quinta-feira, 1 de setembro de 2016

 CONDOR lências.

MENSAGEM  ENVIADA  A  VIRGÍLIO BASTOS, PROFESSOR  TITULAR  DO INSTITUTO  DE PSICOLOGIA  DA  UFBA, PESQUISADOR  NO  NÍVEL  MAIS  ELEVADO DO CNPq , MEU AMIGO, JUNTO  COM  SUA  ESPOSA  ANA  CECÍLIA  BASTOS, POETA, TAMBÉM PROFESSORA UNIVERSITÁRIA  E  PRINCIPALMENTE, MINHA  MELHOR  AMIGA, AMBOS COMPANHEIROS  CORAJOSOS  NA LUTA  CONTRA  O  GOLPE  E  EM DEFESA  DA  DEMOCRACIA. A MENSAGEM  FOI  ENVIADA  TAMBÉM  A  AMIGAS (OS), COLEGAS PSICANALISTAS  E PRINCIPALMENTE  A  COMPANHEIROS  DE LUTA, NO TRÁGICO  DIA  31/08/2016, ONDE UM GOLPE  ATERRORIZANTE  FOI DESFERIDO  CONTRA  A  NOSSA  DEMOCRACIA, COM A ARBITRÁRIA  DESTITUIÇÃO  DA  NOSSA  PRESIDENTA  DILMA DO  SEU  CARGO.

Virgílio, querido amigo,

Como você pode imaginar sem estranhar, não consigo ficar sem chorar nesse dramático para nós, dia de hoje. Nós dois sempre fomos um tanto afeitos às lágrimas. Eu, sendo mulher, talvez mais um pouco. Afeita também a ritos e a caminhar pelas vias do que podemos tornar simbólicos, mesmo sob proibição médica de me locomover esta semana senão para ir ao consultório ( você sabe que fraturei o dedo mínimo do pé esquerdo), fui ontem na companhia solidária de Jovita (minha auxiliar doméstica) ao Cemitério do Campo Santo. Precisava pagar à humilde senhora que cuida da sepultura de meu pai, tinha que fazer o orçamento de uma lápide para um amigo falecido em dezembro passado. Mas principalmente, sabendo do que viria a ser o triste dia de hoje, fui em busca de localizar a sepultura de Virgínia, minha companheira de militância na VPR, cruelmente assassinada com 17 anos pela ditadura militar por volta de 1968, como você sabe. Fui homenageá-la, fui dizer algumas coisas a mim mesma, fazendo de conta que dizia a ela. Não acredito em vida após a morte, mas, de certa forma dizia a ela, à sua memória, ao belo legado político que nos deixou, nós que pudemos usufruir os frutos da sua luta incansável e que não foi vã, contra a ditadura e pela DEMOCRACIA.

Hoje, 31/08/2016, data funesta, em que a nossa presidenta Dilma, como já sabíamos, foi perversamente retirada do seu lugar de, independente dos equívocos que possa ter cometido, defensora do nosso sofrido povo brasileiro, uma mulher corajosa, ética, competente e de uma resistência psíquica invejável e até arriscaria, inexplicável, diante de tudo que sofreu da ditadura de 64, diante do que há nove meses vem sofrendo dos setores reacionários e covardemente vendidos aos interesses da classe dominante e daqueles que incensam e aspiram ao poder por vias irregulares, oportunistas, desqualificadoras do direito de que a DEMOCRACIA se exerça de fato.

 Nove meses. Tempo de uma gestação. O que será das crianças brasileiras gestadas nesse período de arbítrio? O que será das crianças brasileiras que estão vindo à luz nesta data de hoje? A esse propósito, não me esqueço que no dia 6 de maio passado, dia em que nasceu o meu querido Freud, nasceu também sua netinha Maria Júlia. Chegada aos ritos, fui ao hospital visitar Maria Júlia e chorando (pra variar) prometi falando baixinho a ela, que jamais deixaria de lutar para que ela e todas as crianças brasileiras, pudessem por direito usufruir de um Brasil com igualdade de oportunidades para todos.

 Falando em igualdade, não quero nem de longe que paire aqui o mal entendido de que eu estaria subestimando a singularidade de cada sujeito, ou estaria desqualificando a diversidade. Muito longe disso. Muito pelo contrário. Tanto quanto você, sei, que a singularidade é construída na cultura, no mundo da linguagem, como acredito, que se institui quando se deseja ter uma criança, antes mesmo de ser concebida. Poderá tornar-se um sujeito desejante, assenhorada de sua singularidade, uma criança vinda ao mundo e criada sob condições de vida miseráveis, insuportavelmente traumáticas? Uma criança que talvez nem possa ser inscrita no campo simbólico, porque seus pais não podem ou não têm informação suficiente para saber da importância de registrá-la num cartório, ou que a nomeiam, de algo como "Um, Dois, Três, de Oliveira Quatro"? Uma criança que não foi desejada por seus cuidadores, porque cuidar lhes causa dores da sobrecarga da árdua labuta pela sobrevivência? Etc, etc, etc, que todos sabem fartamente mesmo sem querer saber.

Sinto-me hoje com a tristeza de alguém que perde um ente querido. Que há algum tempo vinha agonizando, estava desenganado. E, ainda assim, tudo que queríamos é que essa pessoa querida tivesse sobrevivido. Particularmente tendo sido ela o esteio, o ponto de sustentação de uma família que muito ainda precisava para andar com as próprias pernas. Não sei se o ente querido seria Dilma ou a Democracia. Acho que ambas. Uma personificando a outra. O GOLPE desferido contra Dilma é uma espécie de sentença de morte da nossa tão duramente reconquistada DEMOCRACIA.

