sábado, 7 de junho de 2014

08/06/14              VAMOS  TORCER  PELO  BRASIL??

Sou muito observadora. Nem sempre dou minha opinião, mas observo. Depois que abandonei a militância de esquerda na adolescência, acompanho acontecimentos políticos com um certo distanciamento e não me sinto autorizada a participar de grandes polêmicas. Na verdade não tenho muita motivação para travar debates políticos. Tendo a achar que cada um é livre para pensar e se posicionar como quiser e não me vejo no lugar de tentar "fazer a cabeça" de ninguém. Isso definitivamente ficou no passado. Mas observo e como observo!

No ano passado fui a uma doceria elegante que fica num bairro de classe alta e média alta aqui em Salvador. Sozinha, sentei em uma mesa com mais três lugares vazios e numa típica transgressão de diabética, pedi um doce. Comia meu doce um tanto constrangida pela culpa e principalmente por estar naquele bairro nobre. Sou de origem humilde, meu pai era simpatizante dos comunistas e por isso tenho bom gosto, sem haver sido acostumada a hábitos de consumo muito extravagantes. Gosto de comer bem e de frequentar eventos artísticos e culturais interessantes, mas sem o apoio de amigos por perto, fico um pouco acanhada nesses ambientes mais burgueses. Mas comia meu doce provavelmente pensando "abobrinhas" sobre os dilemas existenciais que ocupam a cabeça da gente numa tarde de dia de trabalho em que nos permitimos "vagabundar".

De repente aproxima-se da minha mesa um senhor de uns 45 anos, alto, forte simpático e negro. Vestia um uniforme com o nome de um edifício gravado na camisa. Pediu licença e perguntou se podia sentar à minha mesa. Concordei e ele sentou. Muito à vontade, pediu uma torta e um refrigerante e enquanto comia começou a conversar comigo. Contou-me sem qualquer constrangimento que era porteiro de um edifício vizinho e que de vez em quando gosta de ir à doceria comer a "Torta de Baba de Moça", a sua preferida. Mas acrescentou que é muito de vez em quando por causa de doer nos bolsos. Contei-lhe que sou psicóloga e ele me perguntou quanto custava uma consulta. Respondi. Então ele objetou que jamais poderia pagar um psicólogo particular e me perguntou sobre a oferta de serviços gratuitos no mercado. Assim, dali a pouco, estávamos conversando como dois amigos e eu já me esquecia que estava numa doceria burguesa.

Saí da doceria gratificada com aquele encontro e pensando com meus botões. Pensando, admirava aquele homem negro, porteiro de edifício que com todo auto-respeito sentava-se ao lado de uma senhora que na sua cabeça deveria também ser burguesa, e com todo o direito comia a sua torta e conversava animadamente. Pensei que em tempos atrás uma cena como aquela jamais aconteceria. Onde já se viu um negro, porteiro de edifício, entrar num ambiente daqueles e pedir para sentar à mesa de uma branca? Então pensei que os tempos estão mudando para melhor. Algo, não sei bem o quê, estava mexendo com a consciência de cidadão daquele homem. Pensei que aqueles que torceram o nariz para a presença de minha empregada como convidada na minha festa de 60 anos, ficariam meio irritados diante daquela cena. Na minha festa de 60 anos, apresentei Nice a uma amiga, que, fingindo que não entendia o que estava se passando, virou as costas e deixou minha empregada com a mão estendida.

Esse ano, há uns poucos meses atrás, fui com uma amiga de novo a uma doceria-sorveteria que fica num bairro também de classe alta e média alta. Conversávamos animadamente quando dei pela presença de um senhor mulato que eu conhecia, na mesa ao lado. Ele estava com o família. Cumprimentei o senhor e comentei com minha amiga o meu desconforto por não saber de onde o conhecia. Reconhecia a fisionomia e mais nada. Me deu um branco amnésico de sexagenária. No fim de semana passado fui à padaria do meu bairro e na volta peguei um táxi muito "peba". Um carro já meio velho, passando do ponto. Imediatamente reconheci o motorista. Era o senhor que eu encontrara na doceria-sorveteria e não reconhecera. Terá sido o meu branco  amnésia de sexagenária ou um lapso preconceituoso? Talvez eu jamais imaginasse encontrar o motorista daquele táxi "peba" naquele lugar. Ao sair do táxi e me despedir do senhor, pensei de novo que os tempos, numa certa perspectiva, parecem estar mudando para melhor.

