domingo, 4 de setembro de 2016


Subject: "Blá, blá, blá domingueiro..."e..."Meditabunda"
Date: Sun, 14 Aug 2016 07:02:34 +0000


14/08/2016                                               MEDITABUNDA

Tentarei ser breve e leve. Afinal, não quero tomar seu tempo, nem quero tomar meu tempo. Afinal, fui capaz de perder mais de 50 quilos.À medida que fui me assenhorando do direito de me deixar desejar por homens interessantes, ainda que com "perrengues", atropelos, birras e outros dispositivos de sabotagem a mim e ao outro, deixei de ganhar peso quando como. Como muito menos do que já comi um dia, mas mesmo fazendo algumas transgressões como fiz hoje, comendo um pouco além da conta incluindo sobremesa, definitivamente não engordo. Tanto quanto minha taxa glicêmica não sobe mais mesmo quando como 4 brigadeiros no mesmo dia.

 É como se ficar gorda perdesse a função de escamotear o desejo. Isso, para quem, como eu, acredita nessas coisas de proezas da cadeia borromeana. Não que eu esteja uma beldade de elegância. Por conta de grave problema na coluna enquanto ia emagrecendo, não pude fazer atividade física. O problema na coluna também vai bem obrigada. Mas não fico exatamente feliz quando vejo a flacidez, a perda de músculos, até mesmo a pele enrugada. A gente não pode ter tudo de uma só vez. Apostar é também arcar com perdas. O que importa é que estou leve, sou leve. E muita gente me aguenta. Particularmente sabendo que continuo macia. Literalmente. Tenho uma pele macia, hidratada.

A propósito de macia, deixe que eu logo justifique o título. Nunca fui uma mulher de alegria efusiva. Tenho senso de humor, gosto muito de brincar com palavras, valorizo um brincadeira que seja inteligente e afetuosa, mas alegre, mesmo alegre, nunca fui. Gosto de ser assim. É uma questão de arcar com a parte que me cabe de minha própria "hystória". Com a "hystória" que tenho e pela qual sei que tenho que me responsabilizar, se eu fosse alegre, dessas alegres todo o tempo, seria uma desequilibrada, recorrendo ao que se chama defesa maníaca. Aquilo tipo "eu não quero saber nada disso, ainda...". Eu quero saber. Faço questão de saber. E nem sempre o que fico sabendo é bonito, é alegre. Particularmente a respeito de mim mesma. 

Pois bem. Tive um namorado escritor quando ainda era bem adolescente, que foi quem primeiro observou que meu nome não tendo acento, ao invés de soar Mácia ( a gente aqui na Bahia tende a omitir a letra "r") soa Macia. Aí, muito lisonjeiro e sedutor, assim ele passou a me chamar. Nunca me esqueci disso. Esse mesmo namorado, quando me via reflexiva como fico muitas vezes, ou mesmo triste, me perguntava querendo fazer graça: "Está meditabunda,  meu bem?" Dizia ele que a palavra que de outra parecida só conheço "nauseabunda" estava em Guimarães Rosa. Se estava ou não estava, não sei. O fato é que tenho estado meditabunda. Não estou infeliz, porque ando em geral, muito satisfeita comigo mesma. Mas estou triste, sinto pesar, talvez um certo luto. Ainda bem. Muito ruim seria se eu continuasse raivosa, quase destrutiva, como me apresentei no domingo passado numa crônica domingueira intitulada "Sincericídio".

Por que fiquei raivosa domingo passado, senão mesmo destrutiva? Várias coisas se juntaram num caleidoscópio sombrio. Primeiro julguei perceber no outro a incumbência de me recusar alguma coisa, na verdade, na minha leitura  (sempre a gente conta somente com a leitura que faz do outro, particularmente quando se desilude de poder ter com aquele outro uma interlocução "sincera". De repente a leitura está totalmente equivocada. Fazer o que? A gente só pode dar conta do que a gente mesmo diz, faz, pensa, age, inclusive as cagadas. O que vem do outro, só cabe ao outro. Isso quando o outro não está muito ocupado com seus outros importantes investimentos objetais. Se estiver muito ocupado, melhor você desistir e tentar investir em outra coisa), me excluir de algo cuja inclusão já me havia sido sinalizada como possível.

