida interior. Ela, mais pé no chão, voltada para as coisas da vida prática. Sabe-se lá. É tão difícil definir as pessoas. É tão arriscado......Pode virar estigma. Acho que entre nós duas assim se deu. Crescemos ouvindo esta "cantilena" a respeito de nossas diferenças. E nos afastamos. Sim, de certo modo nos afastamos. Ambientes diversos, grupos de amigos diversos, escolhas diversas, valores diversos.

Quando a gente começa a envelhecer, tudo se relativiza. Quem era vinho vira água. Quem era água vira vinho. De modo que a minha relação com a minha irmã mais velha para mim se divide entre antes e depois da visita que ela me fez no ano passado, quando minhas questões de saúde se agudizaram e ela veio a Salvador. Naquela visita, mais que as diferenças, o afeto, o cuidado. Não mais "quem é mais isso", "quem é mais aquilo". Muito mais "conte comigo" por maiores que sejam as diferenças. Somente assim muitas coisas podem ser vistas diferentes, ressignificadas. Somente assim tirar lição de vida numa viagem de carnaval.

A minha irmã mais velha se chama Sandra. Sandroca. A sua filha, sobrinha para além de querida, se chama Daniela. Dani. E o meu cunhado, também muito querido, se chama Alfredo. Feu, para os íntimos.

Sandroca, Dani e Feu e lá fui eu visita-los em pleno carnaval. No exterior? Que exterior, que nada!!! Pelo contrário:interioridades. Viagem interior com direito a muita saudade regada a lágrimas, viagem interior com direito a cuscuz paulista, viagem interior com direito a pomada milagrosa, viagem interior com direito a lugar para apoiar o pé na hora de assistir à novela, viagem interior com direito a redescobertas.

Fui ali em Aracaju. É lá que eles vivem. "Céu topázio....ser feliz, o melhor lugar é ser feliz." Diz Caetano a propósito desta capital quase minúscula.

De Aracaju quase nada vi. Fiquei a maior parte do tempo em casa. Sentei-me por longo tempo no sofá à entrada do salão de beleza. É. É isto mesmo. Sandra e Alfredo são donos de um salão e nele trabalham como cabelereiros.

Exceto o feriado de terça e alguns blocos em bairros de periferia, em Aracaju não tem carnaval. Teve sim, muito trabalho no salão e eu, ossos do ofício, me pus a observar. Como será deixar para trás seus "cacoetes" intelectualóides de psicanalista distanciada para fazer contato com a rotina tão peculiar e calorosa de um salão de beleza? Precisei fazer 60 anos para descobrir finalmente em toda plenitude a mulher trabalhadora, competente, sensível e muito inteligente que há na minha irmã?

Sem ser psicanalista Sandra tem um retrato psicológico muito bem montado de cada cliente que vem ao salão e, de certa forma, o toma como critério na hora de escolher o corte, a tintura, o permanente, o relaxamento e mais uma centena de nomes outros para aqueles procedimentos de mágica transformação.

Cada cliente que chega é recebido com um sorriso largo. E como tem sorrisos disponíveis, essa minha irmã! Muito articulada verbalmente e bem informada, conversa de assuntos os mais variados conforme o repertório do freguês. Escuta confidências, emite opinião, dá conselhos, tudo com muita propriedade. Lá eu vi chegar de uma senhora de 94 anos a uma criança de 4. Diferentes ocupações, classes sociais, uma variada clientela. Para cada um Sandra tem a palavra exata.

Passei horas sem fim só escutando o palavreado que serve de pano de fundo ao extenuante labor que opera metamorfoses nas almas e nos cabelos tornando-os mais bonitos.

Pode parecer, mas não estou aqui fazendo propaganda dos dotes de cabelereira da minha irmã. Não teria, nem de longe, competência técnica para fazê-lo. Na verdade estou registrando a minha gratidão. Jamais antes me detive observando a rotina de um salão de beleza. Provavelmente tinha até preconceito com atividade "tão pouco intelectual". Como aprendi com esta experiência!

Costuma-se dizer que o trabalho enobrece a alma. Arrisco uma inversão: não será a alma que enobrece o trabalho?

                                                                                             Marcia Gomes.