domingo, 4 de setembro de 2016

"Blá, blá, blá domingueiro...." e...."Sincericídio"

07/08/2016   Olá, amigos queridos,

Hoje não pude escrever o "Blá, blá, blá domingueiro...." ficcional como prometi. Fica para a próxima. Gastei muito tempo tentando atualizar o meu blog, porque tomei a decisão de partilhar a crônica domingueira por E-mail, apenas com amigos próximos, pessoas que me conhecem  e POR SEREM PESSOAS QUE GOSTAM DE MIM, se interessam por minhas "garatujas literárias", que por enquanto têm importância, enquanto narrativas que dão uma certa conta da minha subjetividade. Aos demais leitores, estou disponibilizando a leitura do blog  blablablazista.blogspot.com.br , que por sinal, tendo também que estudar, não pude atualizar hoje, por completo. Está tudo ficando para a próxima. Menos a alegria de usufruir da companhia de pessoas de bela sensibilidade.

 Pensando no meu grande amigo e imenso poeta Carlos Machado, fico tentada a dizer que dispenso avaliações acadêmicas de meus escritos. A academia é um setor ao qual não pertenço, onde prevalecem critérios muito bons e muito válidos, para quem está lá dentro. Eu, já à essa altura da vida digo seguramente, que por escolha, trilho um caminho bem diverso. Acho muito interessante o discurso universitário, altamente relevante para a sociedade, mas há outras modalidades discursivas que dão bem melhor conta do meu modo de estar no mundo.

 Quando fico sabendo, que a despeito de quaisquer características pessoais e ideológicas criticáveis, sem dúvida, inclusive por mim, o maravilhoso poeta Bruno Tolentino, com quem passei agradáveis tardes escutando-o declamar Pessoa em inglês, foi desqualificado pelos acadêmicos, ponho minhas barbas de molho. Na minha avaliação de leiga, leiga muito sensível, a morte há alguns anos de Bruno foi uma perda para a literatura brasileira. Era um grande poeta. Um escritor com todas as letras.

 Sei que não sou escritora. Mesmo cuidando de incursionar pela ficção e de trabalhar o meu texto, muito longe estou disso. Me dou o direito de pedir aos acadêmicos que se possível evitem investidas um tanto voyeristas no que escrevo. Escrevo predominantemente para meus amigos. Agradeço muito a Raimunda Bedasee, que foi minha professora na pós-graduação do instituto de Letras da Ufba, pelos comentários elogiosos a meu texto. Mas aqui é um caso diferente. Raimunda foi minha professora numa disciplina que cursei como aluna especial, gostando muito da delicadeza com que trata o texto escrito por mulheres. Por isso, por minha vontade e por conhecê-la, faz parte da minha lista de E-mails. É uma pessoa das minhas relações, ainda que relações de trabalho.

 Há também a professora Antônia Herrera, que faz parte da minha lista de E-mails e de vez em quando envio meus escritos. Cheguei a cogitar de tê-la como orientadora, mas felizmente retrocedi a tempo,  em absoluto respeito, quase reverência mesmo, a Carlos Machado, no meu projeto de enveredar pelos caminhos literários da academia. Sábia decisão. Há também Sandro Ornellas que chegou a avaliar meu projeto de pesquisa e se disponibilizar a me orientar. Também retrocedi pelo mesmo motivo. Sandro e eu, por vários meses, mantivemos uma correspondência de trabalho. Ele também faz parte da minha lista de E-mails. São pessoas em particular. Não quero e longe estou de tomá-los como representantes da academia e me interessar por isso. 

Tenho muitas pendências e estou muito ocupada. Muita coisa para estudar, preparar um trabalho que na verdade deveria ter sido apresentado no ano passado, sobre "Estado Amoroso e Narcisismo". Sequer comecei a ler sobre isso.  "Amar é dar o que não se tem àquele que não é."( Jacques Lacan.). 

