domingo, 24 de novembro de 2013


  • "Blá, blá, blá domingueiro....."e....De um outro lugar.‏



  • 24/11/13                            DE  UM  OUTRO  LUGAR

    Fora de casa. Escrevo de um outro lugar. Uma sala de espera. Meu consultório. Aguardo a hora marcada para uma reunião de estudo de Lacan. Então visito a minha sala de espera. Sento no sofá. Contemplo a mulher pendurada na parede. A mulher pendurada na parede tem olhos vazados. Olho para ela da perspectiva de quem me aguarda. Nesta sala, de vez em quando alguém me aguarda. Aguarda e olha para a mulher de olhos vazados. Aguarda o que? Aguarda olhando para a mulher pintada por Modigliani. A mulher cuja cabeça inclinada mal se sustenta num pescoço longuíssimo. Mal se sustenta. Tem um rosto comprido. Na blusa uma gravata também comprida. Tudo nesse quadro é longilíneo. Quem aqui me aguarda, aguarda o que?  Tudo nesse quadro é de um abandono melancólico. Os cabelos da mulher querendo extrapolar os limites da tela. A mulher é triste. Definitivamente. Quem aqui me espera é triste? A mulher tem olhos vazados e olha para o nada. Quem aqui me espera olha para o nada? Quem espera confia em algo mais que o nada para olhar? Ruídos chegam do corredor. Pessoas numa outra sala de espera. Conversas triviais. Quem aqui me espera contempla a melancolia da mulher pintada por Modigliani?  Melancolia tão funda que parece sair da moldura. Conversas triviais na sala ao lado. O episódio "Mensalão". Trivial?  O menino diabético que foi assassinado pelo padrasto. Trivial? A mulher está melancólica e quer sair da moldura. Será sua dor, trivial? Dor de amor? Antes que adivinhe a dor estampada nos olhos vazados da mulher, resolvo abandoná-la. Quem aqui me aguarda especula sobre a dor da mulher?

    Resolvo abandoná-la e entro na sala de atendimento. Abro a cortina. O sol exuberante entra. Colhe de surpresa a planta depositada sobre o chão. Quem eu recebo nesta sala vê a luz do sol? Deito no divã. Vejo a árvore imensa do lado de fora. Galhos verdejantes acenam para a janela. Quem eu recebo nesta sala vê uma árvore imensa com seus galhos verdejantes? É uma árvore frondosa. Raízes bem fincadas e antigas. A luz incide diferentemente produzindo diferentes matizes de verde. Quem eu recebo nesta sala enxerga diferentes matizes de verde? Um passarinho se embalança num galho da árvore. Conforme a velocidade do vento o aceno dos galhos torna-se mais ou menos vigoroso. Quem eu recebo nesta sala percebe a oscilação no aceno dos galhos? O que vislumbra quem eu recebo nesta sala?

    Quem vai saber a razão de uma mulher de Modigliani na sala de espera? Quem vai saber a razão de um divã defronte de uma árvore frondosa e verdejante?  Como saber quando abrir a cortina? Chegou a hora da reunião de estudo de Lacan.
                                                                                                         Bom domingo,
                                                                                                                 Marcia Gomes. 

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