Aconteceu também de eu ir a convite de uma amiga a um restaurante japonês caro. Usufruímos do delicioso sushi e jogamos uma boa conversa fora. Na conversa a minha amiga me contou algo estarrecedor e estapafúrdio com ares de terrorismo ideológico: ela recebeu um E-mail de um senhor conservador conclamando as pessoas a se empenharem no trabalho para o retorno do Brasil aos tempos da ditadura militar. Isso deve ser coisa daqueles mesmos que acham a presença de uma empregada negra na festa de aniversário da patroa, um acinte. Pensei com meus botões.

 Saímos do japonês comentando alegres sobre quantas pessoas negras e  outras, não necessariamente negras, mas parecendo ser de classe média baixa, estavam naquele restaurante. Comentamos que sob esse ponto de vista o Brasil está mudando. As camadas mais desfavorecidas a nível sócio-econômico, estão, de certa forma, tendo acesso a bens e serviços que não tinham há poucos anos atrás, mesmo que a gente observe, infelizmente, um grande aperto no poder aquisitivo da classe média.

Aos que estão me lendo, quero esclarecer. Não sou do PT. Não pertenço a partido algum nem quero pertencer. Voto de acordo com minha consciência e meu assunto prioritário são as questões da subjetividade. Quando vejo pessoas desfavorecidas tendo acesso a benefícios, fico feliz pelo quanto isso representa de ganho na sua condição de sujeitos desejantes. A mim não toca muito se isso vem da iniciativa desse ou daquele partido. Sempre, pela educação que recebi, estive torcendo pelos deserdados pela sorte, pelos oprimidos, pelos excluídos dos laços sociais. Fico muito feliz quando se instaura uma "Comissão da Verdade" e aparece no horizonte a possibilidade dos carrascos torturadores e assassinos da ditadura militar serem punidos.

 Contudo, acho as questões políticas que povoam as cabeças dos brasileiros num ano de eleição, cheias de complexas controvérsias e não considero que eu tenha nível de informação suficiente para sustentar um debate a esse respeito. Minha questão é a psicanálise recheada de uma boa dose de literatura e de artes em geral. Mas observo. E como observo.

Não acho que as conquistas obtidas pelo povo brasileiro estejam agradando à classe dominante. Pelo que conheço da "Psicologia de Grupo" do meu tão admirado Freud, não acho que manifestações violentas e anárquicas contra a Copa do Mundo, assunto que tão bem vem ao encontro do espírito e dos anseios do povo, sejam espontâneas e sem liderança. Acho que o terrorismo e a barbárie que estão sendo anunciadas pelos "manifestantes" para a ocasião da Copa servem a interesses ideológicos claros de desestabilizar o país num momento em que os holofotes da imprensa internacional estão voltados para nós. Por isso, volto à "Psicologia de Grupo" de Freud. Os vândalos covardes, mesmo escondidos sob um capuz, pretendem agir com endereço claro e atendem a uma liderança que os manipula. Que liderança será essa tão insensível ao gosto do brasileiro pelo futebol? 

O mês de junho começou. Soube por uma leitora que Meriam não vai mais ser assassinada. Junho, Santo Antônio, São João, Copa do Mundo. Coisas de brasileiro. Coisa de quem deve e sabe construir defesas contra efeitos de grupo perigosos e desastrosos. Coisas de quem não quer retornar a um passado político que só nos encheu de terror e vergonha. Vamos todos buscar honrar a bandeira brasileira. Vamos todos vestir a camisa da Seleção Brasileira e torcer pacificamente. Conscientes de que cabe a cada um de nós a tarefa de construir um país do qual nossos filhos possam se orgulhar. Um país onde porteiros de edifício possam comer "Torta de Baba de Moça" numa doceria chique e também e principalmente, ter acesso a atendimento psicológico acessível e de qualidade.
                                                                                                                Marcia Gomes.

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