sábado, 28 de setembro de 2013

Texto de 13/07/2013

"Blá, blá, blá domingueiro...." e.....textos extraídos.


QUEM  MANDA  NÃO  ME  LEVAR  AO  CIRCO?
 
Em coisas nunca vistas dantes a gente não põe nome. Pois se não sabe?A gente descreve tal e qual supõe ter visto. Isso é pra justificar tamanha inconveniência.Será que na vida adulta sou assim incontinente sem rédeas para as palavras? De uma coisa fico certa: o que foge à normalidade a mim não causa espanto. Que graça teriam os caminhos se não fossem os desvios? Posso, sim, fazer leitura errada. Mas isso não é espanto.São rodopios da imaginação. Sofro deles. E como sofro! Aqui eu era lá pelos 6, 7 anos.....e médico do interior não goza exatamente do que se possa chamar "privacidade".Pelo menos naqueles tempos, durante o dia o portão da casa era aberto.Nem sequer um telefone.Como então marcar consulta em caso de emergência?

Foi assim que da varanda ouvi o aflito bater de palmas. O famoso "Ô, de casa!".Corri ao portão . A voz era de ventríloquo:"Doutor Joaquim está? É urgência!" A altura da mulher não fazia jus ao tamanho dos cabelos. Quase batiam nos pés. Mas eu não via os pés, comprido também o vestido. Criança sei que não era. Pela gravidade dos vincos no rosto.Era uma figura terna.Se eu fosse artista a pintaria.Via seus braços roliços encaixados nas mãozinhas que esqueceram de crescer. Via que sua distância pro céu era, bem capaz, maior que a minha.Muito mais não pude ver. Pois se era urgência? Então a imaginação deu um célere rodopio e mesmo do portão gritei, para que ela escutasse que eu tomava a cabível medida: "meu pai, aqui tem uma mulher abaixadinha procurando por você!"
Era uma anã. Quem manda não me levar ao circo?
 



SEM  NOME
 
Arde, amor, arde! Tanto, que na mão treme a caneta. Arde, amor, arde! Que a distância não é terrena. É oceânica. E todos os navios naufragaram. Tens na mão direita, bem na palma, a cicatriz de uma chaga. Foi essa que fez de ti um fugitivo? Migraste ao continente do sem outro. E prescindes de outra luz senão a própria. Aqui onde vivo, noite escura, ouço um esgarçar de seda se rasgando. Somos nós. Não há costura, pois levaste o dedal. Meus dedos sangram. Só a mente febril, minha loucura, insiste em reparar essa ranhura. Arde, amor, arde! Pois a noite estrelada de Van Gogh é o revolto azul, prenhe de ausências. Pois que eu, pensando ser Alice,mergulhei numa piscina de lágrimas depois de atravessar o fosso fundo. Arde, amor, como apagar-te se nada dizes para pôr fim ao desatino, se no outro continente não me escutas, mas nos meus ouvidos tem um sino a anunciar, a anunciar a tua volta? Perdoa, amor, os desvarios dessa alma abandonada ao vazio do insensato, tomada pelo desejo alucinado de ir contigo onde tu fores, se for preciso, num pacto de sangue.
                                                                                        
          
                                                                                             Marcia Gomes


Textos extraídos de "Conversa Marciana"- caderno de escritos para circulação entre amigos - Salvador, 2002

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