domingo, 4 de setembro de 2016


Subject: "Blá,blá,blá domingueiro..." e... Sem pé nem cabeça?
Date: Sat, 20 Aug 2016 20:34:26 +0000


Olá, amigas (os), colegas psicólogas (os) e psicanalistas, meus queridos leitores,

Amanhã, domingo, não haverá  "Blá,blá,blá....", o que chamo de crônica domingueira. Num acidente sem importância, fraturei o dedo menor do pé esquerdo. Muitos de vocês sabem que sou canhota. Talvez que sou canhota literalmente, não muitos saibam. Mas que sempre preferi andar pelas esquerdas, quem há de não saber?  A propósito, o dia 25 se aproxima e a mim, tudo parece um tanto plúmbeo, apesar das alegrias pessoais em tom de rosa. Quem preferir, pink, rose.

 Estou medicada e imobilizada por três semanas. Embora estabilizada e sem uso de insulina há já um ano, sou diabética. Isso requer especial cuidado com os membros inferiores. Por isso o ortopedista autorizou somente a ida ao consultório e, de resto, repousar. Mas é claro, por enquanto, vou desobedecer. Tenho muita coisa pessoal e profissional para fazer.

No entanto vou pelo menos repousar um pouco no fim de semana. Descansando, mas carregando pedra. Vou aproveitar para ler, estudar. Evitarei coisas que me deixem com o pé para baixo, a exemplo de sentar ao computador, para não ficar com puta dor.

Um tanto sem pé, mas a cabeça no lugar. Passou a onda de ressentimento. Também a dor de perder amizades, afetos, encontros, possibilidades. Afinal essas coisas se refazem com o tempo. Tenho feito valiosos novos amigos. Carinho especial por Vânia, minha colega no Moebius cujo pai, brilhante escritor, Senhor Nilton Ribeiro Coutinho, com 85 anos, publicou um excelente dicionário de palavras oriundas de línguas que mais contribuíram para a formação da língua portuguesa falada no Brasil ( africanas, árabe, espanhola, francesa, inglesa, italiana e tupi). O livro é um tesouro. Vânia está interessada em doar um bom número de volumes, se possível, numa espécie de evento em que se possa celebrar a obra de seu pai (por exemplo, em uma biblioteca, instituição, universidade, etc). Se alguém se interessar, pode falar comigo ou me escrever. Com prazer, enviarei um volume para ser examinado.

Voltando à cabeça no lugar, acabei por concluir que mesmo não autorizada, a pessoa que me chamou de "sincericida" tem toda razão. As coisas quando doem muito na gente, vocês sabem, em geral é porque mexeram num ponto fundamental. Tenho pensado muito ultimamente nos ganhos e perdas implicados no muito me expor, como costumo fazer. Particularmente expor meus próprios defeitos, buracos, tendendo a confidências muito "transparentes" . Eu, quando elejo alguém como confiável, mostro até as vísceras. Isso é uma insuportável idealização do outro. Na verdade, além de eu mesma, ninguém merece.Tudo bem que temos que assumir que somos todos castrados. Mas também não precisa ficar expondo a própria castração de bandeja para todo mundo ver. Se não, lhe jogam pedra. É natural que os homens tenham um certo "horror" à castração em si e no outro. Particularmente na outra.

 Afinal de contas, quem aguenta ouvir confidências de imperfeições (incompletude, defeito, dificuldade, etc) , particularmente na chamada por Lacan "comédia dos sexos", encontro entre homem e mulher? A mulher, para se fazer desejar pelo homem, precisa sim, fazer um certo semblant, fingir ser o falo, ainda que saiba que não o é. Por isso se enfeita, usa maquiagem, bijouteria, etc. Ela só pode ser amada pelo que não é. "Amar é dar o que não se tem àquele que não é".

  Assim como acaba, sim, sendo cruel, se ficar apontando a castração do outro ou da outra, só para ser sincero. É preciso achar um meio termo. Fazer um certo encobrimento, revestimento. Não deve ser à toa que atualmente estou com "mania" de usar écharpes. Obrigada, querida amiga Celinha, pelo presente de aniversário, tão feminino. Tanto quanto você. Quanto eu.

No livro que recebi e que ao final, tanto me desagradou por eu estar supondo ter sido escolhido ou indicado por alguém que não me conhece (volto a dizer que mesmo na ficção, não me reconheço como alguém "Tão viril quanto o homem mais macho. Uma mulher que nunca se vergava"), além das bem pensadas questões sobre o amor, que, se não me engano, mencionei no domingo passado ou antepassado, há também algo muito sábio para ser pensado por alguém que incorre em "sincericídio" : "há mentiras que resgatam e há verdades que escravizam." Afinal quem de nós não sabe que a verdade é não toda e tem estrutura de ficção?

De modo que agradeço a quem, ainda que inoportunamente, e talvez sem perceber(os apaixonados ficam encegueirados pelas palavras de seus objetos de amor), cometendo também um "sincericídio", me chamou de "sincericida". Com isso, não quero de modo algum dizer que pretendo me tornar uma mentirosa de carteirinha. Não é bem por aí que as coisas caminham. Fazer semblant não é de modo algum, mentir. Vai mais pela via do jogo de cintura, de um certo saber dizer revelando sem deixar de esconder, ou melhor, escondendo, sem deixar de revelar.

 Assim, como não posso abrir mão de dizer, que tanto a mulher quanto o homem que, estando enquanto tal, diante um do outro, precisa recorrer a evocar a presença ou palavra de um terceiro ou terceira entre os dois, não sei não. Só cada um sabe de si. Eu, por minha vez, sei que quando faço isso estou me cagando de medo do meu próprio desejo. Mas chega de interpretosas. Afinal, fora da análise em intensão (consultório, clínica, divã, etc e tal) isso, além de comprometer o necessário rigor é um tanto abusivo. Exercício de poder. Abuso de poder, querer ter a última palavra, fica melhor para "mulher macho". Essa não sou eu. 

Então, vou cuidar do pé à cabeça, querendo ficar um pouco sem pé nem cabeça, mergulhando nos contos de Clarice. Alguém melhor do que ela poderia responder a Freud, "O que quer uma mulher?". Feliz Aniversário a Jéssica, minha nora. Bom fim de semana a todos.
                                                                                                     Marcia Myriam.
                                                                                                                

Nenhum comentário:

Postar um comentário