domingo, 7 de agosto de 2016

CARTA  A  MEU  IRMÃO  LUIZ  GERMANO  GOMES, em 03/03/2016 , quando eu me encontrava muito magoada com ele e Lindaura sua mulher, que talvez sem terem noção das consequências, "despacharam" em dezembro passado, nossa mãe, Myriam Urpia, que já há muitos anos vivia com eles, em Maceió, para viver em Aracaju com Sandra, nossa irmã mais velha. Sandra, muito amorosa e generosa, é um pessoa de temperamento um pouco agressivo, coisa com que minha mãe, sendo também muito autoritária, tem muita dificuldade de lidar. Lula sempre foi o filho preferido de minha mãe. Ele e Lindaura, pouco instruídos a esse respeito, não fizeram com minha mãe nenhum preparo emocional para mudança tão traumática. Além disso, na falta de uma certa sensibilidade, disseram a D. Myriam que ela estava sendo transferida para Aracaju porque lá devia morrer. Não contentes com isso, comentaram com ela sobre detalhes mórbidos do seu funeral, a exemplo de que seria vestida por suas colegas de noviciado Carmelita, que seu corpo seria embalsamado para transporte para o Jardim da Saudade em Salvador, lhe entregando para levar a Aracaju o endereço de sua sepultura. Tudo isso foi planejado e efetivado sem que sequer um telefonema tenha sido feito para me consultar a respeito de tão grave decisão. Soube da mesma, por minha própria mãe, que aos prantos me relatou tudo, quando eu fui a Aracaju passar o Natal, julgando que ela estaria lá, somente para as festividades de fim de ano. Estarrecida e preocupada com o fato de minha poder não resistir ao sofrimento a ela infligido, apenas um ano depois de ter sido submetida a uma arriscada mastectomia, tendo sua saúde debilitada por problemas respiratórios graves, resolvi escrever essa carta a Lula, com cópia oculta para amigos e familiares de minha mãe. Queria deixar mais do que claro para todos que eu não fui cúmplice e tampouco comunicada de tão grave e insensível providência.

 Dona Myriam, teve muita dificuldade de se adaptar à rotina de vida na casa de Sandra, onde funciona na sala um salão de beleza com muito barulho de secador e transtorno com o vai e vem de clientes por todo o espaço, sem privacidade e condições materiais de conforto. Além disso, apesar da imensa disponibilidade de Sandra, houve sérios conflitos entre as duas. Desde que se separou de meu pai, minha mãe sempre foi muito independente, senhora de suas decisões. Por sua vez, Sandra sempre foi muito mandona, inclusive às vezes, extrapolando os limites regidos pela sociabilidade. Enfim, não podendo deixar de tomar conhecimento desta dramática situação, finalmente por volta se não me engano de maio de 2016, Lula se compadeceu da situação de minha mãe e atendeu a seu pedido de voltar para Maceió, o que me comunicou por E-mail. Eu, obviamente, agradeci muito. Creio que como sequela do sofrimento pelo qual passou, embora esteja bem melhor emocionalmente de volta a Maceió, minha mãe teve um agravamento irreversível do Mal de Alzheimer com sério prejuízo cognitivo.

Meu muito amado irmão Lula (Luiz Germano),

Como lhe disse recentemente em um desabafo por telefone, de há muitos anos venho bastante magoada com você pelo modo que vem conduzindo o processo de tomada de decisões quanto ao encaminhamento da vida e aos cuidados dispensados à nossa mãezinha Myriam Urpia. Como lhe disse ao telefone, talvez naquele momento sem que eu tenha sabido escolher as melhores palavras, a meu ver, um modo autoritário. Como se sozinho, sem ouvir a opinião de seus irmãos que são filhos do mesmo modo como você, você tivesse o poder de um mandatário de decidir o que é melhor para ela. Um modo exclusivista, deixando excluídos dos processos decisórios da família a mim e a outros irmãos, como se não merecêssemos opinar, devendo ficar à margem como meros conhecidos distantes de D. Myriam. E, o que é pior, um modo discriminatório. Não sei se por sermos desabonadas financeiramente (eu, Sandra e Lilyana) , ao contrário de você, ou por termos, nós, irmãs mulheres, todas três, um histórico de termos vivido no passado episódios de agudo sofrimento psíquico pelo modo como nos foi possível elaborar as enormes dores das nossas histórias de vida das quais não fomos poupadas, pelo menos eu (não posso responder pelas outras), que graças à minha competência e sanidade mental, sou uma psicóloga psicanalista atuante e respeitada pelos meus colegas e pacientes, me sinto discriminada por você que parece desinformadamente, desqualificar os meus méritos para opinar de modo sábio e consequente sobre as decisões tomadas  e a serem tomadas em relação ao destino de nossa mãe Myriam Urpia. Parece que você me coloca numa categoria inferior. Querendo resumir, o fato é que NOSSA mãe mudou-se de Salvador para Aracaju, depois de Aracaju para Maceió, e, agora de Maceió para Aracaju novamente, sem que uma palavra minha sequer tenha sido buscada ou ouvida a respeito.Jamais ouvi de você, um "Marcia, o que você acha?"

