domingo, 14 de agosto de 2016


  12/05/2016  CARTA ABERTA A MALI, psicanalista companheira na luta contra o GOLPE (partilhada com companheiros de luta)


Oi, Mali,

Obrigada de coração por ter enviado esse texto. Não sei se concordo, não sei se discordo. Preciso pensar, conversar com alguns amigos mais politizados, refletir. Não pertenço a nenhum partido ou filiação. Fiquei avessa a filiações de tal modo, que por enquanto nem a uma instituição psicanalítica consigo me filiar, embora venha cada vez mais fazendo uma transferência de trabalho com o Espaço Moebius. Embora venha cada vez mais pensando que o momento político grave que vivemos, requer que eu passe por cima das minhas dores pessoais, e me comprometa mais formalmente. Fiquei avessa depois da minha militância na organização de Lamarca na adolescência, da qual saí porque fui muito punida pelos companheiros por não ter conseguido conter o choro no funeral de uma companheira assassinada pela ditadura, (eu tinha apenas 15 anos). Segundo eles, provavelmente com razão, agindo assim eu dei "bandeira" para os tiras, pondo em risco a luta contra a ditadura. Na época, não soube encontrar uma solução conciliatória entre os "imperativos" da formação marxista leninista, as necessárias e rigorosas medidas de segurança, e o meu anseio juvenil pelo respeito à subjetividade e ao meu direito de exercer o meu luto, mesmo que fosse chorando.

Sempre tive muitas críticas aos governos de Lula e Dilma, embora sinta, ainda mais agora, uma enorme admiração por eles, tendo depositado minha confiança nas suas políticas públicas e programas de governo. As minhas críticas, provavelmente sectárias e mais à esquerda, me faziam pensar e dizer a meus amigos petistas, que havia uma arriscada ingenuidade no PT, em pensar que poderia conduzir uma luta de classes na base de muita conversa, negociação e alianças com setores da elite, supondo que estes abririam mão um pouco que fosse de seus privilégios, em prol do bem da nação. Esquerdista ou não, sectária ou não, não deixo de pensar agora que eu tinha alguma razão.

Isso me deixa mais perdida do que cego em tiroteio e por isso o texto que você mandou chegou numa boa hora. Confesso a você, a quem já considero amiga, que estou com muita raiva das elites. Quando vejo o Supremo Tribunal Federal, com elas comprometido, me pergunto: "Meu Deus (não acredito em Deus), que cagada foi fazer o PT !!  E isso me deixa vulnerável, porque propensa a uma radicalização, que pode implicar, sim, num certo isolamento, conforme mencionado no texto. A minha irmã caçula, muito alternativa, que não está nem aí pra política e cuja causa é a defesa da natureza, me fez pensar muito, quando me disse hoje: "Os fins não justificam os meios. Precisa danificar a natureza, queimando pneus?".

Não tenho dúvidas que devemos resistir. Não tenho dúvidas que precisamos continuar lutando. Não tenho dúvidas que devemos fazer oposição ao governo golpista. A questão é: "Como fazer isso sem ficarmos mais isolados do que já estamos?" Por isso, lhe agradeço pelo texto. Me fez me sentir implicada nas questões que levanta e vai me fazer pensar. Creio que nós que lutamos tanto esses dias, estamos muito tristes. E, reconheço, implicada, que o ódio é uma saída arriscada para a tristeza. Querendo ou não, eu acabei ficando um pouco no lugar de uma certa liderança do pequeno trabalho feito com os psicanalistas, em relação à assinatura do manifesto. "Liderança" forçada e isolada, na ausência de alguém mais conhecido e representativo que topasse dividir comigo essa tarefa. Algumas vezes sinalizei isso, cheguei a pedir um help por escrito, mas ninguém se voluntariou. Penso que também devemos refletir sobre isso. Como prosseguir? Enfim, muita coisa para pensar. Independente de todas essas coisas não tenho dúvidas que construímos alguma coisa valiosa nesses dias de luta, que não deve nem pode se perder. Tomara que nos mantenhamos unidos e solidários, tomara que não nos dispersemos, tomara que a cabível neutralidade que temos que exercer ocupando o lugar de analistas nas nossas clínicas, não nos iniba, atemorize ou confunda, quanto a nos posicionarmos politicamente enquanto cidadãos.

