sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

GRATIDÃO  COMOVIDA  A  MEU  IRMÃO  E  FAMÍLIA.

Saí de Aracaju no fim de novembro de 2014 com o coração apertado. Todos vocês sabem que fui até lá acompanhar uma delicada cirurgia de Dona Myriam Urpia, minha mãe, que para extirpar um câncer se submeteu a uma mastectomia. Poucos dias depois dessa experiência traumática para uma senhora idosa de 81 anos, talvez por efeito da anestesia, minha mãe ficou um pouco agitada e isso implicou em ter que se submeter a uma nova cirurgia para recolocação do dreno que havia saído do lugar. Duas anestesias gerais em curto espaço de tempo, numa paciente que tem já a saúde fragilizada por problemas respiratórios que datam de muitos anos.

Eu me sentindo apreensiva e impotente. Todos os meus irmãos estavam lá acompanhando o processo mas o clima na família era um tanto tenso. Minha mãe que mora com meu irmão Lula em Maceió, foi operada em Aracaju e passou o pós-operatório lá, em casa de Sandra, minha irmã mais velha, que teve a generosidade de me receber como hóspede. Ela tem um amor enorme por nossa mãe, mas é de uma personalidade um tanto centralizadora e autoritária. Juntando isso a todo o estresse da situação aliado talvez a um certo ciúme de mim e de meu irmão, criou-se uma atmosfera tensa no relacionamento de Sandra com minha mãe, o que em termos emocionais, não era favorável à recuperação de Dona Myriam. 

Como eu disse, estava me sentindo impotente. Pelo tipo de medicação que tomo à noite, por ordem expressa do médico não posso perder noite e queria cuidar de minha mãe. Sandra, com o maior empenho em dispensar esses cuidados (ela também pelo mesmo motivo não pode perder noite) e talvez movida por um certo ciúme, de uma forma que me soava um tanto mandona, deliberava as horas e as ocasiões em que eu podia estar com minha mãe. Serei eternamente grata a ela pelo modo dedicado com que recebeu Dona Myriam por quase dois meses na sua casa. Serei eternamente grata por Sandra ter me hospedado por uma semana, tendo por isso que ficar mal alojada no seu quarto de casal com meu cunhado Alfredo que cuidou de minha mãe com o carinho de um filho.

Mas a atmosfera entre minha mãe e Sandra era tensa. Minha mãe, fragilizada num pós-operatório e tendo sido sempre muito independente e dona de suas próprias decisões, sofria com o jeito mandão de Sandra. A impressão que eu tinha é que quanto mais acolhedora e continente eu fosse com o sofrimento de minha mãe, mais autoritária e tensa Sandra se tornava com ela. Chorei muito e conversei muito por telefone com minha terapeuta.

 Me dirigi a meu irmão Lula, e disse a ele que queria ter uma conversa particular com ele. A minha impressão é que a partir do momento em que lhe disse isso, Lula passou a evitar estar sozinho comigo e ignorou meu pedido de conversa. Meu irmão tem um amor extremado por minha mãe, cuida dela com um carinho impecável, tem estado muito sobrecarregado com as incumbências decorrentes de ficar responsável por vários anos por uma mãe idosa, e, pelo menos comigo, não é muito chegado ao diálogo sobre nossa mãe.

 Não tenho palavras para expressar minha gratidão a ele, mas, nesse momento, gostaria muito que tivéssemos um relacionamento que comportasse partilharmos mais um pouco as decisões em relação à nossa mãe, até para que ele ficasse menos sobrecarregado. Na segunda cirurgia de minha mãe, antes que a Sul América fizesse o ressarcimento, ele teve inclusive que tirar uma alta quantia do seu próprio bolso. Financeiramente eu infelizmente não pude ajudar. Mas gostaria, pelo bem de nossa mãe, que ele partilhasse mais as decisões comigo. Não sei se esse seu fechamento em relação a mim advém de alguma mágoa, se é do seu temperamento. Procuro respeitar e compreender.

Com aquela atmosfera familiar em Aracaju e vendo minha mãe em sofrimento, cheguei à conclusão que se eu retornasse a Salvador, talvez o clima entre Sandra e minha mãe ficasse menos tenso. Pensei que Sandra sem eu no seu quarto como hóspede, poderia descansar mais e com a minha ausência se sentiria menos ameaçada pelo ciúme, podendo se tornar mais afável e acolhedora com nossa mãe.