Mas, meu querido irmão, tentemos superar as mágoas. Ninguém muda ninguém. Cada um é o que é. Infelizmente, estou certa que você nada refletiu sobre a nossa conversa telefônica, nem vai refletir. No mínimo deve ter pensado: "Que ousadia dessa Marcia!! Como se atreve?" Gosto de você o suficiente para lhe dizer: "deixemos de mágoas". Muito triste por você, acabei de saber do falecimento de um dos seus amados cachorros. Fiquei muito triste, Lula, e quero lhe dar meus condoídos sentimentos. Sei do amor dedicado que você tem pelos seus cachorros. Você sempre foi muito afeito aos animais. Nunca me esqueço de quando minha avó Orminda disse não ser possível a nós mantermos um coelhinho de estimação na casa dela, onde morávamos, nós quatro, você, com todo amor segurando o animalzinho e chorando, fomos desesperados para a esquina esperar nossa mãe chegar do trabalho para darmos destino digno ao coelhinho. Nunca me esqueço disso. Também me lembro de nós juntos numa madrugada batendo na porta do apartamento de meu pai no Edifício Rívoli para darmos socorro ao nosso gatinho. Um animal de estimação, mesmo destituído da fala, compreende muito da nossa linguagem se tornando um ente querido, de valor inestimável. E como dói, meu irmão, perder um ente querido! Não há nada que possa ser posto no lugar. Imagino, Lula, a sua dor. A falta que ele vai fazer no canil quando você for alimentá-los. As recordações, as imagens. Tudo pode doer muito num primeiro momento do seu luto, meu irmão.Por isso lhe pedi que ligasse a Sandra se solidarizando pela perda da grande amiga Mariza. Não pude ir ao funeral de Mariza , mas cancelei meus pacientes para ir à missa de sétimo dia. Era a força que eu podia dar à minha irmã naquela hora de saudade. Eu também perdi um grande amigo em dezembro. Não importa, se pessoa ou animal, mas sim o que significou para a gente. Felizmente você tem Lindaura, fiel companheira, seus filhos e netos para lhe consolar. Conte com meu apoio. Você é meu único irmão homem. Excelente filho, marido, pai e avô.

Mesmo tendo mágoas e me reservando o direito de discordar de você, não precisamos nos tratar como estranhos. Mesmo que me excluam, não me permitirei excluir do laço afetivo que tenho com meus irmãos e a minha família. Somos uma família. Temos uma história em comum onde em muitos momentos fomos solidários uns com os outros. Não me esqueço eu e Lindaura e você fazendo no meu quarto o teste de gravidez de Livinha. Não me esqueço de vocês morando conosco nos primeiros tempos de casados e Lindaura se confidenciando comigo. Lembro de segredos que ela me contou.
Gosto muito de você e Lindaura e serei eternamente grata pelo quanto cuidaram de minha mãe. Na nossa conversa telefônica, embora eu não tenha gostado do modo um tanto hostil com que você se referiu a nossa mãe, sei que ela é uma pessoa não muito fácil e já tivemos muitos conflitos. Mas com a mãe com 83 anos, tendo passado por uma mastectomia e sofrendo do Mal de Alzheimer depois do muito que sofreu na vida, penso que temos que relevar e deixar que prevaleça a ternura. Tenho muito a agradecer a vocês. O modo gentil e hospitaleiro com que me receberam nas vezes que fui a Maceió. Lindaura é excelente anfitriã e não permite que a gente fique pouco à vontade como se fosse visita. Sinto muito carinho por seus filhos e meus sobrinhos netos. Quanto às atitudes suas ou de Lindaura, quem sou eu para julgar?  "Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é", diz a música. Cada qual que fique com sua consciência. Cada um de nós faz o melhor que pode e ninguém é melhor que ninguém. Mesmo quando erramos, estivemos tentando fazer o melhor.

