sábado, 28 de setembro de 2013

Texto de 21/07/2013

"Blá, blá, blá domingueiro...."e... INTENSO, inTENSO, intenSO.


Uma quinta-feira qualquer. Um dia chuvoso qualquer. Um mês de julho qualquer. Um céu cinza chumbo. Seu peso me sobrecarrega a alma. A umidade do tempo lhe põe ferrugem. Com alma oxidada me sento à cozinha para comer algo. Ouço um piado vindo do chão.Um piado? Um gorjeio? Um trinado? Olho ao redor já com o peito contrafeito.Rimou sem querer.O som que vem do chão prenuncia agonia. Êpa! Rimou de novo.Um gemido? À excessão do gemido, algo silente como que um chumaço negro de algodão desliza no chão. Rimou de novo.Sem preguiça, mas ainda com vestígios da ferrugem, não me permito trabalhar o texto. Deixa rimar. Sinto um presságio impressionístico de que preciso delinear contornos, apalpar a forma. Penso em Jorge Luis Borges e sua linda conferência intitulada "A cegueira".Vou buscar os óculos. Ainda não os havia perdido.

Quem traduziu "Sete Noites" de Borges foi meu amigo João Trevisan. Onde anda meu amigo João? Custa achar os óculos com os salamaleques impressionísticos da minha visão. O gemido vindo do chão da cozinha.Óculos postos e a docilidade desconcertante da surpresa:um filhote de passarinho.Seu desamparo me põe em guarda todo o corpo. Aflito. Aflitos. Meu corpo e o passarinho. Penso:"terá entrado pela nesga de abertura da vidraça e não consegue voltar pra casa.Onde será sua casa? De onde veio?Como fazê-lo retornar?" Músculos tensos, não me atrevo a tocá-lo.Medo de sua fragilidade.A minha? Abro a janela, a vidraça, tentando libertá-lo. À excessão do gemido, silente como um chumaço negro de algodão desliza pelo apartamento. Sobe no sofá, na televisão. Gemendo e silente. Por que não alcança a abertura da janela, o espaço aberto da vidraça e volta pra casa?Eu em assuntos de querer voltar pra casa sem poder, sou expert.Eu e o filhote de passarinho travamos um tenso e delicado embate por longo tempo. Eu, querendo libertá-lo-sua presença indefesa, inesperada, me oprime-ele, sem conseguir sair. Trêmula de aflição, resolvo tocá-lo:não pesa na minha mão.Então sofro.Como é mesmo o nome daquele livro? "A Insustentável Leveza do Ser".O conduzo até o parapeito da janela e lá o deixo entregue à sorte.

Decido sair à rua para resolver algumas coisas. Como já disse, seu desamparo me oprime."Quem sabe quando eu voltar da rua ele já partiu, liberto?" Na rua, penso nele com obsessiva, sufocante persistência. Finalmente, enfio a chave na porta e ouço o gemido. Lá está ele....Sem tremer, o coloco na palma da minha mão (que se dane o nome do livro); sem tremer, estendo a mão e o braço para o limite fora da janela e alcanço o ar (que se dane o nome do livro). Ele sai voando. Eu, liberta!
 
Quem disse que era uma quinta-feira qualquer, um dia chuvoso qualquer, um mês de julho qualquer? À noite escuto o escrito de uma amiga sobre uma pessoa que quer voltar para sua casa e não sabe como fazê-lo.Pede, pede e pede. Um texto mais do que lindo: INTENSO de significados, TENSO de apreensões e SO da dor. Dor de escrever.
                                                                                                                        Marcia Gomes.
Texto de 13/07/2013

"Blá, blá, blá domingueiro...." e.....textos extraídos.


QUEM  MANDA  NÃO  ME  LEVAR  AO  CIRCO?
 
Em coisas nunca vistas dantes a gente não põe nome. Pois se não sabe?A gente descreve tal e qual supõe ter visto. Isso é pra justificar tamanha inconveniência.Será que na vida adulta sou assim incontinente sem rédeas para as palavras? De uma coisa fico certa: o que foge à normalidade a mim não causa espanto. Que graça teriam os caminhos se não fossem os desvios? Posso, sim, fazer leitura errada. Mas isso não é espanto.São rodopios da imaginação. Sofro deles. E como sofro! Aqui eu era lá pelos 6, 7 anos.....e médico do interior não goza exatamente do que se possa chamar "privacidade".Pelo menos naqueles tempos, durante o dia o portão da casa era aberto.Nem sequer um telefone.Como então marcar consulta em caso de emergência?

Foi assim que da varanda ouvi o aflito bater de palmas. O famoso "Ô, de casa!".Corri ao portão . A voz era de ventríloquo:"Doutor Joaquim está? É urgência!" A altura da mulher não fazia jus ao tamanho dos cabelos. Quase batiam nos pés. Mas eu não via os pés, comprido também o vestido. Criança sei que não era. Pela gravidade dos vincos no rosto.Era uma figura terna.Se eu fosse artista a pintaria.Via seus braços roliços encaixados nas mãozinhas que esqueceram de crescer. Via que sua distância pro céu era, bem capaz, maior que a minha.Muito mais não pude ver. Pois se era urgência? Então a imaginação deu um célere rodopio e mesmo do portão gritei, para que ela escutasse que eu tomava a cabível medida: "meu pai, aqui tem uma mulher abaixadinha procurando por você!"
Era uma anã. Quem manda não me levar ao circo?
 



SEM  NOME
 
Arde, amor, arde! Tanto, que na mão treme a caneta. Arde, amor, arde! Que a distância não é terrena. É oceânica. E todos os navios naufragaram. Tens na mão direita, bem na palma, a cicatriz de uma chaga. Foi essa que fez de ti um fugitivo? Migraste ao continente do sem outro. E prescindes de outra luz senão a própria. Aqui onde vivo, noite escura, ouço um esgarçar de seda se rasgando. Somos nós. Não há costura, pois levaste o dedal. Meus dedos sangram. Só a mente febril, minha loucura, insiste em reparar essa ranhura. Arde, amor, arde! Pois a noite estrelada de Van Gogh é o revolto azul, prenhe de ausências. Pois que eu, pensando ser Alice,mergulhei numa piscina de lágrimas depois de atravessar o fosso fundo. Arde, amor, como apagar-te se nada dizes para pôr fim ao desatino, se no outro continente não me escutas, mas nos meus ouvidos tem um sino a anunciar, a anunciar a tua volta? Perdoa, amor, os desvarios dessa alma abandonada ao vazio do insensato, tomada pelo desejo alucinado de ir contigo onde tu fores, se for preciso, num pacto de sangue.
                                                                                        
          
                                                                                             Marcia Gomes


Textos extraídos de "Conversa Marciana"- caderno de escritos para circulação entre amigos - Salvador, 2002
Texto de 07/07/2013

"Blá, blá, blá domingueiro..." e... "Sem eira nem beira".