 Com o coração despedaçado por ter que deixar minha mãezinha ainda tão fragilizada, tomei a dolorosa decisão de retornar a Salvador, não sem antes conversar com Lindaura, esposa do meu irmão, que foi para mim um porto seguro. Aura de amor e acolhimento. Linda aura. Lindaura. Com ela desabafei minhas apreensões e conflitos e fui bem recebida e compreendida. Deixei um canal aberto para ter a quem telefonar, ter com quem me informar sobre o estado físico e emocional de minha mãe. Lindaura foi pra mim muito mais que uma irmã. Não sei o que teria sido de mim se não tivesse contado com seu apoio naquele momento. Sua generosidade é impagável.

Chorando muito dentro do avião, chorando muito ainda quando cheguei em casa de volta de Aracaju, mantive-me inquieta quanto ao estado emocional de minha mãe, inquieta quanto à sua recuperação da cirurgia, sentindo muita saudade e medo de perdê-la antes que pudesse voltar a vê-la. No começo de dezembro partilhei minhas apreensões com minha amiga irmã Ana Cecília, que mesmo com os preços altos da época, se disponibilizou a me dar uma passagem para Maceió de presente. Decidi viajar por época do Ano Novo sabendo que nessa fase de fim de ano Lula e Lindaura estão com a casa cheia de filhos, genro e netos. Eu precisava inadiavelmente rever minha mãezinha. Mas onde e com que dinheiro me hospedar?

Comecei uma busca desenfreada por pousadas, sabendo desanimada que em tempos de fim de ano Maceió é muito procurada e os preços encarecem. O preço mínimo que consegui foi para ficar num quarto com mais nove pessoas, numa pousada que por ficar próxima à praia, provavelmente seria muito distante da casa de minha mãe. Mas aceitei o desafio com a mão na cabeça por saber que não dispunha de dinheiro para a despesa com o táxi. Num momento em que rezava muito apreensiva, Lindaura, o anjo, me telefona para dar notícias da chegada de minha mãe em Maceió. Aí resolvo consultá-la quanto à localização da pousada. Ela, com a sua bondade infinita, com o coração terno de quem avalia o sofrimento de uma filha distante geograficamente de uma mãe idosa e se recuperando de uma cirurgia, diz que pode me hospedar.

Embarquei para Maceió com o coração aos pulos pela emoção de rever minha mãezinha, mas constrangida. Sabia que Lula e Lindaura estavam com a casa cheia e que por isso podia lhes dar trabalho. Ia com muita vontade de poder cuidar um pouco de Dona Myriam e ao mesmo tempo preocupada com as limitações impostas por minhas dores. Tenho uma grave hérnia de disco que comprime o nervo ciático que me faz viajar de cadeira de rodas, não me permite subir escada, ficar em pé parada nem caminhar mesmo por curtas distâncias. Ainda assim, acalentava o sonho de dar banho em minha mãezinha e estava com receio de dizer que não suportaria ajudar nas tarefas domésticas quando não houvesse empregados em casa.

Lula e Lindaura tiveram a enorme generosidade de me buscar no aeroporto. Senti Lula um tanto frio comigo, sendo Lindaura quem sustentava a conversa comigo no trajeto para a casa. Como sabia que havia muita gente lá, fui disposta a dormir em qualquer lugar, ainda que sem conforto. Nada disso. Meu irmão e minha cunhada me instalaram num quarto só para mim, tendo que para isso mudar de lugar o computador da minha linda sobrinha Luciana e improvisar a dormida de alguns netos. Cheguei a dizer que isso não era necessário, que eu me ajeitava em qualquer lugar, mas eles, generosos, não arredaram pé e me mantiveram no quarto. Uma gentileza dessa é impagável. Sentia-me envergonhada por saber que a minha presença ali naquele momento não era das mais oportunas, mas eles foram cuidadosos em me deixar à vontade.

Quando fiquei sozinha com a minha mãezinha uma onda de gratidão enorme a Lula, Lindaura, Luciana, Lívia, Iasmin, Iuri, Cauã e Eduardo me tomou. Todos eles colaboraram de forma carinhosa e desprendida para que eu pudesse passar o Ano Novo e aqueles cinco dias na companhia de Dona Myriam. Quando assisti Lindaura lhe dar banho no dia em que cheguei, as lágrimas rolaram de pura comoção. Fiquei certa de que minha mãe está muito bem cuidada e isso me encheu de carinho e gratidão por eles. Não importa se talvez Lula tenha sido o filho preferido por minha mãe e que por isso possa na infância e na adolescência ter usufruído de alguns privilégios. Não importa que ele possa ter diferenças comigo que não o deixam muito à vontade. Estou disposta a pagar o preço. Importa é que ele é um filho amorosíssimo que não mede esforços para proporcionar a minha mãe o que há de melhor em condições materiais e afeto.