 Quanto à questão " àquele que não é ", há sobre o amor uma coisa meio por essa via num livro de José Eduardo Agualusa que tento ler, mas acho meio chato.Parece que quem escolheu o livro não me conhece. No mínimo não sabe o que é ser Marcia sem acento. Afinal de contas, acento pode acabar por ser uma coisa meio fálica. O livro trata sobre uma mulher "tão viril quanto o homem mais macho. Uma mulher que nunca se vergava;" Para ser o falo, ser mulher, é preciso renunciar a tê-lo, inclusive de maneira simbólica.

Por isso, eu prefiro me pensar como "macia", ainda que tenha meus momentos de braveza. Braveza honesta. Digo o que sinto. Sou avessa a ironias e ao ouvir sobre ela, botar de modo perverso, o dedo sobre a ferida do outro.Gosto de cuidar da ferida. Aliás, de certa forma, esse é meu ofício que exerço bem. Me orgulho de ser excelente ouvinte e não gostar de dar conselhos.

  A sensação que eu tenho é que por mim mesma, (sou muito sincera e isso às vezes pode ser interpretado como um homicídio.  Ou será suicídio?  Para não enganar o outro a gente se auto destrói? Será?) dei acesso a um outro a uma experiência absolutamente transitória da minha vida amorosa. Uma experiência tão pouco genuína que não se sustentou nem por um tempo mínimo. Cumpria apenas a função de tamponar um sintoma histérico. Esse sim, importante de ser cuidado com sensibilidade e delicadeza. Mas essas, quando estou mais triste como hoje, muito meditativa com o que pode fazer a linguagem de desencontro, tropeço, nas relações entre homem e mulher, às vezes fico a pensar, a gente só pode esperar de analistas ou poetas. Poetas verdadeiros. Infelizmente a interpretação feita pelo outro da minha experiência relatada,  parece ter sido a mais rasa e preconceituosa.

 Estou somente tentando devolver a porrada. Pelo menos, pela via identificatória, a personagem principal do livro de Agualusa  nada tem a ver comigo. Sou muito feminina, não me reconheço em discursos que elogiam mulheres poderosas que assim se posicionam no trabalho e na vida. Graças a Deus, eu jamais poderia ser chefe de nada. O lugar de analista pressupõe ser firme, rigorosa, mas numa posição feminina, onde exercer poder sobre o analisante é uma heresia, quase um crime.

 Na vida amorosa, acho uma delícia de vez em quando me vergar ao desejo do parceiro, adorando que ele tome iniciativas e me proteja. Não gosto de manejar ferramentas, trocar lâmpada, tomar providências burocráticas, chamar o bombeiro, etc. Como não tenho marido, felizmente a minha empregada não se recusa a fazer essas coisas para mim. E quando Rafa está aqui eu uso e abuso. Gosto de homem cavalheiro. Gosto também que ele tenha uma certa supremacia intelectual sobre mim, pelo menos em alguns aspectos, para que eu possa reverenciá-lo como mestre. Só assim, corro o risco de me apaixonar. Não estou nem aí para o que as feministas pensam disso, pedindo desculpas a Raimunda Bedasee, por quem tenho muito respeito.

Voltando à questão do amor e ao que pode ter de aproveitável no livro de Agualusa. Bonito nome. Sou fissurada por nomes. Todos vocês sabem. Como também sabem da importância dos nomes na psicanálise. Particularmente nomes próprios. A propósito de Agualusa, estou aqui pensando que recebi de uma amiga um link com receitas de sobremesas portuguesas. Estou louca para ter tempo para ver e experimentar, agora que não sou mais diabética. Tomara que lá tenha "ovos nevados". Adoro.