 Tudo bem. Acontece com as melhores famílias de Londres. A gente não é o centro do mundo. É perfeitamente suportável. Isso, se dito com todas as letras, claramente, explícito e sem perder a ternura, perfeitamente assimilável. Mas dito com semi-dizeres, mensagens um tanto recobertas de uma certa covardia (também pode ser timidez, reserva. Também pode ser qualquer coisa. A questão é a leitura) como quem não quer nada, ao tempo em que "gato escondido de rabo de fora", deixa claramente perceptível que foi solicitado, senão exigido a fazer isso, ah, a depender da pessoa, isso me causa um desapontamento, uma decepção, quiçá uma "decepação" conforme foi dito por um paciente. Importante observar que tomo cuidado para que meus pacientes não leiam meus escritos.

Logo em seguida houve por parte do outro um lapso que me deixou perceber que algo aconteceu não exatamente conforme me foi dito anteriormente. Tudo bem. Acontece com as melhores famílias de Londres. Claro!! Mas quando vem de um mesmo outro, aí aos pouquinhos começa a haver um acúmulo de desapontamentos. Na mesma noite, desculpem o palavrão, é meio foda. Mas tudo bem, vai-se levando. Mas quando vem do mesmo outro o seguinte comentário : "Fiquei perplexo ao saber que uma mulher que fazia parte do movimento LGBT vai se casar com um homem." Convenhamos!!  Eu, quando fico seriamente chocada com alguma coisa, viro bomba de efeito retardado. Não digo nada. Ou faço um comentário frívolo. A dor vem bem depois. Uma pessoa a quem você considerava em alta conta, cometer uma falta de sensibilidade dessa, se a conta era alta a ponto de você fazer confidências, pelo menos a mim, que um amigo em São Paulo chamava poeticamente "nervos à pele de flor", dói muito. Dói muito.

Então, um dia homossexual, para sempre homossexual? Como pensam os burros, rasos, preconceituosos que não estudam, homossexualidade é um disposição talvez até patológica? Será genético? Isso, dito logo a alguém que se dedica a estudar a sexualidade? Isso dito logo a alguém com experiência de mais de 30 anos de estudos e trabalho apontando sempre para a constatação de que a posição sexuada  é efeito de uma complexa multideterminação de fatores relacionados ao funcionamento psíquico que nada têm a ver diretamente com gostar de pênis ou vagina? Que muito mais tem a ver com coisas de pai, de mãe, de possíveis identificações, de questões afetivas concernentes ao desejo que nada têm a ver diretamente com o desejo estritamente sexual no sentido da genitalidade? Isso, dito a alguém que sabe ser a posição sexuada no sentido da mais "definitiva" escolha de objeto, um trabalho custoso de construção da própria subjetividade, passível de oscilações, porque a rigor, para além da anatomia, ninguém nasce homem ou mulher, porque isso é construído pelo sujeito passando por muitas e às vezes penosas vicissitudes?

Confesso, pra mim fica difícil. Aí que ocorre a trágica pergunta: "Esse cara está sendo burro, insensível, ou está sendo sádico, perverso?". Aí começa a doer muito. E a gente, pra não desmontar, tipo assim, cair no choro ( como faz uma mulherzinha "mimada" pelo pai, que não sabe ser feminista, nem serve como figura de autoridade, ocupando cargos compatíveis, que precisa de um homem pra trocar lâmpada, pra ensinar a mexer em equipamentos, etc, etc, e ainda por cima, gosta de cozinhar ), recorre à raiva. Mas não acaba aí. O pior está por vir. Aí chega a hora da gente perguntar: "O que eu fiz de tão maldoso a esse cara, que nem mesmo ele sabe?". Como, graças a Deus, sou analisada de muitos anos, sei que muita maldade, por conta das minhas questões com a minha subjetividade, eu fiz a esse cara. Mas, se citá-las para ele, inadvertido, provavelmente dirá: "Ah, que nada!! Nem levei a sério. Você estava só brincando. Foi tão divertido!!!". "Eu não quero saber nada disso, ainda...." E provavelmente, nunca. Por isso, às vezes parece a melhor saída interromper a "comunicação".