Mesmo com dor, tudo pode frutificar em coisas belas. Estou encantada com o poder de superação de nossa mãe expressa em suas pinturas. Ela está se revelando uma artista. Compartilhei no Facebook o trabalho de pintura dela postado por Dani e vários amigos sensíveis  meus elogiaram muito. Com o cuidado de TODOS NÓS, eu e você agora à distância, (eu cuido muito dela por telefone, com uma escuta acolhedora e empática que TENHO CERTEZA é muito importante e necessária para ela e sei que você liga para ela todo dia) a cuidadosa generosidade de Sandra, Alfredo, Graça e Dani que são incansáveis no acolhimento a ela, as coisas vão se ajeitando. Sandra é uma filha muito dedicada e amorosa. Que Deus a abençoe. Sou gratíssima a eles todos em Aracaju. E, tão logo possa, darei um pulinho lá para cuidar de perto da minha mãezinha. Tenho minha advogada que está acompanhando esse processo de mudança de minha mãe. Sei dos meus direitos e não permitirei que NINGUÉM me exclua do amoroso desejo de cuidar da minha mãezinha, mesmo eu tendo que viver em Salvador.Filhos também têm direitos assegurados por LEI e cada vez tenho me inteirado mais disso junto à minha advogada. Não tenho mais 21 como quando meu pai faleceu. Estou atenta e pronta a defender meus direitos caso algum ignorante tente ameaçá-los. Fico contente de saber que você e Sandra  estão se esforçando por se entenderem da melhor forma possível em benefício da nossa mãe. Eu também estou trabalhando em prol do bem estar de minha adorada mãezinha. Sei que vocês não vão esquecer disso jamais. Contam e contem comigo.

Lula, meu querido irmão, conte com minha solidariedade com sua dor. Como psicóloga só posso dizer que ela só passa se for vivida. Tenho torcido pela saúde de Sr. Barreto. Diga isso a Lindaura. No próximo dia 13, seu aniversário, vou lhe telefonar para parabenizar. Não é porque você constituiu uma nova família nuclear, que deixamos de ser uma família. Somos uma família de 4 irmãos que viveram, cresceram, sofreram e se ajudaram juntos. Quando a nossa mãezinha se for  (não consigo pensar nisso sem muita dor e jamais mencionaria com ela a sua morte como uma possibilidade. Seria muito perverso. Ninguém está emocionalmente pronto para ouvir o outro falar da sua morte, muito menos mencionar assuntos de rituais funerários enquanto a pessoa está viva e bem de saúde. Isso conspira contra a natureza humana. Queiramos ou não, sou psicóloga e conheço um pouco desses assuntos) acho que a maior homenagem que podemos fazer a ela é tentarmos nos manter unidos como irmãos que se amam. É importante que você saiba que estou enviando este e-mail para todos os familiares próximos e distantes de minha mãe cujo endereço virtual possuo. Também para amigos dela como o juiz Dr. Justino que foi muito solidário comigo e com ela na época da cirurgia e pessoas nas quais ela confia muito como a minha grande amiga Ana Cecília. Talvez discordemos nisso, mas na minha opinião acho que todas as pessoas que querem bem a Dona Myriam, têm o direito de saber como ela vai, o que tem sido feito da vida dela e como está a dinâmica familiar. Não é muito meu jeito omitir, escamotear, jogar a sujeira pra baixo do tapete. Omitir de irmãos, então, nem se fala. Estou sabendo que é crime. Querido irmão, cuide-se. Busque ser feliz. Seu cachorro deve ter sido muito feliz tendo um dono como você, assim como Mariza foi feliz tendo uma amiga como Sandra. Desculpe se às vezes sou excessivamente sincera. Graças a Deus já me submeti a muitos anos de psicanálise e aprendi que está muito mal da cabeça quem precisa esconder a verdade de seus íntimos e de si mesmo. Estou fora dessa auto-sabotagem. Gosto muito de você e lhe admiro muito.Posso às vezes até sentir raiva de você, mas não desejo lhe diminuir nem excluir de nada. Como todos nós, você tem direito de saber e participar. É um cidadão e merece todo respeito.
                                                                                                     Com amor, sua irmã,
                                                                                                     Marcia Myriam Gomes.

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