domingo, 11 de maio de 2014

11/05/14                         FRIVOLIDADES

A tarde ficou frívola. Meu compromisso de estudo de Lacan não se concretizou. Saindo do consultório pego um táxi na direção de casa. O céu é de um azul gaivota. Não que eu já tenha visto uma gaivota azul. Mas é que o azul do céu parece estar fazendo volteios aéreos sobre todas as coisas. Como uma gaivota, planando.

 Penso que estou fazendo um verdadeiro ato de redenção dos pecadilhos tecnológicos da era computacional. Eu, filha de comunista, avessa à tecnologia, eu, com QI discutível quanto a saberes internéticos, eu, uma crítica ferrenha daqueles que aderem à comunicação pelas redes sociais, constato que estou vivendo a redenção. Com uma certa resistência, me vejo admitindo que minha vida mudou depois que entrei no Facebook. Ainda esta semana jantei com um querido amigo da década de 70 que reencontrei no Face. Reencontrei também uma amiga de São Paulo muito querida que não vejo há mais de 20 anos. Reencontrei colegas de faculdade, ex-alunos, enfim, estou incrementando meus laços sociais por essa via tão discutível. Meu filho adotivo me ensinou que é só acessar o tal do Google e milhares de serviços se fazem disponíveis. Economia de táxi, já que não dirijo mais, economia de tempo e de telefone.

Acessando o tal do Google, encontrei uma forma de obter um livro dificílimo que se chegar a tempo vai me permitir fazer uma surpresa de aniversário a um amigo muito caro. Vocês podem não acreditar, mas até de uma conexão internética chamada Linkedin, onde a gente coloca o nosso perfil profissional, eu estou participando.

Mas deixemos o computador pra lá porque ainda prefiro o azul gaivota do céu. Por falar em azul, por falar em gaivota, por falar em volteios aéreos, penso agora que uma queridíssima amiga fará 60 anos no dia 29 próximo. Fazer 60 anos, no mínimo nos garante pagar meia no cinema. Como será essa passagem  para ela, excelente poeta chegada aos volteios aéreos? Tomara que  não invente de aterrissar só porque faz 60. Quero vê-la planando como sempre com 60, 80, 100 anos.

Penso se gostei ou não gostei do filme "Getúlio". Um lado meu, curioso por entender a atmosfera política que cercava os personagens daquela época, não gostou. O filme parece ser mais centrado na pessoa do que no cenário político. Um outro lado meu, interessado nos dilemas e mistérios da subjetividade, gostou. É que o filme parece querer preservar as ambiguidades que cercaram a personalidade de Getúlio. Pode se sair do filme sem saber a "verdade" sobre o famoso atentado a Carlos Lacerda. Pode se sair do filme se interrogando sobre o que mesmo levou Getúlio ao suicídio. Pode se sair do filme sem saber a verdade sobre a melancolia do presidente. A essa altura da vida e com meu gosto pela psicanálise, como acreditar que pode existir a verdade dos fatos propagada por certas vertentes positivistas da ciência? Verdade, sim, mas não-toda. Verdade, sim, mas com estrutura de ficção. Mas deixemos o filme de lado porque não é muito educado antecipar a história para quem ainda não viu.

Com o coração apertado, penso agora que uma pessoa muitíssimo querida está vivendo um dilema de grande magnitude. Precisa fazer uma escolha importante para sua vida, sem que disponha dos elementos necessários para a análise das alternativas. Penso na tensão que está vivendo e sinto vontade de lhe dar colo. Como não tenho reza certa, até pedi a minha mãe para com sua reza fervorosa pedir para a pessoa fazer a escolha certa.

E aí, pensando na reza de minha mãe, penso nela. Penso que o domingo em que enviarei o "Blá, blá, blá....." pra vocês será, o tão celebrado pelo comércio, Dia das Mães. Não é que eu aderi aos apelos do comércio e pedi a minha cunhada pra comprar um presente bem bonito pra minha mãe? Não é que vou ficar o domingo todo colada ao computador, esperando que meu irmão possa colocá-la para falar comigo no Skype? O Dia das Mães é importante para ela e é isso que conta. Não importa que não seja pra mim. Pois é, em junho próximo minha mãe fará 81 anos.  Há quanto tempo não a vejo pessoalmente? Há quanto tempo não a abraço? Saudade da mãe querida que todo dia me diz ao telefone: "Deus lhe abençoe". Vejo que sua vozinha vai ficando frágil. Vejo que sua memória de eventos passados é muito mais fiel que a memória imediata. Vejo que deseja muito escrever a história da sua vida e as questões de saúde estão forçando um adiamento do projeto. Queria agora ser uma gaivota azul e pousar bem pertinho dela  guiando sua mão na escrita de sua história. Mas que a história saísse por meio de volteios aéreos sem ter que fazer pouso forçado nos momentos de dor. É tão bom poder reinventar a própria história.....

Entre fazer coisas triviais em casa e escrever, a tarde frívola vai passando. O azul do céu já sucumbiu. Tons róseos metamorfoseando as nuvens anunciam a transição para noite sem que possamos saber como será. Podemos pensar frivolidades, mas não podemos controlar o imponderável. Como será minha noite? De repente é o telefone que toca com alguém me dando uma notícia mobilizante. De repente sou eu que entro num clima de construir conteúdos edificantes. De repente, nada acontece senão a frívola novela das nove. Não, de repente pego um livro interessante e toda minha vida se ressignifica. De repente, só pra rimar, uma serpente se arrasta por debaixo da porta e me pica com  veneno bem na jugular. A noite....de repente.......De repente recebo um E-mail e respondo comentando revelações oníricas. Melhor que se deixar picar pela serpente, é acolher o antídoto benfazejo vindo de um amigo. E a noite....de repente...do seu negror verídico de abismo, na fantasia também ficou azul.
                                                                                         Marcia Gomes.


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