Lula está sempre atento quando está para faltar um remédio, estava administrando os horários das medicações controladas e toda noite aplica em minha mãe o adesivo para o mal de Alzheimer. Lindaura até que eu assumisse essa função, é quem estava dando banho em minha mãe, cuidando das suas refeições, preparando seu shake às quatro da tarde, preparando um chazinho. Tudo com muito amor e delicadeza e principalmente respeitando a necessidade de autonomia de minha mãe. Nada lhe era forçado. Se precisavam lhe persuadir de alguma coisa, era sempre com jeito bem humorado.

Assim que cheguei instalei uma cadeira cativa no quarto de minha mãe e praticamente só saía de lá na hora que ela estava deitada para dormir. Lula e Lindaura compreenderam esse meu anseio de ficar com ela o máximo possível e respeitaram. Serei eternamente grata por isso. Talvez a experiência de intimidade amorosa mais importante que tive com minha mãe foi quando eu pude pela primeira vez cuidar de lhe dar banho. As lágrimas de comoção rolaram pelo meu rosto. Ver o quanto empenhada na sua higiene corporal ela está, mesmo com muitos lapsos de memória, me tocou muito. Ver o quanto ela continua imbuída de seu papel de mãe cuidadosa, me fazia ter que segurar as lágrimas quando ela perguntava se eu não queria comer um biscoito, ou quando no banho ficava preocupada para eu não me molhar.

Foi um encontro de mãe e filha muito bonito e enternecedor. Ela estava ainda muito traumatizada pelo modo como as coisas aconteceram em Aracaju e fez queixas do jeito mandão de Sandra. Pela manhã Dona Myriam me mostrava álbuns de fotografias cuidadosamente montados por ela e fazíamos uma verdadeira hora da saudade com lágrimas e muito riso. Também líamos juntas o livro que Livinha  (filha de Lula) lhe deu de presente e que a deixou encantada. É a história de um neto que abandona tudo para cuidar de uma avó com Mal de Alzheimer. Livinha é muito sensível. Luciana, outra filha de Lula, também é muito carinhosa com a avó. Seu filho, Cauã Fraga, um adolescente muito cavalheiro, se comprometeu comigo de imprimir todo domingo o "Blá, blá, blá domingueiro..." para sua bisa ler e irá cumprir o prometido.

Depois do almoço Dona Myriam dormia e eu ficava velando seu sono. Quando acordava eu lhe dava banho e à tardinha assistíamos juntas a missa pela televisão. A fé fervorosa de minha mãe é muito impressionante e comovente. À noite, depois do jantar, assistíamos à novela "Império". Fiquei junto de minha mãe o tempo todo. Nos enchíamos de beijos e afagos. Eu a apaziguava quando ela se desculpava por seus significativos lapsos de memória dizendo que isso é natural pela experiência traumática que foi a cirurgia e que tende a se reverter. Dizia a ela que eu também já estou ficando esquecida e nunca me impacientava quando ela perguntava a mesma coisa várias vezes. Foi uma experiência de amor e respeito mútuos.

Muito dolorosamente chegou a hora de eu partir. Não consegui controlar o choro convulso e senti uma dor imensa no peito quando entrei no carro e lhe acenei pela última vez. Iuri, meu sobrinho neto de 4 anos, ao me ver aos prantos, perguntou a Lula se eu era mãe da bisa. Meu irmão me levou ao aeroporto e voltou lá para saber se eu estava bem quanto soube que o voo estava com mais de uma hora de atraso. Esse cuidado dele comigo muito me comoveu. Parti com uma lembrança terna do meu irmão (estou chorando) e profundamente agradecida a ele e à sua família pelo amor que têm por minha mãe, por terem respeitado e compreendido que eu precisava muito viver esta experiência com ela. Os caminhos da vida são às vezes intrincados e belos. Obrigada, Lula, Lindaura, Livinha, Iasmin, Iuri e Cauã !!! Deus lhes pague!!!
                                                                                          Marcia Myriam Gomes.

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