segunda-feira, 29 de agosto de 2016


MENSAGEM  À  COLEGA  PSICANALISTA  LEILA  MAIA, mais ou menos em maio/2016, NUM  MOMENTO  DE  EFERVESCÊNCIA  POLÍTICA  QUANTO  AO  PROCESSO  DE  IMPEACHMENT  DE  DILMA, EM  QUE  A ELOGIO  POR  SEU  POSICIONAMENTO  CORAJOSO  COMO  COMPANHEIRA,  E  COMENTO  SOBRE  UM  LIVRO  DE  OLIVAL  FREIRE  JÚNIOR  E  SOBRE  A  SUA  FALA  NA  LETRA  FREUDIANA- Salvador- SOBRE  CIÊNCIA  NA  CONTEMPORANEIDADE  PARA  SUBSIDIAR  UMA  DISCUSSÃO  SOBRE  PSICANÁLISE  E  CIÊNCIA.


Oi, Lelê,

Primeiro parabéns pela sua mais uma vez dedicada, generosa e bem sucedida pesquisa internética. Valeu!!! Não fosse o meu comprometido QI para essas coisas, eu lhe pediria umas aulas. Em segundo lugar, este seu maravilhoso achado, não é o livro de Olival. É um livro de Olival, também. Na verdade é um livro de vários muito bons autores, e Olival contribui, se não me engano, com dois capítulos. É todo ele sobre Física Quântica, contemplando aspectos epistemológicos que creio, interessam a todos nós do grupo de quarta-feira já que estamos lendo e discutindo "A Ciência e a Verdade". Os capítulos escritos por Olival, foram a sementinha para o livro que ele escreveu sozinho e  publicou no ano passado e defendeu como tese para concurso para professor titular da Ufba. O livro foi escrito e editado nos Estados Unidos, e por isso, está ainda em Inglês, não tendo sido traduzido por enquanto.O livro chama-se "The Quantum Dissidents. Rebuilding the Foundations of Quantum Mechanics (1950-1990)".

Desculpe ter demorado a responder. É, acho que você sabe, que eu sou muito CDF (talvez até demais para muitos gostos) e implicada com as coisas com as quais estou envolvida. Então, para lhe responder com critério, praticamente passei a tarde toda de hoje lendo o livro que você achou na internet. Você, livremente, poderia ter enviado o livro para o pessoal. Numa boa, sem precisar me consultar. Mas fico muito agradecida por você perguntar o que eu acho de você mandar para todo o grupo. Gentil e respeitoso. Gentileza e respeito hoje em dia estão ficando raros, particularmente com pessoas (parabéns  a você que teve a clareza e a coragem de se posicionar contra o GOLPE, compreendendo que o que estava em jogo era algo muito maior do que apoiar ou não Dilma e o PT) como eu,  que sem medo de mostrar a cara e mesmo de angariar antipatias (ganhei muitas e caras simpatias) me posicionei publicamente contra o GOLPE, mandei muitas mensagens que julgava esclarecedoras para muitas pessoas, inclusive colegas psicanalistas defensores dos interesses das elites, e, de certa forma, fiquei à frente do movimento dos psicanalistas em torno do manifesto.

Assim, como na psicanálise,que fico muito à vontade, para arcar com o preço caro que custa ter me autorizado depois dos 50 anos, sou muito fiel às causas que defendo com muita coragem. Suporto com toda tranquilidade, colegas me virando a cara ou interagindo comigo com uma certa má vontade. Como em 64, é tempo de caça às bruxas. Parece que no governo Temer está sendo criado um órgão análogo ao SNI da ditadura na sua função repressora de total desrespeito aos direitos humanos. Me consola muito reconhecer nas penas de Freud e Lacan, pensamentos e posturas éticas solidárias com aqueles que se posicionam contra o avanço do Capital e contra a "Excomunhão" dos que se atrevem a portar um discurso inovador. (Ver, entre mil outras coisas, o "Discurso do Capitalista" em Lacan. Ver também o "Discurso do aviciado" em Aurélio Souza.--- fenômeno mais contemporâneo de pessoas que abrem mão da sua condição de sujeitos desejantes, para mergulharem num gozo desenfreado e danoso do objeto, que em geral , pode ser comprado, sendo consumido como mercadoria). 

Quanto ao livro que você encontrou, Lelê, acho que para fazer uma leitura linear tentando compreender cartesianamente (cada vez encontro mais psicanalistas que concordam comigo quanto ao fato de a psicanálise no seu surgimento ser tributária a Descartes, sem que isso implique em Lacan ter influências cartesianas no seu pensamento. Muito pelo contrário. Descartes é mecanicista e Lacan é dialético---Hegel) o conteúdo do livro, só mesmo Zé Fernando (não esqueça de enviar para ele e aproveite para convidá-lo) para encarar essa empreitada. Para nós, que não somos da área da Física e similares, considero o livro muito difícil. Cheguei a ficar com a cabeça pesada.

Mas, como não sou cartesiana, acredito que todos nós podemos nos beneficiar do livro, fazendo uma leitura mais dialética. Se, ao invés de aprender, nos contentarmos em apreender. O livro é muitíssimo interessante. Importante deixar claro que no dia 18 Olival não vai falar sobre Física Quântica. Vai falar sobre a Ciência e seu desenvolvimento pós ciência moderna positivista ( neutralidade do experimentador, replicabilidade da experiência, validação do fenômeno mediante concordância de observadores, evidência empírca- pela via dos sentidos do observador--, objetividade- fatos ao invés de construções e representações, etc) cujo surgimento se deve ao cogito cartesiano.

 Creio que é a essa ciência que Lacan faz menção em "A Ciência e a Verdade". Então para que darmos uma olhada no livro? O livro aborda a Física Quântica também nas suas implicações epistemológicas. Isto é, a Física Quântica, enquanto conhecimento produzido, tem que consequências para o entendimento do que é a ciência hoje? Certamente é muitíssimo diferente do que foi concebido nos séculos XVII, XVIII, XIX e até talvez XX. Uma das coisas que o livro contempla falando da Física Quântica, é o que eu tentei falar na quarta passada a propósito do que Lacan diz a respeito da interferência do experimentador-- não neutralidade--- na experiência do condicionamento pavloviano (ver isto no Seminário XV). Sobre isso, há no livro que você encontrou, uma discussão do famoso experimento da dupla fenda. O livro trata fartamente das questões da objetividade, neutralidade do experimentador, "realismo  X construções", etc, etc. Recomendo que vocês não leiam somente os capítulos escritos por Olival.

E aí, resta-nos a questão que parece ter aparecido nas conversas de quarta: e então, sob o critérios da ciência contemporânea sob os quais se constrói a Física Quântica, será que podemos considerar então a psicanálise como ciência?  Aurélio Souza (vejam o livro dos "Discursos" onde ele menciona a Física Quântica) diz que não, por uma questão relativa à relação com o Real. Não da realidade, mas dos três registros--Real, Simbólico e Imaginário. Isso é o que Aurélio pensa. E nós, o que pensamos? Como a fala de Olival, poderá convocar-nos para essa reflexão? E para muitas outras?

Lelê, adorei esse papo. Peço, se for confortável para você, que ao encaminhar o livro para o grupo de quarta, encaminhe também essa minha mensagem na ÍNTEGRA para todos. Pode ser uma contribuição para instigar a curiosidade pelo livro, e para motivar o pessoal a comparecer no dia 18. Obrigada por sua generosidade e delicadeza.Desculpe a demora da resposta.
                                                                                                                 Um beijo, 
                                                                                                           Marcia Myriam.

22/05/2016   AGRADECIMENTO  À  COLEGA  PSICANALISTA  DO  ESPAÇO  MOEBIUS   MARIA  AUXILIADORA  FERNANDES (Mali) PELO  RETORNO  CORAJOSO  QUE  ME  DEU  A  MEU   "DEPOIMENTO  COMOVIDO"  datado em 20/05/2016                    




Oi, Mali,

Obrigada por me achar "mulher de coração valente". Sou mesmo. Não consigo ser infiel com as causas que defendo, mesmo perdendo amizades. Foi assim quando me autorizei analista. Passei a recusar todos os encaminhamentos de pacientes que vinham com uma demanda de terapia cognitivo-comportamental e escrevi uma carta aos milhares de psiquiatras que me faziam encaminhamentos, dizendo que havia, com muito entusiasmo, abraçado a causa da psicanálise.

 De repente, como era reconhecida por aquele rótulo, e ainda desconhecida nos meios psicanalíticos, meu consultório, quando eu antes atendia mais de 40 pessoas por semana, ficou vazio. Foi um período muito difícil. Meus amigos mais próximos, que eram behavioristas, se afastaram. Um deles, totalmente imerso no discurso universitário, chegou a me dizer que eu, acabaria na sarjeta, e, "como Freud", pedindo dinheiro emprestado aos amigos. Não titubeei, nem me atemorizei. Estou aqui firme. A minha passagem para a psicanálise é muito, muito gratificante e irreversível.

Agora, o mesmo parece que vai acontecer com a causa política. O momento que o Brasil passa me convoca e isso se torna maior que os anseios e os temores pessoais. Acho que esse é mesmo meu jeito. Destinação? Entre as colegas cuja "coxinhagem" denunciei, está uma grande amiga. Muito amiga mesmo! Como eu tenho um certo romantismo com a questão da verdade e da transparência, mandei o meu "Depoimento Comovido" para muita gente, inclusive esta amiga, cujo nome eu não tenho revelado em nenhum momento.

 Provavelmente já ganhei uma inimiga. Fazer o que? O que mais me indignou no comportamento dela foi o discurso ambíguo. Se apresentar como defendendo posições à esquerda, só quando convém. Quando está na companhia de pessoas à esquerda. Até assinou o manifesto dos psicanalistas e o documento dos psicólogos. Mas quando está perto de pessoas à direita, vira a casaca com medo de ser mal vista pelas colegas. Isso para mim é difícil de tolerar. Sei que no mundo em que vivemos, não é bem acolhido fazer política em ambiente de trabalho. Temos que ser psicanalistas numa hora e pessoas de esquerda, em outra.