Você tem sido muito companheira. Não só você. Bom saber que na causa política contamos com a participação e apoio de vários colegas dos meios psicanalíticos. Vários psicólogos e amigos também. Nos apoiemos com o acolhimento humano para além do equivocado clichê de que a psicanalistas não pega bem serem calorosos, afetuosos e ternos. Juntos, vamos tentando aprender como endurecer, mas sem perder a ternura. Estou vendo na televisão policiais caindo violentamente de pau sobre manifestantes contra o impeachment em São Paulo.Meus olhos marejam. Já vi esse filme. O "só depois" a famosa repetição traumática do caso "Emma". Tenho que parar de escrever. Agora o canalha do Fernando Collor está falando no Senado. Tenho que parar de escrever. Obrigada por você ser tão simples e genuína. Com você não me sinto pobre nem rica, embora seja pobre. Me sinto Marcia.
                                                                                                                           Um beijo,
                                                                                                                               Marcia.


> Subject: O golpe, a resistência .....
> From: mali.mfernandes@gmail.com
> Date: Wed, 11 May 2016 18:18:19 -0300
> To: marciamyriamgomes@hotmail.com
> *O golpe, a resistência e o risco de isolamento da esquerda*
> por Rodrigo Vianna
> Está claro que o governo golpista de Michel Temer começa frágil. Primeiro, porque os personagens que o cercam têm imagem péssima e capivaras gigantes na Justiça. E, em segundo lugar, porque o vice golpista colocará em ação um plano ultra-liberal, na linha do adotado por Macri na Argentina; só que fará isso sem ter recebido o aval das urnas.
> por Rodrigo Vianna
> Está claro que o governo golpista de Michel Temer começa frágil. Primeiro, porque os personagens que o cercam têm imagem péssima e capivaras gigantes na Justiça. E, em segundo lugar, porque o vice golpista colocará em ação um plano ultra-liberal, na linha do adotado por Macri na Argentina; só que fará isso sem ter recebido o aval das urnas.
> Globo, Gilmar e Cunha querem botar a faixa no Temer; mas batalha não acabou e haverá muita resistência
> Esse plano provocará desarranjo social, instabilidade, fragilizará os trabalhadores e os mais pobres. Já sabemos disso. Mas o povo que assiste a tudo, desconfiado, ainda não se deu conta.
> Ouço algumas pessoas, ligadas aos movimentos sociais e a partidos de esquerda, dizendo que esse quadro favorece uma reação imediata nas ruas – para deslegitimar Temer. Minha impressão é de que, bem ao contrário, Temer conta com essas ações (fechamento de ruas e estradas, ocupações de prédios públicos e propriedades privadas) para construir a legitimidade de que necessita.
> O que quero dizer? Que a narrativa buscada pelo governo Temer será a de que “baderneiros” ligados ao PT buscam obstaculizar a nova “unidade nacional”. As ações de rua da esquerda, quanto mais virulentas forem, mais fornecerão a Temer o álibi de que necessita: “temos um inimigo, uma quadrilha que foi desalojada do poder e que se recusa a aceitar a derrota”. Essa será a narrativa. A Globo e suas sócias minoritárias no oligopólio midiático saberão construir essa narrativa. Já começaram, aliás.
> No Judiciário e no aparato de Estado, veremos ações de repressão, intimidação, perseguição. Caminhamos para uma semi-democracia. Ou uma quase-ditadura – no estilo colombiano: as instituições funcionam, mas a esquerda e os movimentos populares organizados são expurgados.
> Reparem que o secretário de Segurança de São Paulo, Alexandre de Morais, cotado para ser Ministro da Justiça do governo golpista, dá a senha: chamou de “ações guerrilheiras” os protestos desse dia 11 de maio.
> Outros exemplos: a Policia Federal deteve um grupo de mulheres pró-Dilma que se dirigia a Brasília porque elas se manifestaram dentro do avião na viagem; e grupos fascistas invadiram escolas ocupadas no Rio para expurgar a esquerda que ousa protestar contra o descalabro da educação fluminense.
> Isso é o que nos espera nos próximos meses. Um “choque de ordem”, baseado em abusos de autoridade e fascismo social.
> Risco de isolamento
> Pensei muito se deveria escrever este texto, porque poderia parecer uma nota de desânimo no momento em que é preciso resistir. Mas sinto-me na obrigação de dizer o que vejo: nos próximos meses, a esquerda e os democratas em geral ficarão minoritários. O maior risco que corremos é o de isolamento social.
