domingo, 1 de junho de 2014

01/06/14                        FINAL  DE  MAIO  E  PSICOLOGIA  DE  GRUPO

Semana de final de maio prenhe de significações. Significações apontando em diferentes direções. Saiu a publicação do livro "Andanças" de autoria de Ana Cecília Bastos. Um relato comovente em prosa e verso das suas viagens exteriores e interiores, com farto material fotográfico bonito e tocante de Mário Vítor Bastos. Se vocês quiserem ter acesso ao livro é só clicar no seguinte endereço do blog:  http://casulotemporario.blogspot.com.br/

Assisti no teatro ao monólogo intitulado "A Alma Imoral" com Clarice Niskier. O texto é baseado num livro do mesmo nome de autoria de um rabino.  Aborda criticamente,  relativizando, as "verdades absolutas" preconizadas pela chamada "moral dos bons costumes", apontando as ambiguidades que cercam o certo e o errado, o trair e ser fiel e por aí lá vai. Das falas constam muitos textos do Velho Testamento a exemplo do dilema de Abraão diante do imperativo de sacrificar seu filho e do castigo imposto à mulher de Ló, transformada em estátua de sal por ter olhado para trás na saída de Sodoma e Gomorra.

Rafael, meu filho adotivo, passou em segundo lugar num difícil concurso público para professor na Universidade Federal Fluminense. Estou muito orgulhosa dele.

Consegui finalmente sintonizar o canal "Arte 1" e assistir a um bonito seriado sobre Madame Bovary. O canal  (n. 183 na Sky) é todo voltado para programações artístico culturais de excelente qualidade, e soube por uma colega que exibiu há dias atrás depoimentos de analisantes de Lacan. Também estou ouvindo pela internet uma excelente programação musical com todos os gêneros e posso me deleitar com jazz, blues e música clássica.

Meu grupo de estudos do Seminário 6 de Lacan vai de vento em popa e tivemos uma espécie de sessão de supervisão teórica com uma excelente psicanalista do Rio para discutir as dúvidas da leitura.

Mas por que as significações do final de maio apontam em diferentes direções? O que representam para nós as nossas pequenas conquistas, as nossas pequenas alegrias, quando Meriam Ibrahim, uma jovem de apenas 27 anos foi condenada à morte por ser cristã no Sudão, onde impera a lei islâmica? Nesta semana de final de maio ela deu à luz na prisão. Será executada quando a criança fizer 2 anos. O que representam as nossas pequenas conquistas, pequenas alegrias diante desse panorama social estarrecedor, onde, por intolerância religiosa um bebê nasce sob a égide de um luto anunciado?

Diante desse panorama social estarrecedor, onde, por amor, uma jovem sudanesa muda de religião e se casa e por isso é condenada à morte como adúltera, como não lembrar do atualíssimo trabalho de Freud intitulado "Psicologia De Grupo E Análise Do Eu" , escrito em 1921, pouquíssimo tempo após a guerra mundial?  Nele, Freud diz: "Duas pessoas que se reúnem com o intuito de satisfação sexual, na medida em que buscam a solidão, estão realizando uma demonstração contra o instinto gregário, o sentimento de grupo".

Neste mesmo trabalho, Freud diz que sob a situação de grupo um indivíduo pode passar a agir de modo inteiramente diverso do que poderíamos prever pelo que dele conhecemos em estado de isolamento pessoal. O funcionamento em grupo pode promover uma suspensão das repressões de impulsos instintuais inconscientes, implicando no desaparecimento da consciência ou do senso de responsabilidade, sob o impacto de uma espécie de efeito de contágio, consequência de uma intensa sugestionabilidade. No grupo o indivíduo corre o risco de ser submisso e tende a ter reduzidas as suas capacidades de julgamento e de crítica.

Analisando o caso particular de grupos como o exército e a religião, Freud diz que via de regra a pessoa não opina sobre pertencer ou não a esses grupos ou não tem escolha sobre seu desejo de deles fazer parte. Qualquer tentativa de abandoná-los é submetida a perseguição ou violentas retaliações.

Segundo Freud, nesses grupos cada elemento está vinculado por laços amorosos (libidinais) a um líder a quem obedece, e se torna hostil com os desobedientes e/ou pertencentes a grupos divergentes. E mais: em quaisquer reuniões de pessoas podem ser encontradas características similares a esses grupos. Quem de nós não conhece grupos de trabalho e/ou sociais em que interagir ou mesmo simpatizar ou não com um colega, passa pelo crivo da suposta aprovação do "mestre"?

Ainda segundo Freud, os laços amorosos com os semelhantes do grupo e com o líder, estão diretamente relacionados ao mecanismo de "Identificação". O indivíduo abre mão do seu ideal do eu, em nome do ideal grupal, encarnado pelo líder. Trabalho atualíssimo esse de Freud. Nada de novo sob o sol? O que representam as nossas pequenas conquistas, as nossas pequenas alegrias diante de um panorama social estarrecedor?

Todos nós sabemos (hoje me atacou a veia psi) que embora não seja possível prever, já que as questões da subjetividade são as da singularidade, que possivelmente para um bebê que nasce de uma mãe deprimida, o trabalho psíquico deste bebê para vir a se constituir um sujeito desejante é muito mais árduo. O que dizer do bebê de Meriam, que nasceu numa prisão de uma mãe condenada à morte? Condenada à morte por ser seu bebê fruto de uma união amaldiçoada por toda uma cultura! 

Pode ser exposição pessoal demais o que vou dizer. Afinal, ocupo o lugar de psicanalista. Afinal, parece que não pega muito bem para uma psicanalista, exposição pessoal como essa que costumo fazer no meu "Blá, blá, blá......". Mas não posso deixar de dizer: toda vez que acompanho no noticiário o drama de Meriam, choro e torço, um pouco desesperançosa, que o final de maio seja prenúncio de tempos onde se possam construir defesas eficazes contra os perigosos e às vezes desastrosos efeitos de grupo.

 Que haja um final de maio onde eu possa curtir sem constrangimento a vitória do meu filho no concurso, o meu estudo de Lacan, ter ido ao teatro , ter podido assistir Madame Bovary  e ler o "Andanças" .
                                                                                                    Marcia Gomes.

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