 Embora ache isso um tanto esquizofrenizante, eu acolho e respeito essa espécie de "norma". Mas num almoço? Ter que ouvir pessoas fazendo uso clichê e indevido, tipo psicanálise selvagem, da teoria psicanalítica, para "interpretar" de modo jocoso pessoas como Nise da Silveira e Iara Iavelberg? Sou encantada com a psicanálise, mas tenho muita dificuldade de entender que um analista seja reacionário. Tenho dificuldade de entender como se pode ocupar esse lugar de causa de desejo sem pensar em contemplar as necessidades do povo brasileiro para que venham a ter as mínimas condições de se fazerem sujeitos desejantes.

Talvez eu seja meio "contrafóbica" e precise ter mais jogo de cintura. Admiro muito você por também ser corajosa e principalmente pela aposta na causa do Viva Infância. Por tudo isso, confio em você. Por isso, atendo o que você me pede e lhe confesso o nome da tal "Mestra":          . Por favor, guarde total sigilo. Procuro manter ao máximo minha coerência, mas longe de mim está ser um "dedo duro". Talvez eu precise aprender um pouco de jogo de cintura com você. A jornadinha do Moebius foi muito boa. Bons trabalhos. particularmente o trabalho de Maíra foi muito bonito e sensível. Gosto muito das pontuações de Aurélio. Estou pensando em fazer a entrevista de acolhimento para me tornar participante e poder apresentar trabalho no Moebius. Tenho ficado muito circunscrita à Letra e talvez seja hora de circular um pouco. Boa semana para você.
                                                                                                                              Um beijo,
                                                                                                                                    Marcia Myriam.




domingo, 28 de agosto de 2016

  20/05/2016                                                                             DEPOIMENTO  COMOVIDO
Estou chorando. Sou muito sensível e assim estou, particularmente neste grave momento que o nosso país atravessa. Mas é um choro bom. De gratidão à vida porque quando a gente menos espera, encontra pessoas bonitas, de corações valentes cuja existência me faz acreditar que algum dia, mesmo que tarde, teremos um Brasil mais justo, com muito menos desigualdades sociais, onde as pessoas  serão valorizadas pelo que são e não pelo que possuem materialmente. Porque todos terão o que é materialmente necessário para ter uma vida decente e digna e viver bem e confortavelmente. Viver bem não será privilégio de ninguém, muito menos evidência de "competência" e sucesso. Será um direito conquistado por todos, porque alguns lutaram com firmeza e sem vacilações oportunistas por isso. Ninguém terá além do necessário.

Hoje trabalhei muito e estudei muito.Ao fim do dia estava cansada e resolvi ir ao cinema. Olhei na programação e vi um filme documentário que muito me interessou. Liguei para uma amiga para ver se queria ir comigo. Às 19:00 h cheguei sozinha no Cinema da Ufba. Fiquei perplexa pelo filme ser de graça. O rapaz da bilheteria me explicou que tratava-se de um projeto em convênio com o cinema. Antes que o filme começasse um jovem com jeito de universitário avisou que ao final haveria um bate-papo.

O filme chama-se "Retratos de Identificação" e é feito por uma mulher de nome Anita Leandro. Trata-se de depoimentos de pessoas que foram militantes das organizações de esquerda Var Palmares, Colina, MR8 e ALN e que foram presas e violentamente torturadas e seviciadas pela ditadura de 64, e por um triz conseguiram sobreviver. Algumas por conta dos sequestros dos embaixadores. Além desses depoimentos, há também farta documentação sobre pessoas que foram assassinadas, colhida nos arquivos da antiga repressão que parece, com o GOLPE já estar voltando. Fala-se que o filme foi proibido por José Serra de ser exibido em Paris.

 O filme mexeu muito comigo. Particularmente a história de Dôra, uma militante que sem jamais trair seus companheiros, não suportando as torturas físicas e psicológicas, passou a ter eventuais manifestações de sofrimento psíquico que alguns psiquiatras costumam chamar de surtos psicóticos. Nos seus momentos de lucidez, não sem razão, Dôra refletiu que não sendo verdadeiramente louca, (louca era a situação do nosso país, que ameaça voltar) não achava justo viver com o estigma imprimido pelos rótulos psiquiátricos, e suicidou-se atirando-se na linha de um metrô. Sofri muito imaginando a insuportável dor de Dôra.

Chorei muito lembrando do lindo rosto de Virgínia, minha companheira na Var Palmares que foi, aos 17 anos assassinada pela ditadura. Da morte de Virgínia ficou comigo uma enorme dor e o seu nome, que pude ficar sabendo somente depois de sua morte. No dia em que chorei copiosamente vendo a dignidade e integridade emocional com que a presidente Dilma discursava se despedindo do seu povo, sofri muito pensando que todos os anos do fim da ditadura pelo qual lutei, eu me consolava da perda de Virgínia, pensando que não foi em vão. E agora? Como vou me consolar da morte de minha companheira de causa quando eu contava apenas 15 anos?

Ao término do filme imediatamente comecei a aplaudir e todo o restante do público me acompanhou. Muito comovente. No bate-papo várias pessoas falaram emocionadas, pontuando o momento atual que estamos vivendo onde um GOLPE está em curso, havendo pessoas que parecem ter "recalcado" o que foi a ditadura de 64, estando "cagando e andando" diante do eminente risco de vivermos algo muito parecido de novo. Eu, muito emocionada, levantei e falei me identificando como ex-militante da Var Palmares.

 Contei a morte de Virgínia, e para todo aquele público que estava no cinema, denunciei repudiando, psicanalistas que ao saírem de um seminário onde se estuda seriamente, contam rindo muito a seguinte "piada" fascista, perversa, de péssimo gosto: Adivinhe o que disse a Dilma "estou contigo e não abro"? Resposta: um pára-quedas. Denunciei repudiando psicanalistas que em rodas sociais onde se divertem, dizerem que intitular um Coletivo de psicólogos de Iara lavelberg é uma espécie de identificação masoquista com gente que foi torturada e assassinada.

 Denunciei repudiando essas mesmas psicanalistas que na sua roda social em torno de uma mesa muito bem servida, da qual fazia parte uma famosa mestra (mestra do diabo, não minha, diga-se de passagem. Mestra daqueles que dizem que preferem não se posicionar politicamente para não se indispor com ela e similares) dizem que Marcus Vinícius atuar na demarcação de terras indígenas só podia ser um desejo de ser assassinado. Ao que uma "coleguinha" acrescentou: "Ele devia ter permanecido só com a causa dos malucos (Marcus Vinícius era militante do importante movimento Luta Antimanicomial). Assim não seria morto. Maluco não é nada. Quem está ligando para maluco?" Quando em seguida a "Mestra" comentou que Nise da Silveira, com quem estudou, era louca. "Quem abraça com essa dedicação causas como essas, não está bem emocionalmente. Ainda mais com aqueles gatos subindo e descendo em tudo, o que me enchia de nojo". Não me retirei acintosamente daquela mesa em respeito a uma senhora de 83 anos, de quem gosto muito. Mas assim que pude me retirei.

Contei tudo ao público do cinema. Advertindo-os que essas coisas não são causadas pelos solidários pensamentos de Freud e Lacan. É mesmo o pernicioso veneno da origem de classe, que ataca mesmo àquelas que quando convém atuam como se fossem politizadas. Quando não convém, "Eu não quero saber nada disso..." É pena eu não ter o e-mail da tal  Mestra. Adoraria mandar para ela esta mensagem. Não tenho medo de bicho papão, embora prefira ficar longe deles. 

Ao final do bate-papo no cinema, eu muito emocionada, fui abraçada por um rapaz muito sensível, que em nome do Brasil me pediu perdão por eu ter perdido minha companheira de luta. Me deu um nó na garganta e chorei. De repente, estava um monte de gente me abraçando e se abraçando. Trocamos contatos. Uma professora, que burlando a ementa da disciplina levou sua classe inteira de alunos para ver o filme, me perguntou se eu aceitaria o convite para ir dar meu depoimento em outros espaços. Respondi que é claro que irei. Sou uma psicanalista e pobre. Então não tenho razão alguma para desejar e muito menos acreditar que é possível ser coerente e corajoso sem arcar com perdas. Sei que tenho que arcar. De mais a mais, "antes só do que mal acompanhado". Meus verdadeiros amigos e companheiros são aquelas pessoas simples e calorosas que estavam no cinema. Meus verdadeiros amigos são aqueles que se dispuseram a ir comigo à uma jornadinha de psicanálise, para que eu me sinta apoiada. As "coleguinhas" às quais denunciei e repudiei, várias delas receberão esta mensagem e provavelmente me interpretarão como interpretaram Iara Iavelberg, Marcus Vinícius e Nise da Silveira. E eu com isso?

Só lamento não ter podido dar uma carona de táxi a Ana Virgínia, de quem gosto muito. De resto, deixo com vocês informações sobre esse bonito projeto de cinema de graça que se chama "Projeto Cinemas em Rede".  proextcinema@ufba.br  . Para ver a programação, www.ufba.br (acrescentar : extensão ou agenda).  Eles falaram que se houver um grupo grande interessado em ver o filme, podem tentar programar uma sessão junto ao cinema. Gente, vivi hoje uma coisa de muitos bons presságios. O lado bom da crise. O povo brasileiro (o verdadeiro. Não esses progressistas de duas caras) está aos poucos acordando, ocupando espaços, se posicionando.É a velha lição do materialismo dialético: a contradição é que move o mundo. Quem não acredita nisso, porque ao fim e ao cabo, não tem contradições, posa de politizado quando não corre o risco de se indispor com as "coleguinhas".
                                                                                                                                Um abraço,
                                                                                                                             Marcia Myriam

