domingo, 11 de janeiro de 2015

11/01/2015  Cara leitora, caro leitor,

Aqui estou eu retomando a crônica de domingo. Voltando de uma viagem inesquecível a Maceió onde fui passar o Ano Novo com Dona Myriam Urpia, minha mãe, que caminha em franca recuperação da cirurgia. No dia 8 passado ela se consultou com uma oncologista que a considerou em muito bom estado. Apenas prescreveu uma medicação para prevenir recidivas e sessões de fisioterapia com drenagem linfática para que ela recupere mais rapidamente a motilidade da mão e braço direitos.

O encontro com minha mãe em Maceió foi uma experiência muito bonita de amor e respeito mútuos. Para mim foi profundamente importante poder cuidar um pouco da minha mãezinha e meu irmão e minha cunhada, embora estivessem com a casa cheia,  me receberam com a maior generosidade, compreendendo e acolhendo com todo carinho minha necessidade de estar próxima de Dona Myriam o maior tempo possível. Foram 6 dias em que vivi uma intensa e amorosa relação com ela, voltando para Salvador muito saudosa mas tranquila em saber que minha mãe recebe deles o melhor em afeto e cuidados materiais.

Assim que cheguei em Maceió, instalei uma cadeira cativa no quarto dela e só a deixava no fim do dia, quando já se havia preparado para dormir. Pela manhã passávamos a vista por álbuns de fotografia caprichosamente organizados por ela, fazendo uma verdadeira hora da saudade entre lágrimas e risos. Consultávamos alguns textos religiosos e líamos juntas um livro que muito a encantou, presente da sua sensível neta Lívia. É a história de um jovem que abandonou tudo para cuidar da avó que sofria do Mal de Alzheimer. Depois do almoço eu ficava velando seu sono e mais tarde lhe dava banho. Em seguida assistíamos à missa pela televisão e depois do jantar eu acompanhava com ela a novela de que gosta muito.

Me comovi ao observar sua alegre interação com a meiga bisnetinha Iasmin e com o inteligente e peralta Iuri. Fiquei muito bem impressionada com o cavalheirismo do adolescente Cauã Fraga que consciente de que sua bisa precisa de carinho e atenção assumiu comigo o compromisso de imprimir toda semana o "Blá, blá, blá domingueiro..." para ela ler.

Na hora da despedida não consegui controlar o choro convulso e aqui estou de novo escrevendo para ela as "Histórias Que Vivi Com Minha Mãe" confiante na promessa de Cauã. É a minha forma de mitigar a saudade e me fazer presente na vida de Dona Myriam, já que os dois telefonemas diários que fazemos não apagam a tristeza causada pela distância geográfica.

 Nutrida pelo feliz encontro com minha mãe aguardo ansiosa a próxima semana. É que Rafael, meu filho adotivo colombiano, prestará a última etapa do concurso para professor da UFSB. Torçam por ele que tem estudado muito numa aposta apaixonada pela proposta da universidade. De volta a Salvador tive um feliz encontro com um grupo de colegas de Psicologia, contemporâneas da faculdade, onde papeamos sobre vários assuntos. Foi um evento leve e divertido num fim de tarde de verão.

Recomeço o "Blá, blá, blá domingueiro..." com essas "Peripécias de infância". Espero que vocês e Dona Myriam se divirtam. Ela, quando ler, provavelmente dando muita risada, me dirá: "Não me lembro de nada disso. É pura imaginação sua. Quem conta um conto, aumenta um ponto." Imaginação ou não, muito prazer me dá de pensar que com meu texto posso entreter a ela e a vocês.

                                                   PERIPÉCIAS  DE  INFÂNCIA

Acho que já contei a vocês que quando criança eu adoecia muito. Também já mencionei que eu e Sandra, minha irmã um ano mais velha, temos personalidades quase opostas. Sandra sempre foi muito extrovertida, cheia de energia e gosta de comandar. Já eu sou mais tímida, quieta e fui muito cuidada por todos já que era chegada a ficar enferma com frequência.

Quem mais cuidava de mim era minha mãe. Mulher de médico, iniciada nos saberes da farmacologia, sem que precisasse chamar meu pai, com muito carinho e delicadeza sabia prescrever o remédio certo para debelar uma infecção, abaixar uma febre, aliviar uma dor. Tenho muito viva a recordação do desvelo com que ela cuidou de mim e Sandra quando fizemos cirurgia de garganta no Hospital Espanhol. Ainda hoje, quando adoeço (raramente, felizmente) meu primeiro impulso é telefonar a Dona Myriam para perguntar que médico devo consultar e o que devo tomar.

Eu estava com cinco para seis anos e vivíamos em Taperoá. Cidadezinha muito interessante pelos seus tipos humanos onde vivíamos felizes. Mas a felicidade não me impedia de adoecer. Um dia amanheci com febre alta e tive que ficar acamada. A empregada faltou, meu pai estava ocupado no consultório e estávamos sem antitérmico em casa. O fim da década de 50 no interior era um tempo em que era relativamente seguro deixar duas crianças sozinhas em casa por curto espaço de tempo no caso de uma emergência. Dona Myriam não teve opção. Me deixou em casa com Sandra enquanto ia à farmácia de Dona Adiles buscar o remédio.

Sandra me vendo fragilizada pela febre logo assumiu ares de quem cuida e se dispôs a fazer o que eu precisasse. Eu tinha a estranha mania de escondido dos adultos comer sal. Não sei se sofria de pressão baixa, se vivia desidratada, se era uma idiossincrasia metabólica ou mesmo mera peraltice. Então diante da oferta de ajuda de Sandra, que criança não tem juízo, eu disse que queria comer um pires de sal. E para que a arte tivesse todos os ares de transgressão a que tínhamos direito, não podia ser sal da nossa cozinha.

 Sandra não contou conversa. Saiu mais que depressa e foi ao armazém de "Seu" Aurélio que era defronte de nossa casa. O que ela disse lá no armazém, eu não sei nem tive a curiosidade de perguntar, tão ávida estava por comer meu sal. Sandra me entregou um pires de sal grosso. Será que "Seu" Aurélio julgou ser a minha febre causada por mal olhado? Quem vai saber o que se passa entre uma criança de sete anos e o dono de um armazém em cidadezinha minúscula como Taperoá?

A peripécia estava feita e eu me deliciava com o sal grosso de modo que não vimos nossa mãe voltar. O resultado é que fomos flagradas com o boca na botija. Ou melhor, no pires de sal. Como eu estava acamada e não tinha energia para me levantar para fazer qualquer estrepolia, sobrou para Sandra. Levou um senhor carão e foi ameaçada de ser posta de castigo. Antes porém, cuidadosa, minha mãe pegou o termômetro e mediu minha temperatura. Não é que a febre tinha cedido? Sandra foi então liberada do castigo. Pudera!! Não é para menos. Não é todo dia que se descobre um antitérmico barato e providenciado por uma traquinagem. Será que a minha febre era causada por mal olhado? Até hoje ninguém encontrou explicação plausível para as propriedades farmacológicas do sal grosso. Ou da peripécia?
                                                                                           Marcia Myriam Gomes.

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