Despimbolada do sentido.Estouje.Estou hoje .Estojo bem guardado de non sense. Gracili ando FLIP de amor para ti. Quando ia a Paraty atravessava a BR e ia nadar pelada na praia de Trindade.Êpa... Santíssima! Trindade, Fernando Gabeira. Sem eira. Acabei de dizer a uma amiga ao telefone, a propósito do horroroso filme de Almodóvar:"gente é uma coisa muito particular".Partícula , AR, respira. Gente não faz sentido. Pelada podia ser. Nadar não era. Não sei nadar. Nada, AR, respira. Meu filho adotivo colombiano gosta muito de dizer:"fulano é muito particular".Gosto desses lapsos tradutórios. Era um labutório sair de Trindade de volta a Paraty. De Manoel de Barros ganhei de um amigo:"Escritos em verbal de ave". Resposta: "Silêncio:escritos em averbal". Chico Lecó era um doido que andava em Taperoá com as narinas floridas.Flor ida pra sepultura.Oásis."Deixamos Bernardo de manhã em sua sepultura. De tarde o deserto já estava em nós."(Manoel de Barros). Flor ida pra sepultura."Meu cravo-pessoal-de-defunto.Minha corola sem cor e nome no chão de minha morte".(Drummond - Declaração de Amor). A minha amiga, a do telefone, brinca comigo de analista e diz:"não é minha mãe".Eu:"é a mãe do outro" e Almodóvar "Tudo por minha mãe". Tudo ou nada? Nadar. Nada, AR, respira.Tinha que colocar correntes de ferro nas rodas do jeep e subir uma ladeira de barro muito íngreme.Eu sentada no vaso qual pensador de Rodin. Minha irmã caçula aos 11 anos pintou na tela um homem sentado no vaso com a mão sobre o queixo e chamou "O Pensador".Nunca havia ouvido falar em Rodin. Minha irmã caçula é muito particular.Partícula, AR, respira.Olho para o chão vejo no piso do banheiro escrito: Artex. Na bancada do banheiro a fragrância que a amiga deu.Dentro de uma latinha qual estojo.Estojo bem guardado de non sense. AR TEX TO. Muito íngreme. Fragância PHEBO que a amiga deu.Experimento a palavra PHEBO com a lupa.Tonteria.Ria.RIA,RIA,RIA, de alegria quando chegava de Trindade em Paraty.Para ti.
 

P.S. Fomos uma vez de Paraty tomar banho de mar pelados em Trindade. Ele me contou que foi Gabeira quem descobriu aquela praia deserta.Voltamos de jeep com correntes nas rodas.Que aventura!Ele adorava a marca PHEBO. Ele escrevia. Ele morreu de uma doença no aparelho respiratório.Seu nome era Bernardo."A verdade tem estrutura de ficção".


Marcia Gomes.

Texto de 02/07/2013

" Blá,blá,blá domingueiro...." e...."Alice no país das maravilhas".


Era de poucos estudos. Nem poucos nem muitos são necessários para modelar um vestido. Modista de categoria.Sabedoria popular? Muita! Se alguém pretendia dela obter algo indevido, não titubeava em dizer: "Se é por isso que seu gato mia, dê pelanca."Tentasse você pisar em seus calos por ter lhe feito um favor, logo proferia:"Não é por eu comer toucinho que chamo porco de nhô, nhô".Se alguém se atrevia a avançar nas intimidades antes do casamento (naquele tempo isso era impensável) Dona Alice logo sentenciava: "Merendou antes do recreio". Assim, Ana Helena, sua filha, e uma enorme turma de colégio que frequentava sua casa para estudar e para se banquetear com os quitutes de Dona Alice- mais para se banquetear-cedo se iniciaram na arte dos ditos populares.
 
A casa, no bairro da Barra, muito, mas muito simples mesmo,era um entra e sai, um ir e vir de clientes do ateliê de botões e costuras. Dona Alice era uma trabalhadora incansável. O barulho da máquina de costura era quase ininterrupto. Definitivamente não gosto de ir até lá depois que Dona Alice se foi. Sinto falta do barulho da máquina. Sinto falta daquela figura mínima (da altura de Edith Piaf?), encurvada pela postura à máquina, daquela risada farta se chocando contra um olhar quase melancólico.Pela movimentação do meu aniversário em torno de um quadro de Valdemberg intitulado "Flor de Algodão", vocês já sabem que gosto de quadros.Tenho no meu consultório um quadro de Modiglianni. Uma mulher com os olhos vazados de tristeza. Sabem aquele olhar parado de quem espia incansavelmente para os "Brejos D'alma" (nome de uma obra de Drmmond)? Tenho o olhar de Dona Alice bem na parede de meu consultório. Dona Alice era de uma tristeza risonha.Frequentei aquela casa muitos e muitos e muitos anos. Nunca a vi chorar.Sinto falta de alguém que me chame "Marcinha" e que faça o bife exatamente no ponto que eu gosto. Dou uma sorte danada com as mães.De meus amigos.
 
Quando fui embora para São Paulo viver todas as delícias que tive direito e comer todos os pães que o diabo amassou, a maior loucura (mesmo!) de toda a minha vida, Dona Alice me fez um vestido de presente para o frio. De flanela, fundo côr de rosa cheio de bolinhas, mangas compridas e muitos babados.Embarquei com ele. Amei, como amei, estudei, como estudei, me encantei com a vida cultural do Sul Maravilha.Fui bem recebida no mercado de trabalho.Trabalhei, como trabalhei! Viajei muito também.Tomada pelos desencantos de um amor perdido, 11 anos depois desembarquei. Com ele.O vestido. Nunca mais o usei. Sua função se havia cumprido.
 
No dia 29 de março não sei mais quantos anos faz, a maldita "Diabética" (nas palavras dela) levou Dona Alice. Para onde? Para nunca mais sarapatel pelas madrugadas de estudo dos colegas de Ana Helena. Para nunca mais feijoada com pirão feito na hora, para nunca mais caruru de São Cosme para quem quiser entrar na casa. E que vatapá, meu Deus!
 
Era um domingo quando recebi no meu apartamento a notícia do mal feito da maldita "Diabética". Abri meu guarda-roupa, olhei demoradamente para aquele vestido, muda testemunha do meu louco,devastador ir e vir pela vida,colado à minha pele no embarque e no desembarque. Dobrei,embrulhei num papel de presente, desci o elevador e dei o embrulho de presente à primeira mulher" rechonchuda" que passava pela rua. Caí num pranto convulso. Só a vida de Dona Alice no seu ir e vir na máquina de costura,modelando a veste da dor e da alegria de tantas mulheres (lembrei agora da letra de "Mulheres de Atenas" de Chico), justificava eu guardar comigo aquele vestido. Agora pertencia a outra, talvez tão louca quanto eu nos seus desvarios amorosos, para usufruir a obra de uma modeladora de sonhos, de uma escultora do imaginário feminino.Dona Alice era uma mulher que se realizava realizando sonhos de mulheres, mulheres tal e qual ela era......."tecem pra seus maridos"......por isso nunca a vi chorar.Por isso,  exemplo de "savoir faire" com seu sintoma, ela deve estar no país das maravilhas.  Tecelã do desejo feminino por mais louco que possa parecer: 

              "Oh, you can't help that", said the cat:"we're all mad here.I'm mad.You're mad"."How do you know I'm mad?" said Alice."You must be",said the cat, "or you wouldn't have come here" (in Wonderland)-- Lewis Carroll --Alice's adventures in Wonderland.
 