quarta-feira, 24 de agosto de 2016

Olá, amigas (os) , colegas psicólogas (os) e/ou psicanalistas, A propósito do que foi falado ontem, dia 23/08/2016 no Fórum do Espaço Moebius contemplando a "relação" entre Direito e Psicanálise, onde se apresentou muito bem a colega Graça Belov, bem como os debatedores, senti vontade de reencaminhar este texto antigo, do mês de maio, se não me engano, um tanto obsoleto quanto à ordem dos acontecimentos, mas a mim parecendo nada obsoleto quanto a como eu, particularmente, na minha singularidade, me posiciono quanto a questões conjunturais. Enquanto ocupando o lugar de analista, ciente de que no âmbito do laço social sou uma cidadã, ainda que o lugar de analista no seu rigor ético, clame necessariamente por uma separação entre o que é do âmbito do sujeito do inconsciente e o que é do âmbito da cidadania, gosto de deixar sempre claro para todos vocês, como me posiciono no âmbito da cidadania, preferindo não deixar de apostar numa via socialmente revolucionária para a psicanálise em extensão. Não me fecho ao debate com vocês quanto a isso, e tenho enorme respeito pelo posicionamento de cada um de vocês, seja ele qual for. Também me reservo o direito do livre pensar, sabendo ser esta questão da psicanálise X política muito complexa, sujeita à diversidade de opiniões, já que como seres de linguagem, estamos submetidos ao que possa haver de equívoco e mal entendido, nas leituras que fazemos. Não me posicionei ontem, presencialmente no espaço do Fórum, primeiro, porque sendo recém-chegada no Moebius, fico ainda muito tímida. Em segundo lugar, porque por questões de saúde relativas à coordenação de movimentos, é muito penoso para mim me esforçar para fazer uso do microfone. E em terceiro lugar, e o que me parece mais importante, porque tenho a impressão que dentro dos espaços psicanalíticos, posicionar-se politicamente não é bem recebido, julgando-se estar esse tipo de expressão totalmente fora de lugar, angariando inclusive quem o faz, antipatias pessoais, o que muito me entristece. É difícil, doloroso me saber alvo de antipatias pessoais por motivo como esse. Mas não gosto de passar pelo que não sou. Então, aqui neste momento, arco com o risco de ser antipatizada, senão excluída ( muitas vezes, com muita delicadeza, sutileza, jogo de cintura de quem o faz, na minha leitura, ficando isento de maior responsabilidade pelo gesto da exclusão, já que com ele consegue ainda preservar as regras do bom convívio social, nada querendo saber do seu caráter ideológico), pretendendo com o texto abaixo poder assumidamente dizer que me posiciono politicamente à esquerda, e quem puder gostar de mim assim, eu agradeço. Quem não, eu lamento e fico triste. Mas como disse Cecília Meireles, "Ou isso, ou aquilo". Marcia Myriam. CHEGA DE MILITÂNCIA Me dirijo às minhas colegas psicólogas, psicólogos também. Sejam psicanalistas ou não. Também me dirijo às muito estimadas e aos muito estimados colegas psicanalistas que eu conheço pessoalmente. Particularmente ao pessoal que participa junto comigo do Seminário com Arlete Garcia da Letra Freudiana (eu estava sem os e-mails da maioria de vocês) e do Seminário com Cristina Ferraz, também da Letra Freudiana. Arlete e Cristina, dois exemplos de pessoas seriamente implicadas e aplicadas, honrando o compromisso com a causa psicanalítica. Aproveito também para dizer as mesmas palavras a psicanalistas que não me conhecem pessoalmente, mas que constam da minha lista de contatos, muitas vezes leitores da minha crônica domingueira. Finalmente, me dirijo também a alguns amigos que não pertencem aos meios psi (escritores, intelectuais, profissionais liberais, professores universitários, etc), e que, junto comigo e muitas outras pessoas, dos mais diversos setores da sociedade, se sentem implicados com a construção de alternativas para lidarmos com o momento difícil que atravessa a conjuntura política de nosso país. "Chega de militância". Acredito que essa frase, tem, nos últimos tempos, tomado a cabeça de vocês, às vezes entediados, impacientes ou mesmo intolerantes, com a quantidade de e-mails que recebem, às vezes numa linguagem não muito usual para nós, podendo ser difícil de compreender, ou mesmo "chata", falando da luta em favor da democracia e contra o golpe. Às vezes vocês estão estudando ou escrevendo um trabalho importante para apresentar, e lá vêm os e-mails, mensagens no whatsapp e no Facebook, com abaixo-assinados, textos, manifestos para assinar etc, contra Eduardo Cunha, Bolsonaro, e por aí lá vai. Compreendo como se sentem. Uma enxurrada de apelos para vocês se posicionarem politicamente, quando passamos muitos e muitos anos sem que isso acontecesse de forma tão frequente. Afinal, tem gente que não gosta, não foi acostumado a lidar com essas coisas, e não liga a mínima para a política, com todo direito.Além do mais, no caso de nós, psicanalistas (e muito provavelmente também dos psicólogos não analistas), nosso compromisso com a transmissão da psicanálise, com nossos estudos, exercer a análise em intenção e extensão, requer muito trabalho ao qual precisamos dedicar tempo, e isso, para muitos, é prioridade número 1. Mesmo os mais engajados na luta política, conscientes de que nesse momento lutar pela DEMOCRACIA é também prioritário, se sentem às vezes divididos entre a análise e a política. Digamos que vamos precisar ir nos acostumando aos poucos a conciliar exercer as duas. Além do mais, não podemos nos esquecer, que como seres falantes que somos, por mais esclarecidos politicamente que sejamos, por melhor analisantes que sejamos ou tenhamos sido, estamos sujeitos a padecer do mal estar que nos causa sofrimento e seus efeitos, quando as coisas não vão muito bem. Seria pouco honesto não admitirmos que a "derrota" que sofremos no dia 17, acompanhada do sensacionalismo feito pela mídia a respeito das maquinações de Temer, montando sua equipe de governo, como se fosse líquido e certo que o GOLPE está sendo instaurado, desanima um pouco e também cansa. Felizmente há pessoas com uma visão mais ampla do processo, com as quais poderíamos procurar conversar, que ficam mais firmes, ao saberem que perdemos a batalha mas não perdemos a guerra. E, que coisas como essas que estão acontecendo no nosso país, estão acontecendo também em outras partes da América Latina, e são partes do processo de uma luta mais a longo prazo por uma transformação social, que tem avanços e retrocessos. Não sem sofrimento, precisamos nos manter apostando na causa da construção de um Brasil mais justo e democrático. Muitos de nós estamos confusos com a velocidade de acontecimentos que nos atropelam. Na época da ditadura militar, tudo aquilo foi terrível. Mas, para aqueles que presenciaram, ou para aqueles que ouvem contar, pelo menos sabíamos com clareza, quem era quem. Havia os democratas que lutavam contra aquele aterrorizante estado de coisas, e havia a direita reacionária e inimiga do povo, respaldada na força violenta e assassina dos militares. Se, entre os democratas, alguém por medo ou interesses espúrios mudava de lado, era logo denunciado como inimigo traidor e repudiado por todos os setores progressistas. Agora, parece que estamos pisando num terreno pantanoso. Difícil saber quem é quem. E isso causa muita angústia. Vontade de se afastar, fugir para longe de tudo isso. De repente, basta que interesses meramente pessoais seja contrariados, ou diante de uma vantajosa oferta de poder, as pessoas mudam de lado. São traidores, e desfilam impunes pela Câmara e o Senado, como se fossem bons moços fiéis às famílias e a Deus. A gente fica sem chão. Muita gente, não sem razão, quer se afastar de tudo isso, levar sua vida normalmente, preferindo não querer saber. Isso me recorda daquela famosa frase que dá início ao Seminário 20 de Lacan: "Não quero saber nada disso....ainda." Para complicar mais ainda as coisas, muitos de vocês são contra o governo. Contra o PT, Dilma e Lula. Muitos de nós temos críticas muito pertinentes e justas ao governo. E vemos circular na mídia e por aí, a equivocada informação de que as pessoas que se posicionam em defesa da democracia e contra o golpe, são necessariamente Petistas, Lulistas e Dilmistas. Ledo engano. Os movimentos pela DEMOCRACIA e contra o GOLPE, são, na sua maioria, supra partidários, não filiados a quaisquer partidos ou tendências políticas. Mas, dirão vocês, estamos vendo que esses democratas contra o impeachment, estão nos convocando a ficar do lado de uma posição que foi perdedora na Câmara, e muito provavelmente, será perdedora no Senado. Quem quer apoiar perdedores? Como diz minha mãe: "Que vantagem Maria leva?" Mas será que nós, psicólogos e psicanalistas, seríamos adeptos da "lei de Gerson"? Aquele que quer levar vantagem em tudo? Freud, em "O Mal Estar da Civilização", nos diz claramente que a civilização se ergue mediante o adiamento das "satisfações", ou mesmo, renúncia a algumas delas. Acredito que todos nós, somos contra a corrupção e defendemos que esses crimes, depois de investigados por uma justiça isenta de compromissos políticos, sejam severamente punidos, outra vez, por uma justiça isenta de compromissos políticos. Mesmo não sendo "Dilmista", eu pergunto: existe maior corrupção, crime mais grave do que retaliar, punir, excluir por meios espúrios que ferem os princípios da DEMOCRACIA, do seu lugar de presidente da república legitimamente eleita pelo povo em ELEIÇÕES DIRETAS, uma pessoa que não cometeu crime de responsabilidade, sendo alvo de maquinações arbitrárias e perversas de um "doente" como Eduardo Cunha aliado a um vice-presidente que não tem respaldo popular nenhum e teima em assumir o poder por vias arbitrárias e indiretas, ferindo, de novo, os princípios da DEMOCRACIA? O que vocês acham? Gosto muito de conversar com as pessoas do povo. Uma senhora negra, muito magrinha e humilde, vendedora de queijo coalho na brasa, com quem conversei, me disse: "Eles não querem tirar Dilma? Por que não chamam o povo todo e as pessoas pobres pra votar? Porque são covardes". Completou. Imagino que todos vocês assistiram àquele