 Talvez a analogia seja um pouco forçada, mas o que quero dizer é que sabíamos que nem Dilma nem a Democracia seriam poupadas. Ainda assim não deixamos de lutar. Recebi diariamente seus textos tão esclarecidos, e muitos deles repassei aos companheiros de luta. Num afã um tanto passional e certamente ineficaz de me manter defendendo um governo legitimamente eleito pelo povo, lutando contra o GOLPE e fora Temer, julgando ingenuamente que algumas pessoas estudiosas e capazes se posicionavam à direita talvez por falta de informação ou somente pelas notícias mentirosas veiculadas pela mídia vendida, incorri no que hoje me parece um equívoco, de ter veiculado o material enviado por você e outros companheiros ou mesmo textos meus que não temo divulgar no meu blog ( blablablazista.blogspot.com.br)  para aquelas pessoas, que persistem em me ver mal, muitas vezes me excluindo, confirmando assim, que para elas o livre pensar é só livre, se pensamos como elas.

 Do contrário, somos retaliados ao expressarmos claramente as nossas posições. Até  o discurso de que há lugares apropriados para se falar da política e da conjuntura nacional e que não é bem visto falarmos dessas coisas em ambientes de trabalho, se instituiu como um acordo tácito aceito por quase todos. Era a DEMOCRACIA agonizando. E o que é pior: o que na ditadura de 64 nos era imposto pela dura repressão, hoje, em alguns setores, talvez sem perceber, nós mesmos nos impomos. Muito, muito triste. Ao meu ver, modestamente. Em algumas circunstâncias ficou claramente instituído que se por acaso você aparece usando um botton  FORA  TEMER, ninguém vai até você e democraticamente diz que não concorda, por que não concorda e como pensa. Você pode ser tratado como um inimigo, a quem se ignora respondendo com silêncio, fadado a ficar de fora, não merecer participar do grupo dos eleitos. É o chamado "narcisismo das pequenas diferenças".

O que importa, querido Virgílio, é que continuamos lutando. Fomos juntos a algumas manifestações. As nossas diferenças pessoais, questões quanto às nossas crenças a respeito do conhecimento, da ciência, da psicanálise, se tornaram de muito menor importância. A luta contra o GOLPE nos reaproximou e muito. Tanto que hoje em meio à dor, escolho escrever a você, para pedir colo, para oferecer colo, para lhe assegurar que estamos juntos com milhares de outros companheiros. A LUTA  CONTINUA. O exemplo de Dilma e a DEMOCRACIA são como Fênix. Renascem das cinzas. Estou triste mas não penso em nos dar condolências. Porque a imagem que me vem e recorrentemente, é daquela manifestação com 100.000 pessoas ocupando a Praça Castro Alves e dizendo:"NÃO  VAI  TER  GOLPE!!". O que me vem é que "A Praça Castro Alves é do Povo, como o céu é do CONDOR."  Com dor e, principalmente, CONDOR, aquele pássaro, arauto da liberdade.

Só pra você ter ideia de como o espírito democrático se enraíza e se dissemina saibamos ou não, queiramos ou não, ontem, dia 30 , terça-feira, assisti a um Fórum de Psicanálise em que Cristina Ferraz, a palestrante, e Aurélio Souza, o debatedor, talvez sem saberem, tiveram gestos de quem prenuncia e protesta contra  o nefasto 31 de agosto. Contrariando o que costuma acontecer, ao invés de sentarem na mesa que fica ao alto em relação à posição da platéia que assiste abaixo, eles, cada um pegou uma cadeira e sentou nivelado com a platéia, de "igual, para e igual". Ela, ao contrário do que costuma acontecer, não leu formalmente nenhum trabalho. Apenas, "de igual para igual", bateu um papo. Ele, também. Parabéns, a Cristina e Aurélio!!  São somente coisas como essas  o que chamamos DEMOCRACIA.  Não precisa ter nenhum comunista comendo criancinha. No Brasil, o que parece comer criancinha, ainda é a fome. Principalmente quando TEMER que há pouco apareceu na televisão já fazendo ameaças a quem usar a palavra GOLPE, acabar com programas como o "Bolsa Família".

Dedico este texto, por ser uma invenção minha, mesmo que seja "chinfrim", mas não comprável na loja como uma mercadoria, aos queridos amigos, queridíssimos, que fazem aniversário hoje: Sérgio e Fátima. Companheiros incansáveis em defesa da DEMOCRACIA. Eu proponho celebrar. Por que não?  Estamos tristes, com dor, esse é um lado da história. Mas é aniversário. Fiquemos alegres, CONDOR, esse é o outro lado da "Hystória". Que tal fazermos coexistirem ambos os lados? Coexistência dos contrários, motor de toda transformação. Na verdade, não tem direito, nem avesso. Não tem dois lados. O que tem mesmo, como diria Caetano, provavelmente à luz do materialismo dialético (ou da topologia?) é "o avesso do avesso do avesso do avesso". Pronto. Parei de chorar. 

Virgílio, querido amigo, vou tomar a liberdade de compartilhar essa mensagem com um monte de amigas (os) e/ou companheiros na luta política.
                                                                                                                                  Um beijo,
                                                                                                                              Marcia Myriam.

Nenhum comentário:

Postar um comentário