sábado, 3 de setembro de 2016


Subject: "Blá, blá, blá domingueiro..." e... Mintocó (2).
Date: Sun, 17 Jul 2016 04:00:30 +0000


Continuando os preâmbulos (será que nunca vou chegar aos finalmentes e dizer de Mintocó?)....parece que muita mulher é chegada às preliminares. Será para melhor lubrificar? Conheço gente que lubrifica só de ouvir a voz. Conheço gente que lubrifica só de ouvir o discurso. Conheço gente que lubrifica só de ouvir um virar de maçaneta. Conheço gente que lubrifica só de ler a letra. Conheço gente que lubri fica.  Labri, lebri, libri, lobri, lubri.

 Uma vez me levaram a uma vidente, talvez de umbanda, banda me lembra a conversa de través, travessia, "quando você foi embora, fez-se noite em meu viver. Forte eu sou mas não tem jeito, hoje eu tenho que chorar, minha casa não é minha", não parece minha essa casa com desenho de criança emoldurado na parede, "regalo" recusado, porque, como diz o povo, "ninguém merece". Conversa de través de banda de Moébius. Banda, benda, binda, bonda, bunda. Bunda fora do lugar. Porque o lugar não me pertence. Já viram, o povo do interior, dizer "isso não lhe pertence", no sentido de dizer "não é da sua conta"? Pior, quando é da minha conta e não tem como pagar, senão com libra de carne. Muito frequente.

 Além de muito inteligente, minha empregada é sensível e tem senso de humor. Metaforiza que é uma beleza. Me perguntou há dias: "Tá chorando, por que Dona Marcia?" Eu lhe confidenciei: "Aconteceu isso." Ela disse: "Não disse à senhora que aquilo não ia prestar? Aposto que foi depois daquela conversa. Aquela conversa custou caro, não é? (Sorrindo) e do jeito que a senhora está sem dinheiro...." Com essa, até parei de chorar.

Tenho empregada (obrigada, querida Ana Cecília, minha melhor amiga e não por acaso, poeta. Sendo poeta, é muito distraída, mas ao invés de se DISTRAIR, no sentido do frívolo entretenimento, prefere EXTRAIR escritos do silêncio. E graças ao Deus que ela acredita, ouve meus escritos, talvez traídos pelo silêncio que muitas vezes não sei fazer, sem prestar a mínima atenção ao enredo, ao conteúdo. Denise, outra delicadeza na sensibilidade, também parece fazer assim. E tem mais. Me chama de "pró". Não por ter sido minha aluna na Ufba. E foi. Mas por eu não ser mais professora de ninguém na Ufba. Ainda bem que na Ufba tem Denise.), para me des trair. Usufruir da fidelidade. Nada de fidelidade da empregada à patroa, nos moldes que gostam algumas pessoas. É fidelidade ao que ouve. Também ao que houve. Cozinha que é uma lástima. Mas cuida da orquídea com a dedicação de quem sabe que ela tem que sobreviver, pelo menos até que o remetente apareça. E quando atende o telefone e o outro do outro lado, fica longamente mudo, ela diz: "Foi ele, Dona Marcia." "Ele, quem?" "O da frô. Pena que a senhora não tenha Bina."

 Devo ser uma paranoica de carteirinha. Porque fujo quilômetros de tudo que sugere perseguição. Deus, que eu não acredito, me livre de ficar vigiando quem me telefona, com esse tal de Bina. Me livre de entrar no Facebook para fiscalizar o que "não me pertence". De procurar saber o que não me é livremente dito. É claro, há sempre situações extremas, quando se trata da gente se proteger. Mas o que é de praxe, é achar muito feio se enveredar pela intimidade amorosa do outro, ainda mais em presença de desconhecidos. Às vezes, cometo alguns equívocos. Tipo pensar que eu e outro somos amigos o suficiente para tratar dessas coisas. Mas, sendo equívoco, bato em retirada. E estou fora, definitivamente.

 Deve ser por ossos do ofício. E não é que é do ofício, ficar chupando os ossos enquanto o outro come o peito do frango? É esse tal lugar de dejeto. Mas deixe lá, que ficar nesse lugar fora da "intenção", (o exercício da clínica psicanalítica se chama "análise em intenção" e diz-se na teoria, que num final de análise o analista fica em lugar de dejeto) manter-se merda do lado de cá fora, é meio masô, né não? Vai ver, que também de carteirinha, sou uma sádica.Aprendi com a cadeia borromeana que etimologicamente sádico tem a ver com sapo.

 No jardim da casa onde morei, que pertencia a minha avó, cabocla quase índia, que foi pegada a cachorro (caçada no mato por cães perdigueiros para ser trazida à cidade e casar com meu avô paterno), havia sapos coaxando e nos fazendo pensar com imaginação de criança, que eles com pontaria certeira lançariam um líquido venenoso nos nossos olhos e nos cegariam. Vai ver, havia algum desejo inconsciente de nada ver ("Isso não tem nada a ver. É pura imaginação sua ficar pensando que viu os enfermeiros do Juliano botarem camisa de força na sua tia Zezita. Isso não tem nada a ver"). Desejo inconsciente de quem? Quem contou que sapo cega? Eu nem precisei de sapo. Aos 5 anos de idade já usava 6 graus de miopia. Nada a ver. Não via, mas, ou, via?