vexame que vai ficar na história do Brasil, ocorrido vergonhosamente na Câmara dos deputados, no dia 17 de abril passado. Duvido que alguns de vocês não tenha achado aquilo um horror. Duvido!! Sem contar com a execrável homenagem feita aos torturadores, por um deputado, diante do público de um país inteiro, que viveu mais de 20 anos de ditadura militar, quase todos que deram seu "Sim" ao impeachment não sabiam nem de longe nem puderam mencionar as razões jurídicas de seu voto, as razões pelas quais a presidente Dilma estava sendo penalizada. Um bando de estúpidos, marionetes obedientes a um líder fascista, parecendo possuídos pelo espírito da TFP (Tradição, Família e PROPRIEDADE) no que tem de mais deplorável. Quase todos repetiam o mesmo refrão imbecilóide, parecendo uma cena de coletiva identificação histérica. Quem de vocês não ficou indignada (o) com aquele desprezível jogo de cartas marcadas? Quem de vocês, consternado, não lembrou do maravilhoso texto de Freud "Psicologia de Grupo e Análise do Eu"? Eu, sendo muito sensível e intensa nas minhas emoções, fiquei praticamente em estado de choque vendo o rosto impassível do bandido e ladrão Eduardo Cunha, quando deputados principalmente os posicionados contra o impeachment, o acusavam justamente denunciando seus desmandos. O psicopata não mexia um músculo. Estava imperturbável. Aquilo me lembrou cenas de filme em geral da máfia, onde há uma mesa de jogo de cartas e aquele que está blefando, faz o mesmo impassível jogo fisionômico. Cunha está dando as cartas e até agora, ninguém fez nada para retirá-lo da presidência da Câmara. Daqui a poucos dias a pantomima se repetirá de novo no Senado. Pelo menos, ao que parece, a Língua Portuguesa que eu tanto prezo, poderá, talvez, ser levemente poupada dos escandalosos erros de concordância e regência que tivemos o desconforto de presenciar, no dia 17, por senhores deputados que certamente sentaram nos bancos escolares. Ou não? E pensar, não é, que vários de nós dissemos, que por falar errado, sendo um torneiro mecânico, um operário,Lula não poderia ser presidente da república..... Mesmo que talvez com menos erros de Português, no Senado, outra vez, o jogo será de cartas marcadas. Seremos cúmplices disso, silenciando? Por que me dirijo a vocês? Tenho escutado algumas pessoas, talvez respaldadas no medo de se expor tomando iniciativas, dizendo que tentar compartilhar com o pessoal psi, particularmente os psicanalistas, as preocupações com o difícil momento que estamos vivendo, convidando-os a se posicionar, é malhar em ferro frio. Dizem elas que esse pessoal é elitizado e, portanto reacionário. Concordo quanto a meus colegas serem na sua maioria, um tanto privilegiados na escala social. Eu, sendo psicanalista e pobre, sou uma exceção das exceções. Até já fui discriminada e excluída por colegas, por essa razão. Contudo,não acredito, que os VERDADEIROS psicanalistas, bebendo nas fontes de Freud e Lacan, possam ser reacionários. Penso que psicanálise e posições à direita, defendendo o Capital e o sacrifício da maioria para preservar os privilégios de uma minoria, são incompatíveis. Meus colegas em geral, são de classe média, e até classe média alta. Vários deles são proprietários de casas em condomínios muito ricos, outros, de apartamentos de cobertura. Muitos deles possuem consultórios nas regiões mais nobres da cidade, têm belas casas de praia ou de campo, tiram férias no exterior até duas vezes por ano, e por aí lá vai. Mas eles sabem, que as coisas que possuem, todos nós, desde os catadores de lixo até as empregadas domésticas, passando por aqueles que se posicionam na classe média baixa, gostaríamos de ter e temos direito a ter. Eles sabem que a grande maioria gostaria de ter muito menos que isso (uma modesta casinha para morar, acesso a alfabetização, ensino médio e às universidades públicas, comida na mesa para comer todo dia, direito a cuidados com a saúde, etc) e não pode ter. Não acredito que psicanalistas, em geral estudiosos e esclarecidos, possam ser defensores da americana ideologia do esforço pessoal que diz que qualquer um que se esforçar e trabalhar terá. Certamente muitos deles sabem, que eles próprios, muitas vezes tiveram ser fazer esforço. E acredito mais ainda, que a desigualdade de oportunidades, aos psicanalistas, dói. Eles sofrem com isso, inevitavelmente, por uma questão de rigor ético. O imperativo ético da psicanálise é "não ceder do seu desejo". Respeitar a subjetividade e trabalhar para que cada sujeito seja um sujeito desejante é obrigação ética de todo psicanalista.Então a ética da psicanálise e a desigualdade social são incompatíveis. E isso, certamente causa sofrimento a cada um de nós. Por isso, me dirijo a vocês. Por isso, penso que alguns sim, podem se esconder no "Eu não quero saber nada disso....ainda." Me dirijo a vocês, porque felizmente, há o AINDA. É a aposta. É acreditar que dias melhores virão. É o compromisso que de algum modo, cada um de nós, em algum momento, deixará cair a ficha, e trabalhará por esses dias melhores. Já contei isso a alguns de vocês, mas quero repetir. A frase de camisetas nas manifestações que mais me impressionou, por descrever o que está acontecendo nesse momento no nosso país é: "A CASA GRANDE SURTA QUANDO A SENZALA APRENDE A LER". Acho muito difícil que a CASA GRANDE vá em busca de análise para tratar seu surto. Quem de vocês acredita que Eduardo Cunha, Bolsonaro, Temer, aquela corja que votou pelo impeachment, procuraria uma análise? Acho que nenhum de nós acredita nisso, não é? Certamente, o que eles buscariam para conter seu surto, seria um neuroléptico bem caro. É mais moderno, indolor, recomendado por vários psiquiatras cúmplices das negociatas da indústria farmacêutica (conheço alguns poucos psiquiatras que mesmo precisando prescrever remédios, não fazem parte desse bando. Em geral, são analisados) e, principalmente, não os implica em nada. Neuroléptico costuma ser caro, muito caro, e quem vai pagar por esse remédio é o povo brasileiro. O neuroléptico deles é a saída de Dilma. Quem de nós não sabe, que a questão não é Dilma, mero bode expiatório, que muito provavelmente será sacrificado num ritual macabro? Para conter o surto da CASA GRANDE, o povo brasileiro vai pagar o preço. E que preço!!! Me dirijo a vocês, porque eu não abraçaria uma causa como a psicanálise, se não acreditasse no potencial revolucionário que ela pode ter. Outro dia, uma colega muito sensível, que também por isso, presta, numa instituição a isso destinada, atendimento gratuito a crianças de baixa renda, me contou que estava muito feliz porque um paciente seu, a partir do seu trabalho, pode se arranjar melhor com seus sintomas e finalmente aprendeu a ler. Talvez essa colega seja até de elite. Isso não importa. O que importa é, que mesmo sem saber, ela é uma revolucionária. Não está do lado da CASA GRANDE. É cúmplice, mas da SENZALA. Isso é muito bonito, comovente. E assim, encerro esse dedo de prosa, que por ser prolixa, ficou hipertrofiado. Peço desculpas. Agora só me resta dizer a vocês, que muitos psicanalistas de todo o Brasil, se movimentam sem filiações partidárias ou a tendências políticas formais, e estão solidários com a luta em defesa da DEMOCRACIA e contra o GOLPE. Até ontem, 1064 pessoas assinaram um manifesto por esta causa. Nós, aqui da Bahia, junto à coordenação nacional do manifesto, tomamos a decisão de incluir assinaturas de psicólogos e de quaisquer outras pessoas, que estejam solidários conosco. As assinaturas estão sendo encaminhadas ao Senado. Embora um pouco tristes, continuamos causados, porque A LUTA CONTINUA. Também quero dizer, que os psicólogos da Bahia, na defesa da mesma causa, se organizaram num grupo intitulado Coletivo Iara lavelberg. Iara foi companheira de Lamarca e era psicóloga. Foi violentamente assassinada pela ditadura militar. Além de homenagear Iara, que dá nome ao grupo, os psicólogos também homenageiam o nosso colega Marcus Vinícius, nosso companheiro de luta, defensor da luta antimanicomial, também violentamente assassinado recentemente. O grupo de psicólogos criou uma página no Facebook: https://www.facebook.com/psicologospelademocraciabrasileira/ . Criaram também no Facebook um grupo fechado do qual você pode se candidatar a participar : https://www.facebook.com/groups/187568118302629/ . Nesse grupo os membros se comunicam. Também há muita comunicação por whatssap. Infelizmente, eu ainda não consigo fazer uso desse "trem", assim chamado. Então, se vocês quiserem entrar no grupo por whatssap, façam contato com Luciana França ou Renata Pimentel, colegas que estão à frente do movimento. ou com Letícia Rocha. Creio que o mais importante do movimento dos psicólogos, é que eles redigiram um documento sob a forma de carta aberta ao Senado, com mais de 200 assinaturas. Hoje, o pessoal conseguiu uma espécie de sessão junto ao Senado, quando farão a leitura da carta para os senadores, estando presentes na leitura, 20 psicólogos. Ao lado disto, estão providenciando incluir o Conselho Federal de Psicologia no movimento, para transformar a carta em abaixo-assinado dos psicólogos a nível nacional. (vou também encaminhar para vocês o texto da carta aberta, que diga-se de passagem, ficou muito bom). A entrada do CFP na movimentação, foi intermediada pelo brilhante companheiro de luta Antônio Virgílio Bastos, que já atuou no Conselho Federal. Virgílio é psicólogo, professor titular da Ufba, pesquisador do CNPq no nível mais elevado e, principalmente um corajoso democrata, que estando muito bem de vida e sendo muito bem sucedido, vem dedicando grande parte de seu tempo à luta pela DEMOCRACIA e contra o GOLPE. Parabéns, Virgílio, querido amigo, parabéns a nós, psicólogos, que sem medo de mostrar a cara, estamos juntos nesse movimento, cientes que devemos privilegiar o trabalho democrático junto ao povo brasileiro, neste momento tão difícil. Muito grata, Marcia Myriam Gomes (em nome dos colegas em defesa da DEMOCRACIA e contra o GOLPE) ( Psicóloga, psicanalista) © 2016 Microsoft Termos Privacidade e cookies Desenvolvedores Português (Brasil)