                                                                                                                         
     Marcia Gomes.
Texto de 09/06/2013

“Blá, blá ,blá domingueiro...” e... Você quer ir a meu aniversário? Está convidado(a)!!

Quem e porque  está sendo convidado: Não é por uma razão fútil. É porque você pertence a uma das três gerações de pessoas que me querem muito bem e que são muito, mas muito especiais mesmo, para mim.

O modo de querer bem varia, conforme a subjetividade de cada um. O tempo do querer bem também varia:há pessoas que conheço há quarenta anos. Outras, não faz três anos que entrei em contato. Das mais antigas, aquelas que me acolheram nas suas casas, nos seios de suas famílias, em um Natal que poderia ter sido muito solitário. Por exemplo, o Professor e Dona Ruth e as acolhidas em Itacimirim.

Das mais jovens, Marcelinho.Nos tratamos de "brother" e "sister" e fui eu quem limpou seu primeiro cocô na maternidade.Tem também aquela que mais ou menos aos dois anos quando seus pais mudaram para Brasília, quando ia a algum lugar na cidade nova, numa graciosa angústia de reconhecimento perguntava: "Cadê a Basília?". Tem você que mora em Novos Alagados e uma vez me deixou de olhos alagados. Tem o filho que puxou à mãe no jeito quietinho e na escandalosa sensibilidade poética: faz fotos e como meu pai, dá nomes lindos a seu próprio olhar. Vitinho, o fotógrafo, já é pai de Mariana. Marcelinho é um craque no basquete e como persevera em exercer seu desejo!
 
Dos meus contemporâneos, só dá para falar por alto. São milhares. Há aquelas ou aqueles cuja afinidade se estabelece por serem parecidas (os) comigo.Outros, são tão diferentes! Nem gostam de arte e literatura...sequer de psicanálise....Mas quanto afeto por mim, cuidado, generosidade! Se você está recebendo este e-mail é porque está sendo convidada mesmo! Ou convidado!
 
Quanto às parecidas comigo, gostaria muito que aparecessem. Várias delas, não sei a que classe social pertencem, não  conheço seu estado civil, não sei onde moram, nada dessas bobagens. Sei sim que são sensíveis.Que sintonizam com a dor do outro e/ou se encantam com e/ou tecem um novelo de significantes elegantes.Essas pessoas em geral não esquecem de dar retorno ao que escrevo no meu "Blá, blá, blá....". O bonito é que não é por se encantarem com a perfeição do que escrevo. Sei que às vezes consigo escrever direitinho, mas não sou uma escritora. Essas pessoas se deixam tocar pelo que consigo deixar entrever de mim no meu texto. Elas são particularmente especiais para mim. 
 
Tem também tia Diná e os primos e primas. Sobrinhos queridíssimos por meu pai, cada um com seu apelido. Particularmente meu primo do Rio. Carlos Geraldo, vou fazer de conta que você estará aqui e lhe darei um abraço bem apertado.
 
Estou convidando Maninha. A doce odontóloga que compreendendo meus bolsos furados, arranjou para mim um atendimento na ABO. Valeu, Maninha! Estou convidando Newton. Ele me leva para lá e para cá, nunca esquecendo de perguntar por minhas dores, num Português correto e com o cavalheirismo talvez aprendidos com seu pai.
 
Finalmente estou convidando Nice, minha auxiliar doméstica, diarista, que me faz companhia e me põe a par do noticiário cheio de sangue, assassinato e polícia.Ai meu Deus! Ela me explicou: "é melhor ouvir no rádio do que viver dentro de casa."Nice, você é uma figura.De fala alta e de modos estabanados é capaz de um afeto sem medidas.No dia em que me acompanhou ao Hospital Aliança chorou copiosamente porque eu sentia muita dor.
 
Há uma pessoa muito, muito especial, que com certeza não esquecerá do meu aniversário e não poderá comparecer, por razões de dor na alma.Prometi a ela que vou ficar feliz por saber que lembrará de mim.
 
Não posso deixar de registrar minha grande tristeza pela ausência de Rafael, meu filho adotivo colombiano que mora em São Paulo. Por razões que escapam a seu controle e também o deixam triste, Rafa não poderá comparecer. Meu filho, até breve! Força!
 
Para o que exatamente você está sendo convidado (a): Não é uma festa. Está longe de ser. Não sou chegada a festas. Creio que tudo começou quando as minhas queridíssimas amigas irmãs Ana Cecília e Ana Helena que sabem quase tudo sobre a minha vida e conhecem por inteiro o longo "perrengue" que ainda não acabei de passar (estou bem melhor), para me fazerem um agrado, inventaram uma história de uma surpresa de aniversário da qual outras pessoas queridas podiam participar, bastando para  isso acessar o e-mail de Ana Cecília.Supus então que em algum momento eu ia querer saber que diabo de surpresa era essa e agradecer ao vivo àqueles que participaram.Surgiu a idéia do encontro.


Na verdade, a vontade era fazer algo como um almoço ou jantar na minha casa (cozinho bem) e receber as pessoas. Mas cadê grana? Sei que grana costuma ser um assunto bem constrangedor sobre o qual se evita falar. Para as pessoas que me são queridas, mesmo não sendo íntimas, eu não evito. Em razão disso, todos vocês sabem que por problemas de saúde passei alguns meses sem trabalhar ou trabalhando quase nada e ainda não retomei por inteiro meu ritmo de trabalho, supervisão e estudos.

Muito envergonhada, comecei a trabalhar a idéia de fazer algo para eu encontrar as pessoas no meu aniversário que não implicasse em gastos. Primeiro, pensei num jantar por adesão.Mas aí, que sacanagem é essa? O aniversário é meu, eu não tenho gastos e as pessoas vão gastar num jantar? De jeito nenhum. Nada de jantar.Então baixei bem as expectativas e resolvi fazer um encontro bem casual  tipo CADA UM PAGA A SUA E A AMIZADE CONTINUA, num local onde se pudesse fazer apenas um lanche e que comportasse pessoas de três gerações diferentes , fosse seguro para estacionar, pudesse ser num horário compatível para alguns colegas que vão ao seminário da LETRA FREUDIANA, e, além de doces e salgados, tivesse um choppinho. Ah, e principalmente tivesse um nome bonito.
É preciso ter DOCES  SONHOS para suportar um momento em que um poeta de 35 anos desaparece dolorosamente. Suportar a responsabilidade que é de todos nós.Portanto, nada de festa.Um modesto encontro de pessoas que me são queridas, cada uma a seu modo.
 
Você está convidado (a) independentemente de ter optado por participar da surpresa preparada por Ana Cecília e Ana Helena.Pode levar o maridinho, o maridão, a esposa, o namorado, a namorada, o companheiro, a companheira, como quiser.Se puder confirmar a presença (só se puder) seria bacana.O local infelizmente não aceita reserva e eu vou tentar chegar mais cedo para garantir os assentos.
 
Tentarei fazer com que seja um encontro gostoso, o mais informal possível, onde cada um se sinta querido e à vontade, independente de credo, orientação sexual , classe social, côr da pele e idade.Você será muito bem vindo (a)!
 