 Pois é, voltando ao livro. Lá tem assim: "Muito mais tarde, enquanto envelhecia, compreendi que o amor exige uma espécie de cegueira. Amamos não quem os nossos olhos enxergam, mas quem o nosso coração demanda. O ser amado é, quase sempre, uma invenção indulgente de quem ama". Fantástico, não é? Não foi à toa que Machado escreveu um livro chamado "Tesoura Cega", um certo tatear borgeano. Lacan, às vezes, acaba por não ter qualquer originalidade. Eu só não quero saber de ninguém que me invente uma mulher fálica. Ainda mais se for por uma mirada  de outra.

 Isso, é claro, não é para uma mulher, uma invenção indulgente. Portanto, nada tem a ver com o amor. Senão com uma disputa acirrada de ódio, que pode se traduzir em comentários maldosos, críticas mordazes "na brincadeira". Com isso, eu só tenho paciência com meus amigos homossexuais, porque os adoro, não os desejo e os compreendo. Muitos homens que se arvoram um discurso feminista, não se dão conta da sua intolerância com a nossa castração, ódio até, por, enquanto mulher, eu não ser portadora de nada. "Amar é dar o que não se tem."  Aí eu pergunto: pode amar quem não suporta a castração (imperfeição, defeito, buraco) em si próprio e no outro e vive omitindo-a escondendo, dissimulando, fazendo um semblant de que está tudo sempre muito bem, em nome de preservar "regras" do convívio social?

De mais a mais, a mim não interessa ser mirada, tornando-me  alvo da pulsão escópica de nenhuma mulher. Muito menos ainda mirar ela, fazendo de uma mulher, alvo da minha pulsão escópica. Isso pra mim já está resolvido, olhe, de hoje... Faz muito tempo. Eu, por mim, cuido de continuar cuidando da minha sexualidade. Cada qual que cuide da sua e de ser feliz fazendo suas invenções indulgentes como podem. Eu também vou me aventurando a fazer as minhas.

A propósito, ontem fui convidada por um homem muito sensível, para assistir a peça de teatro "BISPO". Inspirada em Arthur Bispo do Rosário. Um belíssimo monólogo encenado pelo excelente ator João Miguel. Texto de Edgard Navarro, que não sei quem é.  Fiquei muito emocionada e grata ao senhor (afinal tem 64 anos) por ter me convidado para ver justamente isso. E fui logo avisando: provavelmente vou chorar muito. Ele acolheu com delicadeza pegando lenço de papel no carro, para o caso de que eu fosse chorar mesmo. Imagino que vocês saibam que Bispo foi um artista plástico, sergipano, nascido em 1911. O Museu Bispo do Rosário Arte Contemporânea, no Rio de janeiro, reúne hoje o conjunto de sua obra que atualmente é referência das artes plásticas no Brasil e no exterior.

Em 1938 Bispo foi internado pela primeira vez em hospital psiquiátrico após "delírio místico". Em 1939, transferido para a Colônia Juliano Moreira no Rio, passou a desenvolver seu processo criativo com a missão de reconstruir o mundo em miniaturas. Durante toda a peça Bispo fala um discurso delirante lindo, sempre ouvindo vozes, construindo sua arte e falando sobre ela. Uma das coisas que mais me emocionou foi ele dizer que o "doente mental" é mesmo como um colibri enredando a flor. Nunca pousa na terra. Fica sempre planando. Infelizmente dentro do teatro tinha um louco MESMO. Um senhor, na platéia, durante a peça de extrema dramaticidade, brincando com o celular. Esse, provavelmente, jamais será internado.

Bispo acreditava ter  uma missão ditada por seres do além. Era um enviado dos céus, um Cristo. E, indagando-se (só poucos podem imaginar com que angústia) sobre a sua origem como ser falante, provavelmente sem poder dar conta das traumáticas questões que cercam a sexualidade na constituição do sujeito, se respondia e nos respondia: "Um dia eu simplesmente apareci no mundo." Baixei a cabeça, e um tanto comedida, chorei. O meu cavalheiro, gentil, sem ver nada de estranho, me deu o lenço. Enquanto isso, LOUCOS na platéia davam risada e mexiam no celular. Limpei o rosto, e levantei a cabeça. O meu cavalheiro estava chorando. Acariciei calorosamente sua cabeça grisalha. Meu sábado estava ganho.