Então vamos ao pior. Há algo pior do que uma questão que você vem tratando com dificuldade, que vem causando sofrimento, a exemplo de se expor muito, por, tendo um severo supereu, preferir ser muito sincera, sem saber fazer semblant, porque suporta mal pensar que está enganando o outro, ser rotulada de uma maneira violenta, usando para isso um vocabulário provindo de uma pessoa que não lhe conhece, que você não conhece, mas busca respeitar a privacidade, evitando qualquer investida curiosa ou indiscreta a seu respeito, pelo que representa para o outro? Você pode ser até às vezes, birrenta, mal criada, até mesmo indevidamente ciumenta. Pode até fazer muita cagada por conta de suas questões mal resolvidas, seus sintomas. Quem não os tem? Mas dizer a uma pessoa que ela comete "sincericídio", a mim, que dou muita importância às palavras, parece muito violento. Infelizmente, talvez muito infelizmente, acabo, querendo ou não, por ser uma psicanalista. Brincadeira costuma ser algo muito sério. Às vezes cruel. A palavra "sincericídio" remete a duas coisas muito graves: homicídio e suicídio. Não se acusa uma pessoa de "sincericídio" gratuitamente.

Tenho como princípio, mesmo quando sou muito agressiva como fui no último "Blá, blá, blá....", tanto quanto possível, evitar recorrer a rótulos. Usa´-los, acaba por implicar num apagamento do sujeito. Posso até dizer e frequentemente a alguém: "Você está sendo agressivo." Mas dificilmente direi: "você é um grosso." Posso, até com frequência, dizer : "você está sendo irônico". Mas dificilmente direi: "você é um cínico". Se tiver intimidade com um amigo, no intuito de ajudá-lo posso até dizer: "você parece estar sendo movido por impulsos destrutivos." Mas dificilmente direi: "Você é um homicida". Assim como posso dizer a alguém que penso que está se auto-destruindo. Dificilmente direi : "você é um suicida".

Me orgulho de na minha atividade clínica jamais ter usado rótulos como neurose, psicose, perversão, histeria, fobia, etc, para etiquetar meus pacientes. A mim, isso parece abusivo. Nada tem a ver com o atual rigor conceitual da psicanálise. Enfim, talvez não parecesse no momento, creio que tanto quanto possível, tentei disfarçar. Disfarçar acaba por ser o pior expediente. Acaba por nos fazer perversos. Mas fiquei muito desapontada e ferida. Ao fim e ao cabo,  na crônica domingueira acabei por destilar um veneno que não é muito a minha cara. Felizmente, me considero muito honesta e corajosa para me defrontar com minhas próprias imperfeições, reconhecê-las e tentar elaborá-las de forma melhor. Por isso, pude sair do ódio e entrar no luto.

Não me fugiu à observação que fiz os acadêmicos de bode expiatório. Não tenho dúvidas que faço algumas restrições ao discurso universitário enquanto discurso dominante. Mas nada tenho contra os acadêmicos, enquanto sujeitos. Apenas prefiro que meus escritos, com certeza amadorísticos, recebam opiniões das pessoas que elejo como meus amigos, que os avaliam enquanto pessoas que gostam de mim. Não estou minimamente interessada em tê-los avaliados ( por mais elogiosas que sejam as avaliações) por pessoas que não conheço, particularmente as que criam rótulos a exemplo de "sincericídio".

 Creio que muitos dos meus melhores amigos são acadêmicos. Meu filho, por quem sinto tanto orgulho, é um acadêmico brilhante e entusiasta da UFSB, universidade onde trabalha. Denise Coutinho é a acadêmica menos acadêmica que conheço. Mas é uma acadêmica e amiga querida. Eu já ensinei na Ufba como professora do Departamento de Psicologia e de lá tive que sair contra minha vontade. Sou muito corajosa e prefiro não ser complacente com minhas imperfeições. Me apavora funcionar como pessoas que só vêm em si boas intenções e que se algo inadequado fazem, foi sem querer, ou "brincando".