DIA: 19 de junho- quarta feira-uma semana após o dia dos namorados
HORA: a partir das 20:00h encerrando o funcionamento às 22:00h
LOCAL: DOCERIA DOCES SONHOS

 
P.S. Ana, querida, porque os "Sapatos de Orfeu" só cabem nos mansos (bem aventurados como os que choram),nos tímidos e nos poetas.Obrigadissíssima!!!!!!!!!!
 
P.S.Ana Helena, querida, obrigadão!!!!!Valeu!!!! Você é a luz do sol.
           
                                                                                            Marcia Gomes.




Texto de 02/06/2013 

“Blá, blá, blá domingueiro...” e... A tarde; perdida.


Ela já se está indo.A tarde.Há um ruído perseverativo de um ventilador de teto com ar de rotina em cenário de livro de escritor latino americano.Mário Vargas Lhosa? Talvez.Vejo que escrevi errado o nome do homem.Como é? Como é? Como é? Como é me escapa entre dedos.Sangue por entre dedos.A memória que se perde fere."Sangue de Amor Correspondido".O nome do livro com o ventilador de teto.


O vento sibila desestabilizando o equilíbrio psíquico dos vidros do apartamento.Por entre os vidros enlouquecidos a noite adentra antes que nada eu pudesse dizer sobre a tarde.A tarde se foi sem que eu nada pudesse dizer sobre ela.A vida se foi? Coisa de fenomenologia:antes que se comece a dizer, escapa.A escrita é a tentativa frustrada de presentificar o que já se foi.O ventilador de teto dá uma, duas, cem voltas.Sem volta.Não posso retroceder à tarde.Não posso retroceder.O globo aceso na sala refletido no vidro faz de conta de ser uma lua romântica me consolando de ter perdido a tarde.Lua romântica.Amor correspondido sem sangue.E usufruir a noite porque fui eu quem acendeu o globo quando me dei conta de que algo em mim ficou irreversível.
                                                                                                     
   Marcia Gomes.
Texto de 26/05/2013 

“Blá, blá, blá domingueiro...” e... "Sessentanos".

Nota ao leitor: O "Blá, blá, blá....." é um escrito em geral semanal, com modestissíssimas pretensões literárias, em prosa. Chegando perto talvez de uma crônica, costuma ser um texto  cheio de livres associações viajando por diferentes tempos.Pode (costuma) incluir informes autobiográficos, percorre histórias consideradas ternas ou pitorescas,contemplando muitas vezes impressões, sentimentos, modos de ver o mundo desta autora.

Por minha absoluta resistência ignorante em relação aos recursos internéticos, escrevo o "Blá, blá, blá..." sob a forma de e-mail. Nas primeiras vezes enviei a poucas pessoas. Muitas dessas poucas me deram retorno dizendo terem gostado do escrito. Então resolvi ampliar o envio para uma lista grande de pessoas.Gosto que meu texto chegue a vocês e gosto também de receber retornos de como foi esta chegada.
 

 
Blá, blá, blá, domingueiro e....."Sessentanos".


 
Foi ainda ontem à noite. Sábado à noite ainda. Uma noite jovial. Quantas noites num pequeno texto! A lua, imensa, causava escândalo ao negror do céu com a sua face de luz branca nada virginal. Que digam os amantes.



Hoje, já um dia envelhecido pelos tons plúmbeos ensombrecendo o céu. O tempo senilizou-se de ontem pra hoje. Eu também. Recordo, era ainda quase ontem quando eu andava pela Alameda Lorena de braços dados com um escritor, entoando juntos a canção do filme "Cantando na Chuva".Eu não tinha sessenta anos. Fui com ele, o escritor, ao sítio de Hilda Hilst. Creio que era em Campinas. Na noite anterior quase não dormi.Não é todo mundo nem todo dia que se vai à casa de Hilda Hilst. Muitos bichos, aparelhos espalhados pelo sítio para captar a voz dos mortos no sítio de Hilda Hilst. Eu, calada, encantada, enfeitiçada pela conversa dos dois no sítio de Hilda Hilst. Se duvidar Hilda Hilst é o meu escritor mulher brasileiro preferido.Preferida.Quando cheguei de São Paulo aqui, não havia seus livros  nas livrarias.Que ódio! Mortal.
 
Agora, eu fazendo "sessentanos",minha amiga Ana Cecília que além de professora universitária é principalmente poeta, pra me fazer um agrado, me envia por internet a obra completa de Hilda Hilst. Acreditem! Respondo que preciso melhorar da minha dor para ler o que ela me enviou. Fazer sessenta anos é tornar-se insensível  aos amigos?
 
Apenas doze anos.Eu contava.A professora de Português do colégio público distribuiu um texto intitulado "Conversa de velho com criança".Era o meu Drummond.O parceiro masculino de Hilda Hilst na minha predileção.A minha mãe me presenteou com as obras completas.Li tudo aos doze anos.Nunca mais me esqueci daquela professora que me apresentou e deixou para o resto da minha vida aquela presença cálida, tímida, mineira do arauto da bela palavra.
 
Agora, eu fazendo "sessentanos", recebo de empréstimo de uma pessoa que me quer bem um livro com a biografia de Drummond. Dias depois devolvo explicando que a minha perda visual só me permitirá ler depois que eu fizer novos óculos.Fazer sessenta anos é tornar-se insensível com aqueles que nos querem bem e reconhecem nossas predileções?
 
De ontem pra hoje, talvez sob a inspiração da lua e indiferente ao senilizar-se do tempo, sonhei que estava com uma amiga na Serra da Cantareira lendo (e enxergando muito bem) poemas de Cesar Valejo, outro escritor que adoro.Do livro aberto, cai sobre uma pedra um bilhete do meu amante com o seguinte texto:"quando você chegar em "MEU PAI É UMA JANEIREIDA",nos encontraremos e faremos amor".Folheio rapidamente o livro e feliz da vida encontro a linda frase de Cesar Valejo:"Meu pai é uma janeireida"(agora em letra minúscula).Acordo feliz e penso:"O inconsciente é atemporal".No dia 19 de junho , quem sabe, renascerei?
                                                                                                           

   Marcia Gomes.
Texto de 20/05/2013 

“Blá, blá, blá domingueiro...” e... Visita às cartas do "Professor" à Dona Ruth.


À Lúcia e seu amado.
 

Escrevo.Não é sem dor.A última frase do livro "As Palmeiras Bravas" (adorável para quem aguenta) de William Falkner, é :"melhor a dor ao nada". Era setembro talvez do ano passado.Este ano eles completam 60 anos de casados.Eu também completo. 60 anos de idade. Na verdade, pra mim que me penso (logo não sou) analista, melhor dizer descompletamos.60 anos a dois. Eles. 60 anos dos quais nem sempre a dois, eu.Voltemos a talvez setembro do ano passado.
 