> A mesma máquina midiática que criou a narrativa (vitoriosa, pelo que vemos) de que uma organização criminosa tomou de assalto o país passará, a partir de agora, a operar em outro diapasão: a “quadrilha” de desordeiros não quer deixar o Brasil seguir seu curso.
> Percebam que o 17 de abril (com a infame votação do “em nome da minha família”, “em nome de deus”) foi o dia em que se mostrou – sem véu – a ideologia hoje vitoriosa no Brasil. A ideologia da ordem. E essa narrativa foi meticulosamente construída…
> Em março de 2015, no estouro da boiada da direita, vocês se lembram qual era a frase pronta repetida pelos repórteres da Globo ao cobrir as manifestações: “milhares de famílias, em ordem, protestam contra o governo do PT e contra a corrupção.”
> Famílias em ordem x corrupção petista. Esse é o resumo da ópera.
> O próprio lulismo, como já ressaltado por André Singer, opera dentro da ordem. Amplos setores que votaram em Lula e Dilma são conservadores. Queriam (e querem) melhorias dentro da ordem, até porque a liderança da classe trabalhadora lhes ofereceu esse programa.
> Reparem que são relativamente pequenos os grupos que saíram às ruas nos últimos dias (em atos que considero heróicos e necessários) para denunciar o golpe Temer/Cunha/Globo/PSDB. Não há muita gente disposta a enfrentar o golpe na rua em ações “radicais”. Por enquanto, esse é o quadro.
> Há setores na esquerda que apostam nessa estratégia: atos fortes, ainda que pequenos, para logo atrair as massas à resistência. Temo que esse tipo de ação esteja em completo desajuste com tudo que significou o lulismo nos últimos 15 anos. E temo que esse tipo de ação possa aprofundar o isolamento social da esquerda e dos movimentos sociais.
> Será que a massa trabalhadora compreende essa sintaxe dos pneus queimados e das estradas fechadas?
> Estou longe de ter a resposta definitiva.
> O que percebo é que MST, CUT e demais centrais sindicais, ao lado de PT e PCdoB, são tudo que Temer e seus operadores da lei e da ordem querem ver nas ruas nos próximos meses. Será fácil carimbar essas manifestações como “desordens”, lançando esse povo no gueto dos “desesperados” e desalojados do poder.
> O que não quer dizer, evidentemente, que devam se ausentar das ruas…
> O melhor caminho para enfrentar o governo golpista, imagino eu, é apostar em ações descentralizadas, criativas, comandadas por jovens e mulheres. Ações que obriguem Temer e as PMs nos estados a botar seus dentes de fora. Ações pautadas em temas concretos, e que mostrem o que significará na vida prática de cada um esse golpe à democracia.
> Teremos que fazer isso e ao mesmo tempo ter energia e muita solidariedade para enfrentar a onda de perseguições, difamações e violência que se abaterá sobre todo o campo popular e democrático.
> Serão dias difíceis, como sabemos.
> E talvez a maior de todas dificuldades seja: como defender o legado da (centro)esquerda que tivemos até aqui (o lulismo, com suas conquistas e sua sintaxe baseada nos acordos institucionais), ao mesmo tempo em que construímos uma nova esquerda – menos institucional, mais voltada às ruas, às redes e aos movimentos horizontais que pipocam Brasil afora?
> Faremos isso tudo em meio a uma grave crise da democracia, com o discurso religioso e policialesco a dominar o cenário.
> Qual papel de Dilma? E o de Lula?
> Certamente são importantes, assim como o da Frente Brasil Popular e dos partidos e sindicatos. Mas isso tudo Temer e a Globo já botaram na conta. Vão partir pra cima dessa turma já conhecida.
> O curinga na manga será a construção de novos movimentos sociais. Populares e de esquerda, mas não necessariamente “petistas”. É daí que poder vir a novidade mais consistente. Contra ela, toda a força e a virulência de Temer e das PM pode se transformar em fraqueza.
> Esse é o cenário que vejo.
> O Brasil entra num novo ciclo. Temer parece hoje ter pouca força pra se consolidar. Se errarmos muito, ele pode construir sua legitimidade a partir de nossos erros. Mas se o surpreendermos, toda força midiática e judicial não será capaz de evitar a construção (em 6 meses, 2 anos ou 10 anos) de um novo ciclo de esquerda no Brasil.
> Haverá resistência! Agora e sempre. De muitas formas.
> P.S.: Os golpistas que nos atacam nas ruas e nas redes dizem que estamos desesperados porque “perdemos a boquinha”. Deixem que pensem assim. Não sabem que a maioria dos que lutam do lado de cá está acostumada a travar longas batalhas, com persistência e confiança num futuro mais justo para o Brasil e o Mundo. Esse não é o primeiro governo golpista que vamos enfrentar e derrotar.
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