terça-feira, 23 de agosto de 2016


  20/05/2016                                        DEPOIMENTO  COMOVIDO



Estou chorando. Sou muito sensível e assim estou, particularmente neste grave momento que o nosso país atravessa. Mas é um choro bom. De gratidão à vida porque quando a gente menos espera, encontra pessoas bonitas, de corações valentes cuja existência me faz acreditar que algum dia, mesmo que tarde, teremos um Brasil mais justo, com muito menos desigualdades sociais, onde as pessoas  serão valorizadas pelo que são e não pelo que possuem materialmente. Porque todos terão o que é materialmente necessário para ter uma vida decente e digna e viver bem e confortavelmente. Viver bem não será privilégio de ninguém, muito menos evidência de "competência" e sucesso. Será um direito conquistado por todos, porque alguns lutaram com firmeza e sem vacilações oportunistas por isso. Ninguém terá além do necessário.

Hoje trabalhei muito e estudei muito.Ao fim do dia estava cansada e resolvi ir ao cinema. Olhei na programação e vi um filme documentário que muito me interessou. Liguei para uma amiga para ver se queria ir comigo. Às 19:00 h cheguei sozinha no Cinema da Ufba. Fiquei perplexa pelo filme ser de graça. O rapaz da bilheteria me explicou que tratava-se de um projeto em convênio com o cinema. Antes que o filme começasse um jovem com jeito de universitário avisou que ao final haveria um bate-papo.

O filme chama-se "Retratos de Identificação" e é feito por uma mulher de nome Anita Leandro. Trata-se de depoimentos de pessoas que foram militantes das organizações de esquerda Var Palmares, Colina, MR8 e ALN e que foram presas e violentamente torturadas e seviciadas pela ditadura de 64, e por um triz conseguiram sobreviver. Algumas por conta dos sequestros dos embaixadores. Além desses depoimentos, há também farta documentação sobre pessoas que foram assassinadas, colhida nos arquivos da antiga repressão que parece, com o GOLPE já estar voltando. Fala-se que o filme foi proibido por José Serra de ser exibido em Paris.

 O filme mexeu muito comigo. Particularmente a história de Dôra, uma militante que sem jamais trair seus companheiros, não suportando as torturas físicas e psicológicas, passou a ter eventuais manifestações de sofrimento psíquico que alguns psiquiatras costumam chamar de surtos psicóticos. Nos seus momentos de lucidez, não sem razão, Dôra refletiu que não sendo verdadeiramente louca, (louca era a situação do nosso país, que ameaça voltar) não achava justo viver com o estigma imprimido pelos rótulos psiquiátricos, e suicidou-se atirando-se na linha de um metrô. Sofri muito imaginando a insuportável dor de Dôra.

Chorei muito lembrando do lindo rosto de Virgínia, minha companheira na Var Palmares que foi, aos 17 anos assassinada pela ditadura. Da morte de Virgínia ficou comigo uma enorme dor e o seu nome, que pude ficar sabendo somente depois de sua morte. No dia em que chorei copiosamente vendo a dignidade e integridade emocional com que a presidente Dilma discursava se despedindo do seu povo, sofri muito pensando que todos os anos do fim da ditadura pelo qual lutei, eu me consolava da perda de Virgínia, pensando que não foi em vão. E agora? Como vou me consolar da morte de minha companheira de causa quando eu contava apenas 15 anos?

Ao término do filme imediatamente comecei a aplaudir e todo o restante do público me acompanhou. Muito comovente. No bate-papo várias pessoas falaram emocionadas, pontuando o momento atual que estamos vivendo onde um GOLPE está em curso, havendo pessoas que parecem ter "recalcado" o que foi a ditadura de 64, estando "cagando e andando" diante do eminente risco de vivermos algo muito parecido de novo. Eu, muito emocionada, levantei e falei me identificando como ex-militante da Var Palmares.

 Contei a morte de Virgínia, e para todo aquele público que estava no cinema, denunciei repudiando, psicanalistas que ao saírem de um seminário onde se estuda seriamente, contam rindo muito a seguinte "piada" fascista, perversa, de péssimo gosto: Adivinhe o que disse a Dilma "estou contigo e não abro"? Resposta: um pára-quedas. Denunciei repudiando psicanalistas que em rodas sociais onde se divertem, dizerem que intitular um Coletivo de psicólogos de Iara lavelberg é uma espécie de identificação masoquista com gente que foi torturada e assassinada.

 Denunciei repudiando essas mesmas psicanalistas que na sua roda social em torno de uma mesa muito bem servida, da qual fazia parte uma famosa mestra (mestra do diabo, não minha, diga-se de passagem. Mestra daqueles que dizem que preferem não se posicionar politicamente para não se indispor com ela e similares) dizem que Marcus Vinícius atuar na demarcação de terras indígenas só podia ser um desejo de ser assassinado. Ao que uma "coleguinha" acrescentou: "Ele devia ter permanecido só com a causa dos malucos (Marcus Vinícius era militante do importante movimento Luta Antimanicomial). Assim não seria morto. Maluco não é nada. Quem está ligando para maluco?" Quando em seguida a "Mestra" comentou que Nise da Silveira, com quem estudou, era louca. "Quem abraça com essa dedicação causas como essas, não está bem emocionalmente. Ainda mais com aqueles gatos subindo e descendo em tudo, o que me enchia de nojo". Não me retirei acintosamente daquela mesa em respeito a uma senhora de 83 anos, de quem gosto muito. Mas assim que pude me retirei.

Contei tudo ao público do cinema. Advertindo-os que essas coisas não são causadas pelos solidários pensamentos de Freud e Lacan. É mesmo o pernicioso veneno da origem de classe, que ataca mesmo àquelas que quando convém atuam como se fossem politizadas. Quando não convém, "Eu não quero saber nada disso..." É pena eu não ter o e-mail da tal  Mestra. Adoraria mandar para ela esta mensagem. Não tenho medo de bicho papão, embora prefira ficar longe deles. 

Ao final do bate-papo no cinema, eu muito emocionada, fui abraçada por um rapaz muito sensível, que em nome do Brasil me pediu perdão por eu ter perdido minha companheira de luta. Me deu um nó na garganta e chorei. De repente, estava um monte de gente me abraçando e se abraçando. Trocamos contatos. Uma professora, que burlando a ementa da disciplina levou sua classe inteira de alunos para ver o filme, me perguntou se eu aceitaria o convite para ir dar meu depoimento em outros espaços. Respondi que é claro que irei. Sou uma psicanalista e pobre. Então não tenho razão alguma para desejar e muito menos acreditar que é possível ser coerente e corajoso sem arcar com perdas. Sei que tenho que arcar. De mais a mais, "antes só do que mal acompanhado". Meus verdadeiros amigos e companheiros são aquelas pessoas simples e calorosas que estavam no cinema. Meus verdadeiros amigos são aqueles que se dispuseram a ir comigo à uma jornadinha de psicanálise, para que eu me sinta apoiada. As "coleguinhas" às quais denunciei e repudiei, várias delas receberão esta mensagem e provavelmente me interpretarão como interpretaram Iara Iavelberg, Marcus Vinícius e Nise da Silveira. E eu com isso?

Só lamento não ter podido dar uma carona de táxi a Ana Virgínia, de quem gosto muito. De resto, deixo com vocês informações sobre esse bonito projeto de cinema de graça que se chama "Projeto Cinemas em Rede".  proextcinema@ufba.br  . Para ver a programação, www.ufba.br (acrescentar : extensão ou agenda).  Eles falaram que se houver um grupo grande interessado em ver o filme, podem tentar programar uma sessão junto ao cinema. Gente, vivi hoje uma coisa de muitos bons presságios. O lado bom da crise. O povo brasileiro (o verdadeiro. Não esses progressistas de duas caras) está aos poucos acordando, ocupando espaços, se posicionando.É a velha lição do materialismo dialético: a contradição é que move o mundo. Quem não acredita nisso, porque ao fim e ao cabo, não tem contradições, posa de politizado quando não corre o risco de se indispor com as "coleguinhas".
                                                                                                                                Um abraço,
                                                                                                                           Marcia Myriam.

segunda-feira, 22 de agosto de 2016

12/05/2016      CHEGA  DE  MILITÂNCIA -- documento redigido por mim e enviado a colegas à guisa de esclarecê-los quanto ao significado político da luta contra o GOLPE (impeachment da presidente Dilma) e pela DEMOCRACIA, deixando claro que a mesma não tem caráter partidário e expressando minha compreensão com aqueles que por longo tempo desacostumados a manifestações políticas mais expressivas (particularmente quem não acompanhou nem testemunhou a luta contra a ditadura militar, a campanha pelas "Diretas Já", etc) , estranham um pouco, têm dúvidas quanto a como lidar, ou mesmo se aborrecem com os frequentes  e intensos (felizmente) posicionamentos dos companheiros invadindo as ruas e seus computadores.  

Me dirijo às minhas colegas psicólogas, psicólogos também. Sejam psicanalistas ou não. Também me dirijo às muito estimadas e aos muito estimados colegas psicanalistas que eu conheço pessoalmente. Particularmente ao pessoal que participa junto comigo do Seminário com Arlete Garcia da Letra Freudiana (eu estava sem os e-mails da maioria de vocês) e do Seminário com Cristina Ferraz, também da Letra Freudiana. Arlete e Cristina, dois exemplos de pessoas seriamente implicadas  e aplicadas, honrando o compromisso com a causa psicanalítica. Aproveito também para dizer as mesmas palavras a psicanalistas que não me conhecem pessoalmente, mas que constam da minha lista de contatos, muitas vezes leitores da minha crônica domingueira. Finalmente, me dirijo também a alguns  amigos que não pertencem aos meios psi (escritores, intelectuais, profissionais liberais, professores universitários, etc), e que, junto comigo e muitas outras pessoas, dos mais diversos setores da sociedade, se sentem implicados com a construção de alternativas para lidarmos com o momento difícil que atravessa a conjuntura política de nosso país.