Eu desci do taxi.Não sem dor, circundei o olhar por onde se localizava o prédio onde mora o casal. Bairro da Graça.Lá, vivendo os piores anos da minha vida, eu deixei uma cândida recordação das elegantes senhoras de cabelo azul. Aos dez anos de idade, eu jamais havia visto uma senhora de cabelo azul. No bairro da Graça, elas proliferavam. Eu, quando uma lágrima ameaçava despencar naquelas calçadas um tanto nobres , como em talvez setembro do ano passado, circundava o olhar e me detinha entretida nos cachos tingidos daquelas senhoras. Cada um se entretém como pode, não é?Meu pai, muito irônico que era, se entretinha falando das manchas azuis nos absorventes das moradoras da Graça. Sempre o azul, não é? Não há melhor remédio pra enxugar os olhos da filha ou do pai,quando submetidos a uma separação compulsória.
 
Êpa! "Cadê" as cartas? Calma aí....sou prolixa.Talvez setembro do ano passado. A nobreza decaiu.Que ótimo! E o bairro da Graça, muito movimentado, mas muito  mais enternecedor agora, parece ter sido escolhido por moradores idosos para abrigar suas histórias de amor,não importando a cor dos cabelos das senhoras. Eu não tenho mesmo mais porque chorar quando estou por lá......Só se for de comoção com as cartas. 
 
Já estou transpondo o portão do prédio.Me perco tentando localizar o elevador.Ando no elevador em tensa expectativa.Dona Ruth ao telefone me disse que ia mostrar uma carta.De quem pra quem eu não sabia. Advertiu-me que eu poderia dizer das minhas impressões, sem contudo divulgar o conteúdo.

A moça que trabalha na casa me abre gentilmente a porta. Digo que estou sendo esperada por Dona Ruth. À entrada escuto a moça dirigir-se ao "Professor", anunciando a minha chegada e consultando quanto a me levar até sua esposa.Penso assim:"há um homem nesta casa e sua palavra tem valor de lei". Não sei ao certo porque isso me alegra. Me encanta. Agora, também não sei porque, meus olhos se enchem de lágrimas. Ele, com gentileza e alegria ordena à moça que me faça entrar, mas não aparece.Penso assim:"Ele faz o lugar da lei, respeitando que ela tenha com alguém assunto entre mulheres e receba suas próprias visitas".

Me sinto adentrando um reduto de amor indevassável. Passo pela sala e o cumprimento com carinho filial (outra vez as lágrimas). Ele interrompe a leitura e me acolhe com carinho paternal.Se não disse, digo que o "Professor" é um poeta, grande escritor e intelectual. Sinto-me muito bem acolhida nesta casa cheia de livros.
 
Acho que foi setembro do ano passado. Sinto muita dor nas costas, na perna esquerda. Disfarço para que não me vejam claudicando.Tenho usado esse estratagema frequentemente. Com o meu estratagema, sou levada pela moça ao quarto do casal.Dona Ruth está sentada numa cadeira de balanço com um livro de Josué Montelo aberto sobre a cama. Me recebe efusivamente.Muita alegria. Enquanto ele tem um olhar extremamente amoroso e conversa contida, ela é faladeira.Diz que posso me sentar à cama.Olho à minha direita e vejo sobre uma banqueta um caderno com textos datilografados. Nada suspeito. Ela, velozmente, volta a me contar a história do relacionamento amoroso do casal. Eu escuto entusiasmada fazendo curtas intervenções.Na verdade, tenho o coração aos pulos, estou louca para ver a carta (de quem?) e espero ansiosa que a conversa tenha uma pausa.


À medida que ela vai falando, minha cabeça começa  a viajar a respeito de como será esta carta:um texto à moda de Barthes?Parece pouco provável para 1952.Romeu e Julieta? O Banquete? Um pouco distraída do que ela está me dizendo e mergulhando fundo na minha viagem, de repente escuto:"não vai ver?" Ela aponta para o caderno sobre a banqueta e diz:"pegue!", em tom quase de ordem.Eu fico totalmente "atabalhoada"."Será que ela esqueceu da carta e está me dando este caderno de alguma outra coisa para ler?".Pego o caderno com péssima coordenação motora, estabanada, desapontada.Folheio a primeira página. O título:"Prezada Senhorita Maria Ruth de tal".Sinto um frio correr pela espinha (vejo a vulgaridade desta expressão:"sinto um frio correr pela espinha". Já leram "Sabrina", "Júlia", coisa e tal?lá está esta expressão querendo dizer:"fui tomada de emoção indescritível".Não levem a mal.Afinal, não sou escritora. Sou "escrevedora".Ou, se preferem, "escrevinhadora"). Um prazer doloroso estrangulou minha palavra, engoli em seco e me calei.
 
Dona Ruth:"Marcinha (assim ela me chama), este caderno são todas as cartas que José Newton escreveu para mim antes de nos casarmos. Nós mandamos imprimir e demos um exemplar a cada filho (são nove) com a recomendação de que só podem ser publicadas depois da nossa morte. Estão aqui para você ler todas."
 
Eu cheguei cedo.Deviam ser 9:00h da manhã. Terminei de ler pontualmente ao meio dia, quando o "Professor" chegou discretamente à porta e anunciou:"o almoço está servido".Antes de sentarmos à mesa, só houve tempo de perguntar:"por que só constam do caderno as cartas do "Professor"? as da senhora, não?" Resposta de mulher amada onde esta condição é razão de júbilo: "Marcinha, é ele o poeta.Temos que respeitar. Lendo as cartas dele você não matou todas as curiosidades a respeito do que é o nosso amor? Então, para que as minhas?".
 
Ao chegarmos à sala para almoçar, noto que a mesa é relativamente grande mas há duas cadeiras juntinhas em destaque indicando os assentos do casal. Ele puxa a cadeira para ela sentar, espera auxiliando que ela se sirva. Cada bocado intercalado por um olhar. Entreolhar-se.Homem, mulher.
 
Chegando em casa, choro para me acabar.As menopausadas sabem que esta tendência lacrimosa se acentua quando se aproximam os 60. Choro para me acabar. O que dizem as cartas? Não posso contar.Suficiente dizer que na primeira o tratamento é "Prezada Senhorita Maria Ruth de tal" e na última, "Minha muito amada Ruth".Vocês podem imaginar a delicadeza da gradação de tratamentos engendrando a intimidade que vai se insinuando por entre as cartas?Como um "fading". Não o dos behavioristas. O "fading" dos roteiristas de cinema.



Marcia Gomes           
Texto de 28/03/2013 

“Blá, blá, blá domingueiro..." e... Um rasgo de alegria.

Véspera.


Véspera da Paixão de Cristo, véspera do aniversário de Salvador, véspera do aniversário do falecimento da minha querida Dona Alice ( queridíssima!).



"Véspera" é um poema do meu adorado Drummond.Termina dizendo assim:"Não ensaies demais as tuas vítimas,ó amor, deixa em paz os namorados. Eles guardam em si, coral sem ritmo, os infernos futuros e passados." Lindo, não é? Num desses dias tormentosos de muita dor no corpo, uma amiga que diz "não entender" poesia, me fez a prova de amor de vir me visitar trazendo um livro de Drummond para ler para mim. Ela sabia que eu não podia ler por causa da postura, e me pediu para "explicar" um poema a ela. Lemos "Véspera".Quando ela viu que não tinha nada o que "entender" foi a glória! Isso não é um rasgo de alegria? Dona Alice era a mãe dessa amiga que diz não entender poesia.Dona Alice era uma mãezona. Uma mãe para mim.Da sua coleção de ditos populares o que eu mais gostava era:"Não é por eu comer toucinho que chamo porco de nhô nhô." Eu também não chamo. Dona Alice não era um rasgo de alegria?

