segunda-feira, 29 de agosto de 2016


MENSAGEM  À  COLEGA  PSICANALISTA  LEILA  MAIA, mais ou menos em maio/2016, NUM  MOMENTO  DE  EFERVESCÊNCIA  POLÍTICA  QUANTO  AO  PROCESSO  DE  IMPEACHMENT  DE  DILMA, EM  QUE  A ELOGIO  POR  SEU  POSICIONAMENTO  CORAJOSO  COMO  COMPANHEIRA,  E  COMENTO  SOBRE  UM  LIVRO  DE  OLIVAL  FREIRE  JÚNIOR  E  SOBRE  A  SUA  FALA  NA  LETRA  FREUDIANA- Salvador- SOBRE  CIÊNCIA  NA  CONTEMPORANEIDADE  PARA  SUBSIDIAR  UMA  DISCUSSÃO  SOBRE  PSICANÁLISE  E  CIÊNCIA.


Oi, Lelê,

Primeiro parabéns pela sua mais uma vez dedicada, generosa e bem sucedida pesquisa internética. Valeu!!! Não fosse o meu comprometido QI para essas coisas, eu lhe pediria umas aulas. Em segundo lugar, este seu maravilhoso achado, não é o livro de Olival. É um livro de Olival, também. Na verdade é um livro de vários muito bons autores, e Olival contribui, se não me engano, com dois capítulos. É todo ele sobre Física Quântica, contemplando aspectos epistemológicos que creio, interessam a todos nós do grupo de quarta-feira já que estamos lendo e discutindo "A Ciência e a Verdade". Os capítulos escritos por Olival, foram a sementinha para o livro que ele escreveu sozinho e  publicou no ano passado e defendeu como tese para concurso para professor titular da Ufba. O livro foi escrito e editado nos Estados Unidos, e por isso, está ainda em Inglês, não tendo sido traduzido por enquanto.O livro chama-se "The Quantum Dissidents. Rebuilding the Foundations of Quantum Mechanics (1950-1990)".

Desculpe ter demorado a responder. É, acho que você sabe, que eu sou muito CDF (talvez até demais para muitos gostos) e implicada com as coisas com as quais estou envolvida. Então, para lhe responder com critério, praticamente passei a tarde toda de hoje lendo o livro que você achou na internet. Você, livremente, poderia ter enviado o livro para o pessoal. Numa boa, sem precisar me consultar. Mas fico muito agradecida por você perguntar o que eu acho de você mandar para todo o grupo. Gentil e respeitoso. Gentileza e respeito hoje em dia estão ficando raros, particularmente com pessoas (parabéns  a você que teve a clareza e a coragem de se posicionar contra o GOLPE, compreendendo que o que estava em jogo era algo muito maior do que apoiar ou não Dilma e o PT) como eu,  que sem medo de mostrar a cara e mesmo de angariar antipatias (ganhei muitas e caras simpatias) me posicionei publicamente contra o GOLPE, mandei muitas mensagens que julgava esclarecedoras para muitas pessoas, inclusive colegas psicanalistas defensores dos interesses das elites, e, de certa forma, fiquei à frente do movimento dos psicanalistas em torno do manifesto.

Assim, como na psicanálise,que fico muito à vontade, para arcar com o preço caro que custa ter me autorizado depois dos 50 anos, sou muito fiel às causas que defendo com muita coragem. Suporto com toda tranquilidade, colegas me virando a cara ou interagindo comigo com uma certa má vontade. Como em 64, é tempo de caça às bruxas. Parece que no governo Temer está sendo criado um órgão análogo ao SNI da ditadura na sua função repressora de total desrespeito aos direitos humanos. Me consola muito reconhecer nas penas de Freud e Lacan, pensamentos e posturas éticas solidárias com aqueles que se posicionam contra o avanço do Capital e contra a "Excomunhão" dos que se atrevem a portar um discurso inovador. (Ver, entre mil outras coisas, o "Discurso do Capitalista" em Lacan. Ver também o "Discurso do aviciado" em Aurélio Souza.--- fenômeno mais contemporâneo de pessoas que abrem mão da sua condição de sujeitos desejantes, para mergulharem num gozo desenfreado e danoso do objeto, que em geral , pode ser comprado, sendo consumido como mercadoria). 

Quanto ao livro que você encontrou, Lelê, acho que para fazer uma leitura linear tentando compreender cartesianamente (cada vez encontro mais psicanalistas que concordam comigo quanto ao fato de a psicanálise no seu surgimento ser tributária a Descartes, sem que isso implique em Lacan ter influências cartesianas no seu pensamento. Muito pelo contrário. Descartes é mecanicista e Lacan é dialético---Hegel) o conteúdo do livro, só mesmo Zé Fernando (não esqueça de enviar para ele e aproveite para convidá-lo) para encarar essa empreitada. Para nós, que não somos da área da Física e similares, considero o livro muito difícil. Cheguei a ficar com a cabeça pesada.

Mas, como não sou cartesiana, acredito que todos nós podemos nos beneficiar do livro, fazendo uma leitura mais dialética. Se, ao invés de aprender, nos contentarmos em apreender. O livro é muitíssimo interessante. Importante deixar claro que no dia 18 Olival não vai falar sobre Física Quântica. Vai falar sobre a Ciência e seu desenvolvimento pós ciência moderna positivista ( neutralidade do experimentador, replicabilidade da experiência, validação do fenômeno mediante concordância de observadores, evidência empírca- pela via dos sentidos do observador--, objetividade- fatos ao invés de construções e representações, etc) cujo surgimento se deve ao cogito cartesiano.

 Creio que é a essa ciência que Lacan faz menção em "A Ciência e a Verdade". Então para que darmos uma olhada no livro? O livro aborda a Física Quântica também nas suas implicações epistemológicas. Isto é, a Física Quântica, enquanto conhecimento produzido, tem que consequências para o entendimento do que é a ciência hoje? Certamente é muitíssimo diferente do que foi concebido nos séculos XVII, XVIII, XIX e até talvez XX. Uma das coisas que o livro contempla falando da Física Quântica, é o que eu tentei falar na quarta passada a propósito do que Lacan diz a respeito da interferência do experimentador-- não neutralidade--- na experiência do condicionamento pavloviano (ver isto no Seminário XV). Sobre isso, há no livro que você encontrou, uma discussão do famoso experimento da dupla fenda. O livro trata fartamente das questões da objetividade, neutralidade do experimentador, "realismo  X construções", etc, etc. Recomendo que vocês não leiam somente os capítulos escritos por Olival.

E aí, resta-nos a questão que parece ter aparecido nas conversas de quarta: e então, sob o critérios da ciência contemporânea sob os quais se constrói a Física Quântica, será que podemos considerar então a psicanálise como ciência?  Aurélio Souza (vejam o livro dos "Discursos" onde ele menciona a Física Quântica) diz que não, por uma questão relativa à relação com o Real. Não da realidade, mas dos três registros--Real, Simbólico e Imaginário. Isso é o que Aurélio pensa. E nós, o que pensamos? Como a fala de Olival, poderá convocar-nos para essa reflexão? E para muitas outras?

Lelê, adorei esse papo. Peço, se for confortável para você, que ao encaminhar o livro para o grupo de quarta, encaminhe também essa minha mensagem na ÍNTEGRA para todos. Pode ser uma contribuição para instigar a curiosidade pelo livro, e para motivar o pessoal a comparecer no dia 18. Obrigada por sua generosidade e delicadeza.Desculpe a demora da resposta.
                                                                                                                 Um beijo, 
                                                                                                           Marcia Myriam.

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