domingo, 25 de maio de 2014

25/05/14                            NA  CORDA-BAMBA

Semana especialíssima, essa que entra. No próximo dia 29 de maio, fazem aniversário dois amigos queridos e poetas. Uma amiga e um amigo.

A amiga, de mais tempo, na verdade há mais de quarenta anos de bonito laço afetivo comigo, está fazendo 60. Fomos colegas de faculdade e estamos presentes uma na vida da outra, na dor e na alegria. Mesmo quando nos desentendemos por razões pueris ou mais sérias, cuidamos de preservar entre nós o respeito pelo espaço literário. Afinal, uma das coisas que nos aproximou é a nossa paixão por Drummond.

Ela é minha amiga poeta. Tem livros publicados e ganhou o importante prêmio Braskem de poesia. Além de poeta, generosa. Ao invés de fazer uma festa convencional comemorativa dos seus 60 anos, vai celebrá-los enviando aos amigos uma surpresa literária.

Poeta e generosa. Na semana do seu aniversário, já lembrou do meu e me presenteou com uma passagem de avião para eu fazer uma viagem de visita à minha mãe que também aniversaria em 16 de junho.

Tempo de aniversários. Ontem, completou a idade de Cristo Vitinho, o filho da minha amiga poeta. Ela, exemplo inimitável de exercício de maternagem, feliz com esse filho, fotógrafo sensível que já lhe deu uma netinha. Tempo de aniversários. Tem a minha prima Elyana. No dia 4 de junho é a vez de Sandra, minha irmã mais velha. Lembram dela? Aquela que é dona de um salão de beleza em Aracaju. No dia 19 é minha vez de fazer 61 anos e também aniversaria Lívia, uma sobrinha querida.

Com a proximidade do meu aniversário, como esquecer a linda surpresa de 60 anos que me fez a amiga poeta no ano passado? Junto com outra pessoa também querida, mobilizou um monte de gente que me quer bem e fizeram uma gorda "vaquinha" para me restituir uma obra de arte de valor afetivo inestimável e que eu precisei colocar à venda numa galeria.

É assim minha amiga poeta. Generosa ao extremo e "avoada". Acabou de me telefonar dizendo que não lhe dei uma informação numérica que na verdade, acabei de lhe dar. Isso nada tem a ver com a idade. Seus neurônios vão muito bem obrigada. Mas é chegada a rodopios da imaginação. "Avoada", vive "trocando alhos por bugalhos"; mas não troca gato por lebre. Não troca gato por nada. É louca por gatos e, para vê-los por perto concede à alergia todos os malefícios que lhe pode fazer. Cabeça de poeta é uma coisa danada de bonita e cheia de controvérsias.

É assim minha amiga poeta. Tem o dom do riso. Isso provavelmente lhe faz bem à pele. Outro dia, Nice, minha auxiliar doméstica, surpresa com a idade da minha amiga, disse que não lhe dava mais que 40 anos. É assim a minha amiga poeta. O seu verso, enxuto de palavras desnecessárias, tem uma densidade dramática de fazer medo. Ela, que socialmente não é muito afeita às lágrimas, chora em verso. Ri em verso. E como traço da família de seu pai que também é poeta, em verso ela se maravilha com as coisas mais triviais do cotidiano. Ela é o maravilhamento circunscrito em palavras.

Quando fica difícil respirar, ela inspira e expira com o largo fôlego de sua poesia que nos arrebata para um universo de encantamento estético de mobilizar a alma mais insensível. Ela toca o outro.

Às vezes, quando não estou de bem com as minhas imperfeições que não são poucas, me pergunto o que fiz para merecer uma amiga tão dadivosa quase como uma mãe e ainda por cima, poeta. Nenhuma resposta à minha pergunta se afigura satisfatória. É que nessa vida cheia de contingências, cheia dos inexplicáveis, a gente recebe independentemente de merecer. É que a minha amiga não estabelece condições. Ana, é de graça.

E o meu amigo poeta que também faz aniversário no dia 29 de maio? Amigo de pouco tempo, nos conhecemos no ano passado e nunca nos vimos. Nos escrevemos quase diariamente. E quase diariamente eu recebo um poema algumas vezes recém saído do forno. E ele  "ouve" minha opinião sobre o poema. Leva a sério.

Será a generosidade privilégio dos poetas? Ou não? Sou eu mesma que dou sorte com os amigos.... Erudito, exímio conhecedor da Língua Portuguesa sem qualquer deslize, todo domingo ele tem paciência de ler o meu "Blá, blá, blá..." e comentar. Comenta comigo como se eu lhe fosse uma igual. Escritor destituído de vaidades narcísicas. Me toca profundamente uma pessoa com sua estatura intelectual, ter a simplicidade que tem esse meu amigo.

Seu verso é um assombro de beleza. Filho de uma operária de uma fábrica de charutos em Muritiba, sua alma ecoa junto com as dores daqueles que carregam as marcas das rotinas oprimidas das senzalas. Esse meu amigo privilegia nos seus poemas personagens de vidas desafortunadas no plano sócio-econômico. É de sua autoria o poema que abordei no domingo passado sobre o "louco" ostentando medalhas de tampinhas de refrigerante.

Desde que esse amigo poeta entrou no meu dia a dia, minha vida se transfigurou. Até passei a agradecer ao mundo contemporâneo pela existência da internet. Acordo mais vivificada pelo ânimo que perpassa a nossa correspondência. Trocamos atenções, impressões, opiniões e partilhamos coisas de nossas histórias de vida. Ele me chama de modo carinhoso e brincalhão de "Doutora Freud". E tem uma arguta sensibilidade para apreender as coisas da psicanálise.

O seu livro de poesia intitulado "Pássaro de Vidro", para mim uma obra-prima, reside na minha mesa de cabeceira e já instigou em mim fantasias de voltar a sentar nos bancos da academia, para escrever sobre ele. O boletim poesia.net que envio a vocês às quartas-feiras, é trabalho árduo e precioso desse meu amigo. Por tudo isso e pelo que não tenho dom poético de por em palavras, feliz aniversário, Carlos!

Semana que entra especialíssima. Aniversário no mesmo dia de dois amigos poetas que são amigos entre si. Ter poetas como esses como amigos, é como poder se arriscar a viver na corda-bamba sem precisar morrer. Privilégio. Tê-los na minha vida é uma rede de proteção para a equilibrista de circo que sou. Equilibrista e grata.
                                                                                                          Marcia Gomes.

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