sábado, 28 de setembro de 2013

Texto de 21/07/2013

"Blá, blá, blá domingueiro...."e... INTENSO, inTENSO, intenSO.


Uma quinta-feira qualquer. Um dia chuvoso qualquer. Um mês de julho qualquer. Um céu cinza chumbo. Seu peso me sobrecarrega a alma. A umidade do tempo lhe põe ferrugem. Com alma oxidada me sento à cozinha para comer algo. Ouço um piado vindo do chão.Um piado? Um gorjeio? Um trinado? Olho ao redor já com o peito contrafeito.Rimou sem querer.O som que vem do chão prenuncia agonia. Êpa! Rimou de novo.Um gemido? À excessão do gemido, algo silente como que um chumaço negro de algodão desliza no chão. Rimou de novo.Sem preguiça, mas ainda com vestígios da ferrugem, não me permito trabalhar o texto. Deixa rimar. Sinto um presságio impressionístico de que preciso delinear contornos, apalpar a forma. Penso em Jorge Luis Borges e sua linda conferência intitulada "A cegueira".Vou buscar os óculos. Ainda não os havia perdido.

Quem traduziu "Sete Noites" de Borges foi meu amigo João Trevisan. Onde anda meu amigo João? Custa achar os óculos com os salamaleques impressionísticos da minha visão. O gemido vindo do chão da cozinha.Óculos postos e a docilidade desconcertante da surpresa:um filhote de passarinho.Seu desamparo me põe em guarda todo o corpo. Aflito. Aflitos. Meu corpo e o passarinho. Penso:"terá entrado pela nesga de abertura da vidraça e não consegue voltar pra casa.Onde será sua casa? De onde veio?Como fazê-lo retornar?" Músculos tensos, não me atrevo a tocá-lo.Medo de sua fragilidade.A minha? Abro a janela, a vidraça, tentando libertá-lo. À excessão do gemido, silente como um chumaço negro de algodão desliza pelo apartamento. Sobe no sofá, na televisão. Gemendo e silente. Por que não alcança a abertura da janela, o espaço aberto da vidraça e volta pra casa?Eu em assuntos de querer voltar pra casa sem poder, sou expert.Eu e o filhote de passarinho travamos um tenso e delicado embate por longo tempo. Eu, querendo libertá-lo-sua presença indefesa, inesperada, me oprime-ele, sem conseguir sair. Trêmula de aflição, resolvo tocá-lo:não pesa na minha mão.Então sofro.Como é mesmo o nome daquele livro? "A Insustentável Leveza do Ser".O conduzo até o parapeito da janela e lá o deixo entregue à sorte.

Decido sair à rua para resolver algumas coisas. Como já disse, seu desamparo me oprime."Quem sabe quando eu voltar da rua ele já partiu, liberto?" Na rua, penso nele com obsessiva, sufocante persistência. Finalmente, enfio a chave na porta e ouço o gemido. Lá está ele....Sem tremer, o coloco na palma da minha mão (que se dane o nome do livro); sem tremer, estendo a mão e o braço para o limite fora da janela e alcanço o ar (que se dane o nome do livro). Ele sai voando. Eu, liberta!
 
Quem disse que era uma quinta-feira qualquer, um dia chuvoso qualquer, um mês de julho qualquer? À noite escuto o escrito de uma amiga sobre uma pessoa que quer voltar para sua casa e não sabe como fazê-lo.Pede, pede e pede. Um texto mais do que lindo: INTENSO de significados, TENSO de apreensões e SO da dor. Dor de escrever.
                                                                                                                        Marcia Gomes.

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