Hoje, Nice(minha auxiliar doméstica, pessoa adorável), fez de véspera um vatapá delicioso para a sexta feira santa.Os ingredientes foram presenteados por uma amiga que por um lapso (sou diabética), bendito lapso, me trouxe também um ovo de Páscoa.Haja rasgo de alegria.

É o mês de março que vai embora. As águas não vieram? Ainda que não tenham vindo, há promessa de vida no meu coração.Hoje eu descobri que respeitando o limite do suportável, é melhor  escrever no computador.Puta dor.Ficar sem escrever pra mim é literalmente o calvário.Calvário. Não é que é meia noite? Dia da paixão.Acho aquele sofrimento meio masô de Cristo uma coisa linda!

Acho que amanhã vou dar seguimento à leitura de um trabalho de psicanálise super bacana de duas amigas.Rasgo de alegria. De repente é também melhor suportar a dor (maldita!) do que ficar sem ler.Com raríssimas exceções, pra mim televisão é o Ó.Como tô escrevendo mal! Isso é mal.Acho que com dor e tudo vou ver se dou conta de ir à Letra Freudiana na quarta ver o que está rolando de "Posição Sexuada e Autorização".Oxalá!. "Maxalá" é uma palavra turca.Sabem que até novela dei pra ver pra não morrer de tédio?

Glória Perez é muito mórbida.Não é pra menos, né não?



Estou começando a fantasiar eu escrevendo sobre as cartas de amor entre Dona Ruth e o Professor.Rasgo de alegria.Acho que está na hora de rasgar a página de dor na alma.Deixa a do corpo, né não? Sou apaixonada por Frida Kahlo.

                                                                                                                        


Marcia Gomes.



Texto de 09/09/2012 


“Blá, blá, blá domingueiro...” e... Telefonema de Dona Ruth.

Estava aqui meio triste.Constatando que o desejo vai para um lado, e a disposição física vai para outro.Será? Por mais que eu queira agradecer pessoalmente a cada um de vocês (MUITOS!) que me escreveram torcendo pela minha recuperação e inclusive (NOSSA!) se disponibilizando para ajudar se for preciso (que coisa linda a generosidade, a disponibilidade afetiva em alguns casos construída a partir da leitura de uns escritos-escrever, tornar possível a  "Impossível Transcrição"? -título de um livro de poesias de Ana Cecília Sousa Bastos, poeta dos meus prediletos-é no masculino mesmo.Pra quem quiser, interpretar.-que coisa linda, para além da apreciação estética, sentir carinho pela subjetividade que escapa pela pena de quem escreve! Que coisa linda!).


Por mais que eu queira, mesmo tomando injeção de seis em seis horas, não dá.Agradecer a um por um não dá.Mas será que o desejo vai para um lado e a disposição física vai para outro?Eis aqui para onde vai o desejo:acabei de receber um telefonema de Dona Ruth- lembram da história de amor com o "Professor"?-agradecendo em nome do casal pelo texto e pasmem!Me comunicando que para expressarem o agradecimento eles estão me permitindo ler uma carta de amor do casal.É , a essas coisas que agradeço estar nessa vida.Não será por aí  que caminha o desejo? Apesar da indisposição física."Apesar de você".Como diz meu adorado Chico Buarque. 
                                                                                                                                           Marcia Gomes.
Texto de 19/08/2012


“Blá,blá,blá domingueiro...” e... Entrevista com Dona Ruth - "Amor, de novo" (plagiando Doris Lessing).


Olhem eu aqui de novo! Escrever, mal ou bem, exercício de me dizer ao outro. Tal e qual barro, palavra. Eu, oleiro, modelando antes que transborde a alma.
 
                                                                               Um abraço,
                                                                                                                              
                                                                                                                                     Marcia Gomes.                                                                                                                                                                                                                                                                                                        

Eu, nascendo. Eles, contraindo matrimônio.Ou seria melhor "fazendo núpcias"? Eu, cinquenta e nove anos de vida. Eles, cinquenta e nove anos de casados. No ano em que nasci aconteceu tão densa,cálida e delicada manifestação do amor? Quanta honra! Ainda que nem de longe nos conhecêssemos. Eu, vocês já sabem:aquela "escrevedora" que volta e meia aparece nos fins de semana alugando sua paciência de leitor. E eles? O "Professor" e Dona Ruth. Sim. A ele quase todos chamam "Professor". A mim, somente ele chama, com toda pompa e cerimônia de "Professora". É que ele preferiu não registrar meu pedido de demissão da UFBA em 1985. Na vida do "Professor" não entra certa sorte de eventos.
 
Aconteceram próximos em datas a comemoração dos 90 anos do "Professor" e o aniversário de casamento.Aí me deu uma vontade danada de escrever sobre esta história de amor..Não sei por que (não é muito a minha cara) resolvi que gostaria de ter acesso a alguns fatos da história. Em razão disso, achei por bem entrevistar um dos dois.Escolhi Dona Ruth.Ela é mais faladeira e informal..Ele seria mais comedido nas palavras.Talvez até ficasse um pouco constrangido.
 
Por que eu resolvi escrever justo sobre esta história de amor? Existem tantas, não é? Não consigo me dar ao trabalho de responder a esta pergunta. Não sei, não sei. Essa história, em particular, sempre me encantou. Vou deixar com vocês o trabalho. Suponham, hipotetizem o que quiserem sobre as razões da minha escolha.
 
Liguei para Dona Ruth e ela se prontificou a dar a entrevista. Ah, a entrevista! Sem medo de exagerar, eu diria que o relato de Dona Ruth faria inveja a Roland Barthes. Toda entusiasmada, parecendo aquela jovem em 1953, ela falava com toda a propriedade de uma mulher apaixonada."Fragmentos de um discurso amoroso". O primeiro olhar. Que os amores desta época (somente dessa época?)se alimentam primeiro de olhares e palavras.Neste caso, com certeza, com uma carga de erotismo muito maior do que em alguns casais contemporâneos que às vezes passam longo tempo sentados numa mesa de restaurante, sem se olhar, sem dizer palavra.Ainda hoje, cinquenta e nove anos depois, o olhar entre Dona Ruth e o "Professor" transmite, a quem assiste, toda a intensidade erótica tendo como sub texto: "eu sou seu homem e você é minha mulher".
 
O volteio que ela, travessa, deu na praça. Uma espécie de Marilyn Monroe no Ceará. O rodopio que o pegou de jeito. Tocado pela graça juvenil da sensualidade da moça.A troca, que parecia interminável de cartas entre o Ceará e a Bahia. São ambos cearenses. Mas o "Professor" andava por aqui a trabalho. O "Professor", como muitos sabem, é poeta, escritor possuído pelo dom da palavra bela e correta. Será que existe palavra correta? Aqui eu enveredaria pelas considerações sobre poesia e palavra, sobre escrever e a dor que lhe é peculiar ingrediente, coisas que algumas (poucas) pessoas que me lêem reclamam de não entender. Não quero. Quero hoje um texto simples, fazendo as vezes de uma espécie de crônica.
 