"Chega de militância". Acredito que essa frase, tem, nos últimos tempos, tomado a cabeça de vocês, às vezes entediados, impacientes ou mesmo intolerantes, com a quantidade de e-mails que recebem, às vezes numa linguagem não muito usual para nós, podendo ser difícil de compreender, ou mesmo "chata", falando da luta em favor da democracia e contra o golpe. Às vezes vocês estão estudando ou escrevendo um trabalho importante para apresentar, e lá vêm os e-mails,  mensagens no whatsapp e no Facebook, com abaixo-assinados, textos, manifestos para assinar etc, contra Eduardo Cunha, Bolsonaro, e por aí lá vai. Compreendo como se sentem. Uma enxurrada de apelos para vocês se posicionarem politicamente, quando passamos muitos e muitos anos sem que isso acontecesse de forma tão frequente. Afinal, tem gente que não gosta, não foi acostumado a lidar com essas coisas, e não liga a mínima para a política, com todo direito.Além do mais, no caso de nós, psicanalistas (e muito provavelmente também dos psicólogos não analistas), nosso compromisso com a transmissão da psicanálise, com nossos estudos, exercer a análise em intenção e extensão, requer muito trabalho ao qual precisamos dedicar tempo, e isso, para muitos, é prioridade número 1. Mesmo os mais engajados na luta política, conscientes de que nesse momento lutar pela DEMOCRACIA é também prioritário, se sentem às vezes divididos entre a análise e a política. Digamos que vamos precisar ir nos acostumando aos poucos a conciliar exercer as duas.

Além do mais, não podemos nos esquecer, que como seres falantes que somos, por mais esclarecidos politicamente que sejamos, por melhor analisantes que sejamos ou tenhamos sido, estamos sujeitos a padecer do mal estar que nos causa sofrimento e seus efeitos, quando as coisas não vão muito bem. Seria pouco honesto não admitirmos que a "derrota" que sofremos no dia 17, acompanhada do sensacionalismo feito pela mídia a respeito das maquinações de Temer, montando sua equipe de governo, como se fosse líquido e certo que o GOLPE está sendo instaurado, desanima um pouco e também cansa. Felizmente há pessoas com uma visão mais ampla do processo, com as quais poderíamos procurar conversar, que ficam mais firmes, ao saberem que perdemos a batalha mas não perdemos a guerra. E, que coisas como essas que estão acontecendo no nosso país, estão acontecendo também em outras partes da América Latina, e são partes do processo de uma luta mais a longo prazo por uma transformação social, que tem avanços e retrocessos. Não sem sofrimento, precisamos nos manter apostando na causa da construção de um Brasil mais justo e democrático.

Muitos de nós estamos confusos com a velocidade de acontecimentos que nos atropelam. Na época da ditadura militar, tudo aquilo foi terrível. Mas, para aqueles que presenciaram, ou para aqueles que ouvem contar, pelo menos  sabíamos com clareza, quem era quem. Havia os democratas que lutavam contra aquele aterrorizante estado de coisas, e havia a direita reacionária e inimiga do povo, respaldada na força violenta e assassina dos militares. Se, entre os democratas, alguém por medo ou interesses espúrios mudava de lado, era logo denunciado como inimigo traidor e repudiado por todos os setores progressistas. Agora, parece que estamos pisando num terreno pantanoso. Difícil saber quem é quem. E isso causa muita angústia. Vontade de se afastar, fugir para longe de tudo isso. De repente, basta que interesses meramente pessoais seja contrariados, ou diante de uma vantajosa oferta de poder, as pessoas mudam de lado. São traidores, e desfilam impunes pela Câmara e o Senado, como se fossem bons moços fiéis às famílias e a Deus. A gente fica sem chão. Muita gente, não sem razão, quer se afastar de tudo isso, levar sua vida normalmente, preferindo não querer saber. Isso me recorda daquela famosa frase que dá início ao Seminário 20 de Lacan: "Não quero saber nada disso....ainda."

Para complicar mais ainda as coisas, muitos de vocês são contra o governo. Contra o PT, Dilma e Lula. Muitos de nós temos críticas muito pertinentes e justas ao governo. E vemos circular na mídia e por aí, a equivocada informação de que as pessoas que se posicionam em defesa da democracia e contra o golpe, são necessariamente Petistas, Lulistas e Dilmistas. Ledo engano. Os movimentos pela DEMOCRACIA e contra o GOLPE, são, na sua maioria, supra partidários, não filiados a quaisquer partidos ou tendências políticas. Mas, dirão vocês, estamos vendo que esses democratas contra o impeachment, estão nos convocando a ficar do lado de uma posição que foi perdedora na Câmara, e muito provavelmente, será perdedora no Senado. Quem quer apoiar perdedores? Como diz minha mãe: "Que vantagem Maria leva?" Mas será que nós, psicólogos e psicanalistas, seríamos adeptos da "lei de Gerson"? Aquele que quer levar vantagem em tudo? Freud, em "O Mal Estar da Civilização", nos diz claramente que a civilização se ergue mediante o adiamento das "satisfações", ou mesmo, renúncia a algumas delas.

Acredito que todos nós, somos contra a corrupção e defendemos que esses crimes, depois de investigados por uma justiça isenta de compromissos políticos, sejam severamente punidos, outra vez, por uma justiça isenta de compromissos políticos. Mesmo não sendo "Dilmista", eu pergunto: existe maior corrupção, crime mais grave do que retaliar, punir, excluir por meios espúrios que ferem os princípios da DEMOCRACIA, do seu lugar de presidente da república legitimamente eleita pelo povo em ELEIÇÕES DIRETAS, uma pessoa que não cometeu crime de responsabilidade, sendo alvo de maquinações arbitrárias e perversas de um "doente" como Eduardo Cunha aliado a um vice-presidente que não tem respaldo popular nenhum e teima em assumir o poder por vias arbitrárias e indiretas, ferindo, de novo, os princípios da DEMOCRACIA? O que vocês acham? Gosto muito de conversar com as pessoas do povo. Uma senhora negra, muito magrinha e humilde, vendedora de queijo coalho na brasa, com quem conversei, me disse: "Eles não querem tirar Dilma? Por que não chamam o povo todo e as pessoas pobres pra votar? Porque são covardes". Completou.

Imagino que todos vocês assistiram àquele vexame que vai ficar na história do Brasil, ocorrido vergonhosamente na Câmara dos deputados, no dia 17 de abril passado. Duvido que alguns de vocês não tenha achado aquilo um horror. Duvido!! Sem contar com a execrável homenagem feita aos torturadores, por um deputado, diante do público de um país inteiro, que viveu mais de 20 anos de ditadura militar, quase todos que deram seu "Sim" ao impeachment não sabiam nem de longe nem puderam mencionar as razões jurídicas de seu voto, as razões pelas quais a presidente Dilma estava sendo penalizada. Um bando de estúpidos, marionetes obedientes a um líder fascista, parecendo possuídos pelo espírito da TFP (Tradição, Família e PROPRIEDADE) no que tem de mais deplorável. Quase todos repetiam o mesmo refrão imbecilóide, parecendo uma cena de coletiva identificação histérica. Quem de vocês não ficou indignada (o) com aquele desprezível jogo de cartas marcadas? Quem de vocês, consternado, não lembrou do maravilhoso texto de Freud "Psicologia de Grupo e Análise do Eu"?

Eu, sendo muito sensível e intensa nas minhas emoções, fiquei praticamente em estado de choque vendo o rosto impassível do bandido e ladrão Eduardo Cunha, quando deputados principalmente os posicionados contra o impeachment, o acusavam justamente denunciando seus desmandos. O psicopata não mexia um músculo. Estava imperturbável. Aquilo me lembrou cenas de filme em geral da máfia, onde há uma mesa de jogo de cartas e aquele que está blefando, faz o mesmo impassível jogo fisionômico. Cunha está dando as cartas e até agora, ninguém fez nada para retirá-lo da presidência da Câmara.

Daqui a poucos dias a pantomima se repetirá de novo no Senado. Pelo menos, ao que parece, a Língua Portuguesa que eu tanto prezo, poderá, talvez, ser levemente poupada dos escandalosos erros de concordância e regência que tivemos o desconforto de presenciar, no dia 17, por senhores deputados que certamente sentaram nos bancos escolares. Ou não? E pensar, não é, que vários de nós dissemos, que por falar errado, sendo um torneiro mecânico, um operário,Lula não poderia ser presidente da república..... Mesmo que talvez com menos erros de Português, no Senado, outra vez, o jogo será de cartas marcadas. Seremos cúmplices disso, silenciando?

Por que me dirijo a vocês? Tenho escutado algumas pessoas, talvez respaldadas no medo de se expor tomando iniciativas, dizendo que tentar compartilhar com o pessoal psi, particularmente os psicanalistas, as preocupações com o difícil momento que estamos vivendo, convidando-os a se posicionar, é malhar em ferro frio. Dizem elas que esse pessoal é elitizado e, portanto reacionário. Concordo quanto a meus colegas serem na sua maioria,  um tanto privilegiados na escala social. Eu, sendo psicanalista e pobre, sou uma exceção das exceções. Até já fui discriminada e excluída por colegas, por essa razão.

Contudo,não acredito, que os VERDADEIROS psicanalistas, bebendo nas fontes de Freud e Lacan, possam ser reacionários. Penso que psicanálise e posições à direita, defendendo o Capital e o sacrifício da maioria para preservar os privilégios de uma minoria, são incompatíveis. Meus colegas em geral, são de classe média, e até classe média alta. Vários deles são proprietários de casas em condomínios muito ricos, outros, de apartamentos de cobertura. Muitos deles possuem consultórios nas regiões mais nobres da cidade, têm belas casas de praia ou de campo, tiram férias no exterior até duas vezes por ano, e por aí lá vai.

 Mas eles sabem, que as coisas que possuem, todos nós, desde os catadores de lixo até as empregadas domésticas, passando por aqueles que se posicionam na classe média baixa, gostaríamos de ter e temos direito a ter. Eles sabem que a grande maioria gostaria de ter muito menos que isso (uma modesta casinha para morar, acesso a alfabetização, ensino médio e às universidades públicas, comida na mesa para comer todo dia, direito a cuidados com a saúde, etc) e não pode ter. Não acredito que psicanalistas, em geral estudiosos e esclarecidos, possam ser defensores da americana ideologia do esforço pessoal que diz que qualquer um que se esforçar e trabalhar terá. Certamente muitos deles sabem, que eles próprios, muitas vezes tiveram ser fazer esforço. E acredito mais ainda, que a desigualdade de oportunidades, aos psicanalistas, dói. Eles sofrem com isso, inevitavelmente, por uma questão de rigor ético. O imperativo ético da psicanálise é "não ceder do seu desejo". Respeitar a subjetividade e trabalhar para que cada sujeito seja um sujeito desejante é obrigação ética de todo psicanalista.Então a ética da psicanálise e a desigualdade social são incompatíveis. E isso, certamente causa sofrimento a cada um de nós.