Admito que no domingo passado estava cheia de ódio para não desmontar.  Tendo uma questão mal resolvida com a minha saída da academia, posso, muito bem, ter sentido, no domingo passado, inveja dos acadêmicos, supondo terem eles alguma coisa que eu já não tenho. Felizmente me sinto uma pessoa melhor, não me iludindo quanto a possuir às vezes, tendências destrutivas, maldosas, invejosas, intrigueiras, etc. Isso é de todo sujeito falante. Quem tem coragem, as enxerga , não as camufla, menos ainda esconde de si mesmo. Procura se defrontar, fazendo o melhor com isso. Como já disse, estou saindo do ódio para o luto, a tristeza. Felizmente, Denise me mandou recentemente o famoso poema de E. Bishop sobre perda e uma versão dele, muito linda, de autoria de Bruno Tolentino, meu falecido amigo. É isso aí. Que viva a poesia de Bishop e de Bruno Tolentino.

Quero pedir desculpas a quem se sentiu ofendido ou mesmo injustiçado com a crônica do domingo passado. Quanto à violência que atribuo ao rótulo "sincericídio", não retiro. Mas admito haver sempre uma atenuante para os apaixonados. Ficam siderados por seu objeto de amor, perdem a visão crítica sobre ele, e tão afetados pelo o que ele faz ou diz ficam, que acabam por se tornar menos cuidadosos com os demais. Eu sei disso porque sou uma incorrigível apaixonada. A propósito, não estou namorando. Apenas tenho exercitado meus encantamentos por cavalheiros que têm feito por merecer a Macia que eu sei ser. Tentando, sem promiscuidade, acolher que a minha maciez pode sim, de fato, ser tocada, mesmo por cavalheiros admiráveis e brilhantes.

 De resto, a vida segue. Tenho aqui comigo neste fim de semana Rafael, meu amado filho adotivo e Jéssica, minha nora. Tomei coragem e pedi a eles que me deem um neto ou uma neta. Receberam bem o pedido. Eles gostam muito, muito mesmo, de mim. Rafa disse que estava com tanta vontade de vir, que não dormiu na noite da viagem de ansiedade boa. Cada vez fico mais apaixonada por esse casal. Eu e Rafa temos assuntos intermináveis para conversar. Particularmente sobre seu entusiasmo e muito trabalho na UFSB. Nos adoramos como interlocutores um do outro. Eles me elogiaram horrores por estar saudável, me cuidando, me maquiando, cuidando de ficar mais bonita. A aniversariante é Jéssica mas eu também ganhei vestido novo.

 Hoje fomos ao "De Veneta" no bairro do Santo Antônio. Comemos Maiçoba e Feijoada de Feijão Verde. Foi uma farra  maravilhosa. Fátima, querida amiga, falamos em você e senti saudades. Rafa e Jéssica experimentaram a Roska de tangerina. Te ligo com certeza no dia 31. Graças a você, já cancelei os canais da Sky que não faço uso. Rafa vai me ensinar a usar milhas do cartão de crédito e vai "tirar" um vírus que tem no meu computador. Jamais serei uma feminista. Fálica, nem pensar. Sinto uma enorme alegria maternal com a presença deles, que infelizmente, já voltam na segunda ao meio dia. Estão querendo me levar à Colômbia no fim do ano. Muita alegria, mas meditabunda. Será que a bunda medita? Só se for se perguntando: por que fiquei tão flácida?

A orquídea finalmente desfolhou e nada do gentil remetente se identificar. Comprei um lindo vaso de calêndula para enfeitar o quarto de Rafa e Jéssica. Como já disse, adoro nome de flor. Pra não ficar sem falar no querido amigo Machado, ele me ensinou que Miosótis vem do grego e quer dizer orelha de rato. O fato é que enrolo, enrolo, e não saio da autobiografia. Até a próxima.
                                                                                                                             Marcia Myriam. 

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