Se não me engano o "Professor" preside uma Academia de Letras aqui em Salvador. Só para vocês terem uma idéia do modo como ele brinca com seu dom de palavras, eu soube pela sua filha que ele estava numa fila de uma dessas foto copiadoras onde se faz impressão, xerox, etc. A funcionária se aproximou dele e perguntou :"o senhor é cópia?" Ele, prontamente respondeu:"não, sou original".Além de poeta é professor aposentado da UFBA e da Católica. Dona Ruth, orientadora pedagógica aposentada,sempre acompanhou e estimulou os talentos de seu parceiro.
 
Eu, sendo mulher, e mulher encantada com palavras (conheci um senhor que se separou da mulher alegando que ela queria ser "emprenhada" pelos ouvidos - desculpem a deselegância),ouvindo o discurso de Dona Ruth experimento pela via identificatória talvez o mesmo frio na barriga, talvez o mesmo tremer de joelhos vividos por ela ao receber e responder àquelas cartas.Em mim, coisas da histérica.Também não quero enveredar por isso. Melhor deixar esse palavreado para os dias úteis.As cartas estão todas guardadas com esmero. Ninguém tem acesso. Quisera, quase como uma voyeur, me apoderar de uma só que fosse.Assim, seria hoje outro o meu escrito, intitulado "A carta roubada", plageando Edgar Allan Poe, Baudelaire e Lacan. Na verdade, nenhum dos três.Pelo que conheço dos poemas do "Professor" a Dona Ruth, imagino que as cartas eram a encarnação do desejo em palavras.Palavras muito diferentes do que às vezes vamos escutar dos que pensam ser o desejo uma meia dúzia de vulgaridades pornográficas.
 
Aí veio o pedido de casamento e o que só deve ser mencionado muito discretamente:a interdição familiar.Dos amantes, antes que anunciado por Lacan (1959) -- o amor foi inventado muito antes que a psicanálise-o exercício do imperativo ético:"Não ceder do seu desejo". Dona Ruth me contou sobre sua noite de núpcias de modo delicado, brincalhão e lisonjeiro com o seu parceiro.
 
Depois de uma longuíssima conversa, que, volto a dizer, faria inveja a Roland Barthes, dei por encerrada a entrevista. Toda satisfeita. Eu, supunha, quase não precisaria escrever.Transcreveria a conversa.Foi aí que Dona Ruth me chamou para o acerto de contas: "Marcia, o que nós tivemos aqui foi uma confidência de mulher para mulher.Eu lhe contei quase tudo.Sei que você gosta de escrever e escreve bem. Pode escrever à vontade. O quanto quiser. Pode até escrever um romance. Mas publicar é outra história. O que se passa entre mim e meu companheiro é de nossa intimidade.Publicar nossa conversa só se ele autorizar".Resultado:fui proibida de publicar a entrevista. Não será esta a parte mais bonita da história?
 
P.S.Em junho passado quando fez 90 anos o "Professor" foi presenteado pelos seus filhos com livro da sua poesia:"Uma vida em poemas".Na pag. 151 em "Cantos para Maria Ruth":
 

                                                                                Frente à catedral
 
                                                                 O tempo girava
                                                                 e a praça era o  mundo.
 
                                                                O sino era o canto
                                                                e a sombra o caminho
 
                                                               Súbito, o volteio e o perfil
                                                               feito riso.
 
                                                               Nem éramos, e eras,
                                                               e um dia seríamos.
 




Marcia Gomes.                 
Texto de 30/07/2012

“Blá, blá, blá domingueiro..." e...”Primo amore"; amor primeiro.


Agenda é feita para ser obedecida, desobedecendo. Pois é. Graças a sermos seres de linguagem. Na minha agenda anotei:"Blá, blá, blá domingueiro...” e... Entrevista com Dona Ruth. Quem disse que sai "entrevista com Dona Ruth?" Eu digo: "sai".Ainda que sob outro título.Poder metaforizar. Como moedas que são concebidas na "Casa da Moeda",palavras desapegadas de sentido, intercambiáveis.
Melhor, para quem fala, escreve,saber que sob o que quer que estejamos dizendo, estamos dizendo sempre a mesma coisa. Que coisa? Não sabemos. Quando alguém me pergunta:"o que você queria dizer quando escreveu aquilo?" Eu respondo,um pouco irritada:"Sei lá!" Sei mesmo. onde você me leu. Dó, ré, mi, fá, sol, LÁ, si,dó.

Será possível saber o que quer dizer a melodia que toca na radiola de tio Zezito?, onde você a escuta. Onde eu a escuto já é ACOLÁ. Palavra é meio lagarta.Você tenta se apoderar, tomá-la para si,já virou borboleta.Escrever,artifício de poder suportar tamanha efemeridade. Isso me recorda "efeméride". O que quer dizer "efeméride"?"Efeméride",palavra das antigas, não quer dizer absolutamente nada. Quer ser dita, escutada, conotada.
 
Quando me recordo que presenteei uma amiga que estava se exercitando na pintura com um livro intitulado:"Manual de Pintura e Caligrafia", dou muita risada.Nem me dei ao trabalho de ler a orelha do livro? Foi aí, bem aí nessa tremenda "gafe", que passei a amar com sofreguidão aquele que disse assim:...."na pintura, vem sempre o momento em que o quadro não suporta nem mais uma pincelada..." Saramago.


Desconfio, que sem "gafe", estou querendo presentear o pintor com quem estive sexta feira, com este livro. Pensando melhor....melhor?Não tem melhor que acuda pensamento. Parando de pensar, me acudo. Para não postar "O Conto da Ilha Desconhecida" (nossa, que história de amor mais linda!A última cena é o homem e a mulher pintando um nome num barco) nos correios via SEDEX..O destinatário seria o pintor, o desenhista que de mansinho, porém determinado, deixou Dona Ruth e a entrevista para outra ocasião.

Com Ruth ou sem Ruth, estamos sempre falando da mesma coisa.Mas "entrevista", faz uma falta....Entre nós não foi possível haver "entrevista". Nós que tanto falamos sobre e olhamos para o pescador de Taperoá que viria a ser a foto capa de um possível livro de meu pai."Entrevista", no sentido usado pelo povo em Taperoá, não foi possível.Taperoá, cidade onde morei entre as décadas de 50 e 60, tinha uma cultura popular muito rica. A luta de classes ficava amortecida pela predominância da pesca artesanal como atividade econômica.O povo podia se apropriar de palavras de gente rica, se autorizando a usá-las do modo que lhe aprouvesse.Muito enternecedor, o modo. Assim, aprendi com Conceição, a moça que trabalhava na minha casa, que "dar entrevista" era conceder um encontro amoroso."Fui entrevistada por fulano" significava "fui abordada amorosamente por fulano".

