sábado, 28 de setembro de 2013

Texto de 30/07/2012

“Blá, blá, blá domingueiro..." e...”Primo amore"; amor primeiro.


Agenda é feita para ser obedecida, desobedecendo. Pois é. Graças a sermos seres de linguagem. Na minha agenda anotei:"Blá, blá, blá domingueiro...” e... Entrevista com Dona Ruth. Quem disse que sai "entrevista com Dona Ruth?" Eu digo: "sai".Ainda que sob outro título.Poder metaforizar. Como moedas que são concebidas na "Casa da Moeda",palavras desapegadas de sentido, intercambiáveis.
Melhor, para quem fala, escreve,saber que sob o que quer que estejamos dizendo, estamos dizendo sempre a mesma coisa. Que coisa? Não sabemos. Quando alguém me pergunta:"o que você queria dizer quando escreveu aquilo?" Eu respondo,um pouco irritada:"Sei lá!" Sei mesmo. onde você me leu. Dó, ré, mi, fá, sol, LÁ, si,dó.

Será possível saber o que quer dizer a melodia que toca na radiola de tio Zezito?, onde você a escuta. Onde eu a escuto já é ACOLÁ. Palavra é meio lagarta.Você tenta se apoderar, tomá-la para si,já virou borboleta.Escrever,artifício de poder suportar tamanha efemeridade. Isso me recorda "efeméride". O que quer dizer "efeméride"?"Efeméride",palavra das antigas, não quer dizer absolutamente nada. Quer ser dita, escutada, conotada.
 
Quando me recordo que presenteei uma amiga que estava se exercitando na pintura com um livro intitulado:"Manual de Pintura e Caligrafia", dou muita risada.Nem me dei ao trabalho de ler a orelha do livro? Foi aí, bem aí nessa tremenda "gafe", que passei a amar com sofreguidão aquele que disse assim:...."na pintura, vem sempre o momento em que o quadro não suporta nem mais uma pincelada..." Saramago.


Desconfio, que sem "gafe", estou querendo presentear o pintor com quem estive sexta feira, com este livro. Pensando melhor....melhor?Não tem melhor que acuda pensamento. Parando de pensar, me acudo. Para não postar "O Conto da Ilha Desconhecida" (nossa, que história de amor mais linda!A última cena é o homem e a mulher pintando um nome num barco) nos correios via SEDEX..O destinatário seria o pintor, o desenhista que de mansinho, porém determinado, deixou Dona Ruth e a entrevista para outra ocasião.

Com Ruth ou sem Ruth, estamos sempre falando da mesma coisa.Mas "entrevista", faz uma falta....Entre nós não foi possível haver "entrevista". Nós que tanto falamos sobre e olhamos para o pescador de Taperoá que viria a ser a foto capa de um possível livro de meu pai."Entrevista", no sentido usado pelo povo em Taperoá, não foi possível.Taperoá, cidade onde morei entre as décadas de 50 e 60, tinha uma cultura popular muito rica. A luta de classes ficava amortecida pela predominância da pesca artesanal como atividade econômica.O povo podia se apropriar de palavras de gente rica, se autorizando a usá-las do modo que lhe aprouvesse.Muito enternecedor, o modo. Assim, aprendi com Conceição, a moça que trabalhava na minha casa, que "dar entrevista" era conceder um encontro amoroso."Fui entrevistada por fulano" significava "fui abordada amorosamente por fulano".

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Eu, dez anos de idade, recém-chegada do interior.Na casa de tio Zezito, onde me hospedo, se hospeda também um já rapaz, homem feito. Dezesseis anos. Lindo! Eu bem recordo que ele tinha pêlo nas axilas.Eu também já tinha cá meus pêlos apesar da idade.Eu bem recordo que ele tinha olhos castanho cor de mel. O que melhor recordo é a sua voz máscula e mansa.Eu sou capaz de apostar que ele canta bem. Eu, desde que vim ao mundo, fixada em palavras, ficava a repetir para mim mesma o seu lindo nome, cônscia de que entre uma menina de 10 anos e um rapaz de dezesseis, nada poderia haver além de pegar carona na radiola de tio Zezito.


Sexta feira passada soube que foi meu pai quem escolheu seu nome. Sexta feira passada soube que foi meu pai quem o presenteou com os primeiros instrumentos de trabalho: régua, compasso (será com c cedilha?), transferidor. Transfere  dor.Ai, a sexta feira passada....
 
Pegar carona na radiola de tio Zezito. Nós dois. Eu, pensando nele. Ele, não pensando em mim. O giro do vinil me marejando os olhos. Eu, apesar da idade, já chegada a uma dor de cotovelo, disfarçava.

1974.Eu, vinte e um anos, namorado firme. Não me recordo da presença do meu parceiro de radiola no curto período de doença de meu pai. Agora não preciso mais dizer que foi na sexta feira passada.Fiquei sabendo que ele abriu mão de colar grau com solenidade, em cima da hora, para vir a Salvador quando meu pai já estava se ultimando.
 
Um homem de 65 anos, com a mesma voz máscula e mansa daquele rapaz, cabelos grisalhos, cavalheiro, me abre a porta do carro. Novamente cavalheiro me conduz com a mão na minha cintura. Ainda mais cavalheiro, me presenteia com fotos originais feitas por meu  pai guardadas com esmero. Brindamos ao nosso reencontro. Sorrimos. Compartilhamos a dor que sentimos com a perda de nossos pais.Trocamos recordações usufruindo o privilégio de termos excelente memória.Ele se mostra no computador elegantemente agasalhado no Central Park.Me conta da sua amizade com Celso Furtado quando vinha de Paris.Falamos um para o outro das nossas rotinas.

Será que ele se recorda da radiola de tio Zezito? De repente, qual borboleta retrocedendo a lagarta, uma palavra escapa da sua boca.Escapa, escape. Nos entreolhamos cúmplices e tristes.Ao nos despedirmos prometemos nos falar por SKYPE. Escape. Uma palavra......"não suporta mais uma pincelada".

"...Porque és o Avesso do Avesso do Avesso do Avesso"
Foto de Joaquim Leal Gomes em São  Paulo
Autor: Joaquim Leal Gomes (in memoriam)



Marcia Gomes.

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