Por isso, me dirijo a vocês. Por isso, penso que alguns sim, podem se esconder no "Eu não quero saber nada disso....ainda." Me dirijo a vocês, porque felizmente, há o AINDA. É a aposta. É acreditar que dias melhores virão. É o compromisso que de algum modo, cada um de nós, em algum momento, deixará cair a ficha, e trabalhará por esses dias melhores. Já contei isso a alguns de vocês, mas quero repetir. A frase de camisetas nas manifestações que mais me impressionou, por descrever o que está acontecendo nesse momento no nosso país é: "A CASA GRANDE SURTA QUANDO A SENZALA APRENDE A LER".

 Acho muito difícil que a CASA GRANDE vá em busca de análise para tratar seu surto. Quem de vocês acredita que Eduardo Cunha, Bolsonaro, Temer, aquela corja que votou pelo impeachment, procuraria uma análise? Acho que nenhum de nós acredita nisso, não é? Certamente, o que eles buscariam para conter seu surto, seria um neuroléptico bem caro. É mais moderno, indolor, recomendado por vários psiquiatras cúmplices das negociatas da indústria farmacêutica (conheço alguns poucos psiquiatras que mesmo precisando prescrever remédios, não fazem parte desse bando. Em geral, são analisados) e, principalmente, não os implica em nada. Neuroléptico costuma ser caro, muito caro, e quem vai pagar por esse remédio é o povo brasileiro. O neuroléptico deles é a saída de Dilma. Quem de nós não sabe, que a questão não é Dilma, mero bode expiatório, que muito provavelmente será sacrificado num ritual macabro? Para conter o surto da CASA GRANDE, o povo brasileiro vai pagar o preço. E que preço!!!

Me dirijo a vocês, porque eu não abraçaria uma causa como a psicanálise, se não acreditasse no potencial revolucionário que ela pode ter. Outro dia, uma colega muito sensível, que também por isso, presta, numa instituição a isso destinada, atendimento gratuito a crianças de baixa renda, me contou que estava muito feliz porque um paciente seu, a partir do seu trabalho, pode se arranjar melhor com seus sintomas e finalmente aprendeu a ler. Talvez essa colega seja até de elite. Isso não importa. O que importa é, que mesmo sem saber, ela é uma revolucionária. Não está do lado da CASA GRANDE. É cúmplice, mas da SENZALA. Isso é muito bonito, comovente. E assim, encerro esse dedo de prosa, que por ser prolixa, ficou hipertrofiado. Peço desculpas.

Agora só me resta dizer a vocês, que muitos psicanalistas de todo o Brasil, se movimentam sem filiações partidárias ou a tendências políticas formais, e estão solidários com a luta em defesa da DEMOCRACIA e contra o GOLPE. Até ontem, 1064 pessoas assinaram um manifesto por esta causa. Nós, aqui da Bahia, junto à coordenação nacional do manifesto, tomamos a decisão de incluir assinaturas de psicólogos e de quaisquer outras pessoas, que estejam solidários conosco. As assinaturas estão sendo encaminhadas ao Senado. Embora um pouco tristes, continuamos causados, porque A LUTA CONTINUA.

 Se você é psicóloga (o) psicanalista ou não, ou mesmo não sendo psicólogo e/ou psicanalista, e quer ler o manifesto, para ver se tem interesse em assinar, daqui a pouco o encaminharei para vocês (meu computador não está conseguindo encaminhar o arquivo junto com esse texto. Peço desculpas por esse modo "artesanal" de encaminhamento das providências). Encaminharei também a lista atualizada até ontem, das assinaturas de todo o Brasil, para vocês verem. Nesta lista, com muita alegria, e sem nenhuma surpresa, vi a assinatura de Arlete Garcia, da Letra Freudiana. A lista de assinantes aqui da Bahia, até ontem, segue aqui abaixo. Se você decidir assinar o manifesto, basta entrar no site:  http://www.peticaopublica.com.br/pview.aspx?pi=manifestopsi . Clique em assinar e forneça seus dados.

Também quero dizer, que os psicólogos da Bahia, na defesa da mesma causa, se organizaram num grupo intitulado Coletivo Iara lavelberg. Iara foi companheira de Lamarca e era psicóloga. Foi violentamente assassinada pela ditadura militar. Além de homenagear Iara, que dá nome ao grupo, os psicólogos também homenageiam o nosso colega Marcus Vinícius, nosso companheiro de luta, defensor da luta antimanicomial, também violentamente assassinado recentemente. O grupo de psicólogos criou uma página no Facebook:   https://www.facebook.com/psicologospelademocraciabrasileira/  . 

Criaram também no Facebook um grupo fechado do qual você pode se candidatar a participar : https://www.facebook.com/groups/187568118302629/    .
Nesse grupo os membros se comunicam. Também há muita comunicação por whatssap. Infelizmente, eu ainda não consigo fazer uso desse "trem", assim chamado. Então, se vocês quiserem entrar no grupo por whatssap, façam contato com Luciana França ou Renata Pimentel, colegas que estão à frente do movimento, ou com Letícia Rocha, colega psicóloga psicanalista muito participativa, que vem acompanhando o trabalho dos psicólogos por whatssapp, e pacientemente me passa o andamento das coisas. Os e-mails das três encontra-se aqui, nesta lista.

Creio que o mais importante do movimento dos psicólogos, é que eles redigiram um documento sob a forma de carta aberta ao Senado, com mais de 200 assinaturas, incluindo a minha e a de Letícia. Hoje, o pessoal conseguiu uma espécie de sessão junto ao Senado, quando farão a leitura da carta para os senadores, estando presentes  na leitura, 20 psicólogos. Ao lado disto, estão providenciando incluir o Conselho Federal de Psicologia no movimento, para transformar a carta em abaixo-assinado dos psicólogos a nível nacional. (vou também encaminhar para vocês o texto da carta aberta, que diga-se de passagem, ficou muito bom). A entrada do CFP na movimentação, foi intermediada pelo brilhante companheiro de luta Antônio Virgílio Bastos, que já atuou no Conselho Federal. Virgílio é psicólogo, professor titular da Ufba, pesquisador do CNPq no nível mais elevado e, principalmente um corajoso democrata, que estando muito bem de vida e sendo muito bem sucedido, vem dedicando grande parte de seu tempo à luta pela DEMOCRACIA e contra o GOLPE. Parabéns, Virgílio, querido amigo, parabéns a nós, psicólogos, que sem medo de mostrar a cara, estamos juntos nesse movimento, cientes que devemos privilegiar o trabalho democrático junto ao povo brasileiro, neste momento tão difícil. "É PRECISO ESTAR ATENTO E FORTE. NÃO TEMOS TEMPO DE TEMER A MORTE".  MENOS AINDA TEMER TEMER. VAMOS EM FRENTE. A LUTA CONTINUA!!!!

                                               Marcia Myriam Gomes (psicanalista, em nome dos psicólogos e/ou psicanalistas da Bahia)

domingo, 14 de agosto de 2016


  12/05/2016  CARTA ABERTA A MALI, psicanalista companheira na luta contra o GOLPE (partilhada com companheiros de luta)


Oi, Mali,

Obrigada de coração por ter enviado esse texto. Não sei se concordo, não sei se discordo. Preciso pensar, conversar com alguns amigos mais politizados, refletir. Não pertenço a nenhum partido ou filiação. Fiquei avessa a filiações de tal modo, que por enquanto nem a uma instituição psicanalítica consigo me filiar, embora venha cada vez mais fazendo uma transferência de trabalho com o Espaço Moebius. Embora venha cada vez mais pensando que o momento político grave que vivemos, requer que eu passe por cima das minhas dores pessoais, e me comprometa mais formalmente. Fiquei avessa depois da minha militância na organização de Lamarca na adolescência, da qual saí porque fui muito punida pelos companheiros por não ter conseguido conter o choro no funeral de uma companheira assassinada pela ditadura, (eu tinha apenas 15 anos). Segundo eles, provavelmente com razão, agindo assim eu dei "bandeira" para os tiras, pondo em risco a luta contra a ditadura. Na época, não soube encontrar uma solução conciliatória entre os "imperativos" da formação marxista leninista, as necessárias e rigorosas medidas de segurança, e o meu anseio juvenil pelo respeito à subjetividade e ao meu direito de exercer o meu luto, mesmo que fosse chorando.

Sempre tive muitas críticas aos governos de Lula e Dilma, embora sinta, ainda mais agora, uma enorme admiração por eles, tendo depositado minha confiança nas suas políticas públicas e programas de governo. As minhas críticas, provavelmente sectárias e mais à esquerda, me faziam pensar e dizer a meus amigos petistas, que havia uma arriscada ingenuidade no PT, em pensar que poderia conduzir uma luta de classes na base de muita conversa, negociação e alianças com setores da elite, supondo que estes abririam mão um pouco que fosse de seus privilégios, em prol do bem da nação. Esquerdista ou não, sectária ou não, não deixo de pensar agora que eu tinha alguma razão.

Isso me deixa mais perdida do que cego em tiroteio e por isso o texto que você mandou chegou numa boa hora. Confesso a você, a quem já considero amiga, que estou com muita raiva das elites. Quando vejo o Supremo Tribunal Federal, com elas comprometido, me pergunto: "Meu Deus (não acredito em Deus), que cagada foi fazer o PT !!  E isso me deixa vulnerável, porque propensa a uma radicalização, que pode implicar, sim, num certo isolamento, conforme mencionado no texto. A minha irmã caçula, muito alternativa, que não está nem aí pra política e cuja causa é a defesa da natureza, me fez pensar muito, quando me disse hoje: "Os fins não justificam os meios. Precisa danificar a natureza, queimando pneus?".