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Eu, dez anos de idade, recém-chegada do interior.Na casa de tio Zezito, onde me hospedo, se hospeda também um já rapaz, homem feito. Dezesseis anos. Lindo! Eu bem recordo que ele tinha pêlo nas axilas.Eu também já tinha cá meus pêlos apesar da idade.Eu bem recordo que ele tinha olhos castanho cor de mel. O que melhor recordo é a sua voz máscula e mansa.Eu sou capaz de apostar que ele canta bem. Eu, desde que vim ao mundo, fixada em palavras, ficava a repetir para mim mesma o seu lindo nome, cônscia de que entre uma menina de 10 anos e um rapaz de dezesseis, nada poderia haver além de pegar carona na radiola de tio Zezito.


Sexta feira passada soube que foi meu pai quem escolheu seu nome. Sexta feira passada soube que foi meu pai quem o presenteou com os primeiros instrumentos de trabalho: régua, compasso (será com c cedilha?), transferidor. Transfere  dor.Ai, a sexta feira passada....
 
Pegar carona na radiola de tio Zezito. Nós dois. Eu, pensando nele. Ele, não pensando em mim. O giro do vinil me marejando os olhos. Eu, apesar da idade, já chegada a uma dor de cotovelo, disfarçava.

1974.Eu, vinte e um anos, namorado firme. Não me recordo da presença do meu parceiro de radiola no curto período de doença de meu pai. Agora não preciso mais dizer que foi na sexta feira passada.Fiquei sabendo que ele abriu mão de colar grau com solenidade, em cima da hora, para vir a Salvador quando meu pai já estava se ultimando.
 
Um homem de 65 anos, com a mesma voz máscula e mansa daquele rapaz, cabelos grisalhos, cavalheiro, me abre a porta do carro. Novamente cavalheiro me conduz com a mão na minha cintura. Ainda mais cavalheiro, me presenteia com fotos originais feitas por meu  pai guardadas com esmero. Brindamos ao nosso reencontro. Sorrimos. Compartilhamos a dor que sentimos com a perda de nossos pais.Trocamos recordações usufruindo o privilégio de termos excelente memória.Ele se mostra no computador elegantemente agasalhado no Central Park.Me conta da sua amizade com Celso Furtado quando vinha de Paris.Falamos um para o outro das nossas rotinas.

Será que ele se recorda da radiola de tio Zezito? De repente, qual borboleta retrocedendo a lagarta, uma palavra escapa da sua boca.Escapa, escape. Nos entreolhamos cúmplices e tristes.Ao nos despedirmos prometemos nos falar por SKYPE. Escape. Uma palavra......"não suporta mais uma pincelada".

"...Porque és o Avesso do Avesso do Avesso do Avesso"
Foto de Joaquim Leal Gomes em São  Paulo
Autor: Joaquim Leal Gomes (in memoriam)



Marcia Gomes.
Texto de 15/07/2012

"Blá, blá, blá domingueiro..." e... Entrevista de Urânia


Caros Amigos e colegas,

Sempre gostei de escrever. Muita gente fica tocada, gosta do que escrevo. Mas essa muita gente são meus amigos super íntimos. Agora, talvez por estar vivendo um momento pessoal muito rico e particular, sinto vontade de compartilhar meu texto com mais pessoas, quem sabe, fazendo novos amigos. Meio sem pensar, mandei, no fim de semana passado, para vários de vocês, um pequeno texto intitulado "Blá, blá, blá domingueiro...." e.... Entrevista com Freud". Não sei bem por que, recebi muitos retornos elogiosos, carinhosos e sensibilizados. Isso me deixou contente.
Vai que esta semana me cai na mão outra vez, outra entrevista com psicanalista. Desta vez, com Urânia. Não tanto quanto Freud, Urânia me tocou particularmente pela intimidade que parece ter com a poesia. E, desta vez, com a ajuda de uma poeta e uma psicanalista que enxergam qualidades no meu texto, comecei a pensar em escrever de vez em quando para vocês, como uma forma modesta de veicular meus escritos, recebendo, se vocês puderem comentários, impressões, uma palavrinha de incentivo, talvez.
Vou logo dizendo que quando escrevo me exponho muito e isso não me inquieta, não me incomoda. É meu modo de poder ser visceral, estar com os nervos à flor da pele. Daí saiu o que se segue desta vez.
Um abraço agradecido,


Marcia Gomes.


Estou só. Nunca estive tão só. Algumas relações antigas perigam ficar emboloradas no môfo. A minha casa é muito úmida e meu coração também. Há no meu coração umidade e abafamento. Escrever, Escrever, Escrever. Escrevivência. Trabalho besta que não dá dinheiro. Quem é maluco de se aventurar a escrever? Basta corrigir um vírgula, uma crase, e o candidato já se dá por satisfeito.
Escrever, não será como se auto -dissecar? Suportando a dor de que o que se diz não se escreve?Escrever, Escrever, Escrever.Tomar distância do lugar de antigamente.Sair de um lugar de antigamente me trouxe inovações senilizantes. Emurcheci. Vincos, rugas, uma feição anêmica.Chego a ter medo de não ser reconhecida pelo outro. Ao tempo em que não quero ser ré-conhecida pelo outro.Do outro que sou conhecida como ré, quero um despenhadeiro de lágrimas me separando.Dói separar.Dói se parir. Hoje escrevi a uma amiga que está às vésperas dos trabalhos de parto. Eu também às vésperas. Me sinto filha. Onde está minha mãe? Me sinto mãe. Onde está minha filha? Estamos aqui nos engendrando num chôro convulso. Estamos aqui nos engendrando num riso alvissareiro.Novos amigos, novos parentes.Poder dizer o NOME DO PAI. Retaliações. Eu, cerzindo.
Colcha com retalhos se rearranjando. Quando criança, brincava com boneca de pano e lhe fazia roupa de retalho.Não é muito literário, mas me lembro de  "A Lógica do Fantasma". Quero eu mesma tecer a roupa pronta pra eu vestir. Como fazia com a minha boneca.A minha filha.A minha filha abortada sem que pudesse ter sido concebida. "A saudade é arrumar o quarto do filho que não nasceu" (Chico Buarque). Abortei durante anos a fio a filha que não concebi.Retaliações.Escoriações. Viver, colecionar perdas?A cada perda, ressignificâncias.Recontar a historinha de modo a subverter seu final dramático. Não. Melhor parar de contar.Sair do enredo. Do "foi assim". Não. Não foi de modo algum. É do modo que me parece necessário conceber. Agora já posso conceber.
Sinto uma inveja edificante de Urânia.Quem a autorizou ser versejada por Drummond? Tinha 12 anos quando dormi pela primeira vez com Drummond.À cabeceira.Urânia,visionária, quase como se soubesse que diante da literatura toda a psicanálise se verga em silêncio.Drummond ,"no meio do caminho..."; psicanálise.Como diz Urânia, a poesia de cada um. Libertar a palavra do sentido. Sair do enredo. Volatizar o significante. ATÉ TORNAR-SE UM ENTE ALADO PLANANDO EM SIGNIFICÂNCIA ALGUMA.Dar asas ao poeta e então....poder viver ou morrer. 



Segue o endereço onde consta a entrevista de Urania Tourinho Peres para a revista Muito  http://revistamuito.atarde.uol.com.br/?p=8116