Sim, mas em que pé ficou, a história da vidente da umbanda? É só pra rimar com lubri. Na ocasião, eu, aqui de férias, estava apaixonada por um homem em São Paulo, história de amor cheia de interdições como de Abelardo e Heloísa. Abel, ardo!! Hello, Isa!!  Estou só brincando com essa mania esquisita, um tanto esquize, de fraturar as palavras. Mas o verdadeiro nome dela, a que ficou com o peito de frango, era Matilde. Nome horroroso. De atenuante, somente, ser nome da filha de Freud. Então a vidente me disse que se eu quisesse saber se eu ficaria com ele, jogasse uma rosa "rubri" (aí está a rima com lubri) ao mar. Se a rosa não voltasse, era certo. Eu viveria na feliz cidade. A rosa jamais retornou. Quem retornou foi eu, de São Paulo a Salvador. Com puta dor, escrevi à mão, a "história de perdidos retornos."

Tenho aqui em casa uma amiga hospedada. Hóspede maravilhosa. Amiga? Nem se fala. Hoje vamos juntas visitar a sepultura do nosso amigo poeta Boaventura. Também é dia do aniversário de meu pai. Faria 87 anos. Com certeza, vou lhe colocar no túmulo várias rosas "rubri". Tanto quanto Boaventura, e de modo bem diverso, de verso, meu pai era afeito a paixões. Não por acaso, adorava rosas vermelhas. Vamos, de maneira simbólica, exercer nosso amor por pessoas queridas e idas, contra nossa vontade. Idas para onde? Para lugar algum, senão o lugar que ocuparam nesse mundo de linguagem. Será que o legado deixado por esses dois fala seres, (como falavam bem!!) transcende a morte? Só perguntando à cadeia borromeana o que disso pensa. Isso pensa. "Isso fala". Mas não vamos só visitar túmulos. Vamos ver "Julieta" de Almodóvar, sem Romeu. Será? Eu meio que duvido. Almodóvar é danado caído por um nome de propósito. Nem que seja por pura ironia. E vamos também almoçar no bairro de Santo Antônio. 

Pois é, a minha amiga hóspede, com seu celular possante, descobriu que a orquídea do misterioso remetente (que palavra libidinosa e reincidente!) se chama "chuva de ouro". Será que o ré metente, sabe da minha obsessão por nomes? E por nomes de flor? Penso logo em fogos de artifício. Coisa pra criança brincar em noite de São João. Lá se foi o erotismo. Ou esse ouro é pra rimar com touro? Ouro, tesouro, tesão, Teseu, labirinto, minotauro, Ariadne, Julio Cortázar.? Nada a ver. O que primeiro vem à cabeça com uma intervenção por demais contundente. Nada a ver. E onde ficaria a chuva? Prefiro o delicado erotismo da orquídea que não tinha nome. "Anônima", me parece um bonito nome de flor.

 "Minha flor minha flor minha flor. Minha prímula meu pelargônio meu gladíolo meu botão-de-ouro. Minha peônia. Minha cinerária minha calêndula minha boca-de-leão. Minha gérbera. Minha clívia. Meu cimbídio. Flor flor flor. Floramarílis. Floranêmona. Florazálea. Clematite minha. Catléia delfínio estrelítzia. Minha hotensegerânea. Ah, meu nenúfar. Rododentro e crisântemo e junquilho meus. Meu ciclâmen. Macieira-minha-do-japão. Calceolária minha. Daliabegônia minha. Forsitiaíris tuliparrosa minhas. Violeta... Amor-mais-que-perfeito. Minha urze. Meu cravo-pessoal-de-defunto. Minha corola sem cor e nome no chão de minha morte." (Declaração de Amor - Carlos Drummond de Andrade). Também poderia ter "Meu repolho".

Não quero dar aula de erotismo ao infeliz remetente. Pra rimar, só lhe digo, o que me disse uma vez um infeliz paciente: "Não posso continuar casado com uma mulher que quer ser emprenhada pelo ouvido." Vai ver, por isso, eu continuo solteira. Afinal, não por acaso eu sou Marcia sem acento. Como bem diz a letra, mesmo que tenha sido um lapso, m a  ma  c i   ci  a.

A Mintocó que inventei, me dói, me mói como à cana para fazer caldo com pastel de palmito no Largo de Pinheiros. Me dói, me mói, me rói como o rato às entranhas da dama e do pai do homem. Só digo que na minha criação o nome é um neologismo supostamente inventado pelo pai também de Telebrevindas. E de Doutor Bederodes, Especialista em Doenças de Cabras e Bodes. E de Sandreira de Oliveira Júnior. Esse último, menos criativo, machista e passando por complicadas questões tocantes às fórmulas da sexuação. Afinal, esse pai, segundo inventei, chegou na maternidade, abriu a fralda da criança, viu que era mulher e saiu dando as costas emputecido. Então, vamos deixar "queto". Por enquanto nos mantemos na tal da autobiografia. Afinal, ficção acaba por ser a resposta dos que têm coragem de arcar com a dor sem infligi-la ao outro. Não é qualquer um que suporta trocar 1959 por "Sagrada Família". E não venha a cadeia borromeana me dar pressa dizendo que o tempo passa. Porque borromeanamente o que passa é o que fica. Fica pra próxima.
                                                                                                                     Marcia Myriam Gomes.
                                                                                                    

Nenhum comentário:

Postar um comentário