Não tenho dúvidas que devemos resistir. Não tenho dúvidas que precisamos continuar lutando. Não tenho dúvidas que devemos fazer oposição ao governo golpista. A questão é: "Como fazer isso sem ficarmos mais isolados do que já estamos?" Por isso, lhe agradeço pelo texto. Me fez me sentir implicada nas questões que levanta e vai me fazer pensar. Creio que nós que lutamos tanto esses dias, estamos muito tristes. E, reconheço, implicada, que o ódio é uma saída arriscada para a tristeza. Querendo ou não, eu acabei ficando um pouco no lugar de uma certa liderança do pequeno trabalho feito com os psicanalistas, em relação à assinatura do manifesto. "Liderança" forçada e isolada, na ausência de alguém mais conhecido e representativo que topasse dividir comigo essa tarefa. Algumas vezes sinalizei isso, cheguei a pedir um help por escrito, mas ninguém se voluntariou. Penso que também devemos refletir sobre isso. Como prosseguir? Enfim, muita coisa para pensar. Independente de todas essas coisas não tenho dúvidas que construímos alguma coisa valiosa nesses dias de luta, que não deve nem pode se perder. Tomara que nos mantenhamos unidos e solidários, tomara que não nos dispersemos, tomara que a cabível neutralidade que temos que exercer ocupando o lugar de analistas nas nossas clínicas, não nos iniba, atemorize ou confunda, quanto a nos posicionarmos politicamente enquanto cidadãos.

Você tem sido muito companheira. Não só você. Bom saber que na causa política contamos com a participação e apoio de vários colegas dos meios psicanalíticos. Vários psicólogos e amigos também. Nos apoiemos com o acolhimento humano para além do equivocado clichê de que a psicanalistas não pega bem serem calorosos, afetuosos e ternos. Juntos, vamos tentando aprender como endurecer, mas sem perder a ternura. Estou vendo na televisão policiais caindo violentamente de pau sobre manifestantes contra o impeachment em São Paulo.Meus olhos marejam. Já vi esse filme. O "só depois" a famosa repetição traumática do caso "Emma". Tenho que parar de escrever. Agora o canalha do Fernando Collor está falando no Senado. Tenho que parar de escrever. Obrigada por você ser tão simples e genuína. Com você não me sinto pobre nem rica, embora seja pobre. Me sinto Marcia.
                                                                                                                           Um beijo,
                                                                                                                               Marcia.


> Subject: O golpe, a resistência .....
> From: mali.mfernandes@gmail.com
> Date: Wed, 11 May 2016 18:18:19 -0300
> To: marciamyriamgomes@hotmail.com
> *O golpe, a resistência e o risco de isolamento da esquerda*
> por Rodrigo Vianna
> Está claro que o governo golpista de Michel Temer começa frágil. Primeiro, porque os personagens que o cercam têm imagem péssima e capivaras gigantes na Justiça. E, em segundo lugar, porque o vice golpista colocará em ação um plano ultra-liberal, na linha do adotado por Macri na Argentina; só que fará isso sem ter recebido o aval das urnas.
> por Rodrigo Vianna
> Está claro que o governo golpista de Michel Temer começa frágil. Primeiro, porque os personagens que o cercam têm imagem péssima e capivaras gigantes na Justiça. E, em segundo lugar, porque o vice golpista colocará em ação um plano ultra-liberal, na linha do adotado por Macri na Argentina; só que fará isso sem ter recebido o aval das urnas.
> Globo, Gilmar e Cunha querem botar a faixa no Temer; mas batalha não acabou e haverá muita resistência
> Esse plano provocará desarranjo social, instabilidade, fragilizará os trabalhadores e os mais pobres. Já sabemos disso. Mas o povo que assiste a tudo, desconfiado, ainda não se deu conta.
> Ouço algumas pessoas, ligadas aos movimentos sociais e a partidos de esquerda, dizendo que esse quadro favorece uma reação imediata nas ruas – para deslegitimar Temer. Minha impressão é de que, bem ao contrário, Temer conta com essas ações (fechamento de ruas e estradas, ocupações de prédios públicos e propriedades privadas) para construir a legitimidade de que necessita.
> O que quero dizer? Que a narrativa buscada pelo governo Temer será a de que “baderneiros” ligados ao PT buscam obstaculizar a nova “unidade nacional”. As ações de rua da esquerda, quanto mais virulentas forem, mais fornecerão a Temer o álibi de que necessita: “temos um inimigo, uma quadrilha que foi desalojada do poder e que se recusa a aceitar a derrota”. Essa será a narrativa. A Globo e suas sócias minoritárias no oligopólio midiático saberão construir essa narrativa. Já começaram, aliás.
> No Judiciário e no aparato de Estado, veremos ações de repressão, intimidação, perseguição. Caminhamos para uma semi-democracia. Ou uma quase-ditadura – no estilo colombiano: as instituições funcionam, mas a esquerda e os movimentos populares organizados são expurgados.
> Reparem que o secretário de Segurança de São Paulo, Alexandre de Morais, cotado para ser Ministro da Justiça do governo golpista, dá a senha: chamou de “ações guerrilheiras” os protestos desse dia 11 de maio.
> Outros exemplos: a Policia Federal deteve um grupo de mulheres pró-Dilma que se dirigia a Brasília porque elas se manifestaram dentro do avião na viagem; e grupos fascistas invadiram escolas ocupadas no Rio para expurgar a esquerda que ousa protestar contra o descalabro da educação fluminense.
> Isso é o que nos espera nos próximos meses. Um “choque de ordem”, baseado em abusos de autoridade e fascismo social.
> Risco de isolamento
> Pensei muito se deveria escrever este texto, porque poderia parecer uma nota de desânimo no momento em que é preciso resistir. Mas sinto-me na obrigação de dizer o que vejo: nos próximos meses, a esquerda e os democratas em geral ficarão minoritários. O maior risco que corremos é o de isolamento social.
> A mesma máquina midiática que criou a narrativa (vitoriosa, pelo que vemos) de que uma organização criminosa tomou de assalto o país passará, a partir de agora, a operar em outro diapasão: a “quadrilha” de desordeiros não quer deixar o Brasil seguir seu curso.
> Percebam que o 17 de abril (com a infame votação do “em nome da minha família”, “em nome de deus”) foi o dia em que se mostrou – sem véu – a ideologia hoje vitoriosa no Brasil. A ideologia da ordem. E essa narrativa foi meticulosamente construída…
> Em março de 2015, no estouro da boiada da direita, vocês se lembram qual era a frase pronta repetida pelos repórteres da Globo ao cobrir as manifestações: “milhares de famílias, em ordem, protestam contra o governo do PT e contra a corrupção.”
> Famílias em ordem x corrupção petista. Esse é o resumo da ópera.
> O próprio lulismo, como já ressaltado por André Singer, opera dentro da ordem. Amplos setores que votaram em Lula e Dilma são conservadores. Queriam (e querem) melhorias dentro da ordem, até porque a liderança da classe trabalhadora lhes ofereceu esse programa.
> Reparem que são relativamente pequenos os grupos que saíram às ruas nos últimos dias (em atos que considero heróicos e necessários) para denunciar o golpe Temer/Cunha/Globo/PSDB. Não há muita gente disposta a enfrentar o golpe na rua em ações “radicais”. Por enquanto, esse é o quadro.
> Há setores na esquerda que apostam nessa estratégia: atos fortes, ainda que pequenos, para logo atrair as massas à resistência. Temo que esse tipo de ação esteja em completo desajuste com tudo que significou o lulismo nos últimos 15 anos. E temo que esse tipo de ação possa aprofundar o isolamento social da esquerda e dos movimentos sociais.
> Será que a massa trabalhadora compreende essa sintaxe dos pneus queimados e das estradas fechadas?
> Estou longe de ter a resposta definitiva.
> O que percebo é que MST, CUT e demais centrais sindicais, ao lado de PT e PCdoB, são tudo que Temer e seus operadores da lei e da ordem querem ver nas ruas nos próximos meses. Será fácil carimbar essas manifestações como “desordens”, lançando esse povo no gueto dos “desesperados” e desalojados do poder.
> O que não quer dizer, evidentemente, que devam se ausentar das ruas…
> O melhor caminho para enfrentar o governo golpista, imagino eu, é apostar em ações descentralizadas, criativas, comandadas por jovens e mulheres. Ações que obriguem Temer e as PMs nos estados a botar seus dentes de fora. Ações pautadas em temas concretos, e que mostrem o que significará na vida prática de cada um esse golpe à democracia.
> Teremos que fazer isso e ao mesmo tempo ter energia e muita solidariedade para enfrentar a onda de perseguições, difamações e violência que se abaterá sobre todo o campo popular e democrático.
> Serão dias difíceis, como sabemos.
> E talvez a maior de todas dificuldades seja: como defender o legado da (centro)esquerda que tivemos até aqui (o lulismo, com suas conquistas e sua sintaxe baseada nos acordos institucionais), ao mesmo tempo em que construímos uma nova esquerda – menos institucional, mais voltada às ruas, às redes e aos movimentos horizontais que pipocam Brasil afora?
> Faremos isso tudo em meio a uma grave crise da democracia, com o discurso religioso e policialesco a dominar o cenário.
> Qual papel de Dilma? E o de Lula?
> Certamente são importantes, assim como o da Frente Brasil Popular e dos partidos e sindicatos. Mas isso tudo Temer e a Globo já botaram na conta. Vão partir pra cima dessa turma já conhecida.
> O curinga na manga será a construção de novos movimentos sociais. Populares e de esquerda, mas não necessariamente “petistas”. É daí que poder vir a novidade mais consistente. Contra ela, toda a força e a virulência de Temer e das PM pode se transformar em fraqueza.
> Esse é o cenário que vejo.
> O Brasil entra num novo ciclo. Temer parece hoje ter pouca força pra se consolidar. Se errarmos muito, ele pode construir sua legitimidade a partir de nossos erros. Mas se o surpreendermos, toda força midiática e judicial não será capaz de evitar a construção (em 6 meses, 2 anos ou 10 anos) de um novo ciclo de esquerda no Brasil.
> Haverá resistência! Agora e sempre. De muitas formas.
> P.S.: Os golpistas que nos atacam nas ruas e nas redes dizem que estamos desesperados porque “perdemos a boquinha”. Deixem que pensem assim. Não sabem que a maioria dos que lutam do lado de cá está acostumada a travar longas batalhas, com persistência e confiança num futuro mais justo para o Brasil e o Mundo. Esse não é o primeiro governo golpista que vamos enfrentar e derrotar.
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