sábado, 6 de agosto de 2016

Em 31 de janeiro de 2016  --- Carta aos amigos Ana Cecília e Carlos Machado, comentando sobre o luto de Nilton, companheiro de Boaventura, meu amigo e poeta, falecido em 19/12/2015 , por conta de um câncer devastador na laringe, metaforizando seu desejo de morte suicida.
Oi, Ana Cecília e Carlos,

Às vezes um valor mais alto se levanta. E estou sempre a priorizar aqueles que estão sentindo dor. Dor no coração. Adoraria ter entrado no papo de vocês sobre a mulher de Ló. Ana, achei interessante e fiquei um tanto perplexa com o seu TAMBÉM É HOMEM. Mas foi um dia atípico. E não pude entrar no papo. Carlos, tampouco pude ler o seu livro. Tampouco houve a reunião da curadoria de Boaventura para que eu pegasse os exemplares para você. Ana, você avó full time. Eu, talvez cuidadora da dor full time. Só pude escrever no computador coisas rápidas sem maiores implicações minhas enquanto Niltinho dormia no sofá. Agora levei-o para o quarto de Rafa. É que o avô dele morreu sexta-feira em Areia Branca. Eu só fiquei sabendo hoje de manhã cedo quando ele me ligou dizendo que estava no ônibus a caminho de Salvador. Chegou aqui em casa arrasado. Não contava com ter que voltar a Areia Branca local onde tinha uma casa de passeio com Boaventura tão cedo. Sempre imaginava que iria sofrer muito e não deu outra. A casa foi construída pelos dois com muito carinho e zelo. Boinha gostava muito de lá onde decorou a casa com muito gosto. Enquanto esteve doente não querendo se tratar (talvez quisesse mesmo morrer logo) pedia insistentemente a Nilton para ir para lá. Niltinho, muito sensatamente, se recusou, argumentando que Boinha precisava se tratar e em Areia Branca (um povoado) não tem recursos nem funciona plano de saúde. Niltinho sente culpa por não ter feito a vontade do amado. Diz que pensou em não ir ao enterro do avô, mas não quis repetir com o pai a "desfeitxa" que fez a ele não comparecendo ao funeral de Boinha nem lhe fazendo sequer um telefonema. Me disse chorando : "Marcinha, eu sou uma bichinha dismunhecada mas queria dar um abraço em meu pai e mostrar a ele como a gente trata alguém que perdeu um ente querido". Está muito preocupado com a avó que está muito deprimida. Niltinho não suportou ver a casa, ouvir os comentários maldosos daqueles que perguntaram se ele ficou rico com a herança, etc, etc. Então, como fez Boaventura muitas vezes, embriagou-se e entrou no ônibus com uma lata de cerveja na mão desacatando o motorista. Fiquei muito preocupada com essa repetição identificatória. Enfim, passei o dia todo com ele, alimentei-o, levei-o para dormir no sofá, essas coisas. Ele chorou muito. Mesmo porque o álcool é depressor quando se está fazendo uso de ansiolítico. É isso, meus amigos. Estou tendo a oportunidade de conhecer uma pessoa muito bonita e muito especial. Coisas da vida. Um beijo pra vocês. Boa semana. 
                                                                                                                                    Marcia.

Nenhum comentário:

Postar um comentário