Segundo Bispo, a obra inspirada por anjos e pela Virgem Maria, seria apresentada ao todo poderoso no dia do Juízo Final. Pra quem não suporta saber como veio ao mundo, (os leigos pensam ser essa uma mera questão de matar a curiosidade numa roda de amigos na infância), também não há de suportar sair dele por um processo de decomposição da velha carcaça em que, como diz uma paciente minha muito sensível e corajosa, a carne vai se despedindo dos ossos. Fiquei muito grata a meu cavalheiro que veio aqui hoje, poder partilhar comigo das inquietações angustiantes que vivemos na nossa idade, ao constatar que vamos perdendo a memória, sem que estejamos com Mal de Alzheimer, que já não temos a mesma disposição física de antes, que às vezes queremos fazer amor, e de repente, o corpo pede sono, que já não podemos nos alimentar com comida pesada à noite e que o tempo, traiçoeiro, nos foge.

Como Bispo, há quem só suporte dizer que nunca se sentiu tão jovem. Provavelmente acreditando que assim vai permanecer até o equivalente do dia do Juízo Final. Quando acompanhado por uma mulher mais nova, irá desaparecer jovem, potente, com todas as carnes no lugar. Enfim, chega o dia do Juízo Final e Bispo joga álcool em torno de si fazendo uma roda de fogo. A platéia emocionada aplaude de pé. Ao sairmos, o meu cavalheiro me diz que não gosta de dar presentes que são consumidos e não ficam. Por isso, resolveu me dar Bispo de presente. De fato é um cavalheiro. Talvez Marciano.

 A propósito, fiz todo um discurso protestando contra quem eu suponho, faz uma leitura de mim, como se eu fosse, ou pudesse ou devesse ser uma mulher macho, como a "Rainha Ginga", guerreira, que sabe cogitar como um homem, possuindo a seu favor a sutil astúcia de Eva. Certamente não sou eu esta mulher. Não gosto de ter astúcia, ainda que seja de Eva. Quem, planando, acredita que um ladrão faz poesia concreta, não tem astúcia nenhuma. É uma boba romântica. Essa sou eu, graças a Deus. A única astúcia que tenho e tive é como a do Pequeno Hans. Perceber com acuracidade sofisticada o que acontece comigo e o que está na Letra do discurso do outro. Nomes. Sempre os nomes. Com esses dificilmente me engano, mas continuo dando escada para o outro subir. É que eu não preciso de escada. Como um colibri, vivo sempre planando. Ainda assim, não posso deixar de me lembrar que meu pai me deu o nome de Marcia, me supondo uma guerreira de Marte. Marciana, com certeza sou.Nunca pouso na terra. Fico sempre planando. Para confirmar isso, no cartório de registro meu pai cometeu o lapso de esquecer o acento. Guerreira, mas de Marte.

Dou-me conta que acabei de cometer um "sincericídio". Matei alguém ou me matei? Cada um escolhe seu dia do Juízo Final como lhe parece mais bonito e suportável.

P.S. Hoje, meu cavalheiro, confessou indignado que não gostou nada que eu chamasse o remetente anônimo da orquídea de punheteiro, em público. Segundo ele, alguém pode enviar flores sem se revelar, pelos mais belos motivos, sem que seja um punheteiro. Concordei. Gosto de críticas diretas, a sério, explícitas, sem perder a ternura. Ele disse também que o amarelo, cor da flor, representa saudade. Foi uma ótima dica. Assim, como alguém me sugeriu, vou por eliminação. Só um marciano, tanto quanto eu, sentiria saudade de mim. Ainda bem que existe o PT. Senão eu estaria roubada.
                                                                                                                         Marcia Myriam 

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