domingo, 14 de junho de 2015

14/06/2015                                ATUALIDADE

Atual idade. Dar-me conta da idade atual. Atualizar meus amigos e colegas leitores sobre o momento que vivo. Faço 62 anos no próximo dia 19. Atual idade. Postei no meu Facebook algo que são amarras que se desfazem e se tornam gaivotas voando libertas. Sinto-me como uma gaivota voando liberta. Atual idade. Estou cuidando da saúde e em breve vou me submeter a um procedimento de bloqueio da dor que requer hospitalização por um dia. Estou confiante que vai dar certo.

 Atual idade. Resolvi que na data do meu aniversário vou fazer uma celebração à moda marciana. Escolhi sair com uma prima e um amigo ambos queridos, para um jantar informal sem cunho de festividade. Talvez almoçar com duas ou três amigas mais íntimas se elas puderem, sentindo prazer em usufruir da companhia, também sem cunho de festividade. É o meu desejo. Sinto-me envelhecendo. Será que envelhecer deixa a gente menos festeiro e mais seletivo? Não sei, não sei. Só sei que esse ano pelo menos, não cabe festejar. Nunca fui muito afeita a meu aniversário. Também não sou muito amiga de festas. Sou tímida, um tanto taciturna, e me sinto mais à vontade em pequenos grupos. Lembro que Lívia, uma sobrinha querida que é também psicóloga e mãe da meiga Iasmin, faz aniversário comigo. Parabéns, Livinha !!! Para mim, manifestações de felicitações são bem vindas, mas sem clima de festividade. Esse é o meu desejo.

 Quero exercer meu desejo. Faço 62 anos sob a égide de ventos que anunciam bons presságios. Me sinto animada. Instalada sem lamentações no fato de que sou uma senhora mais que sexagenária e que isso implica algumas perdas necessárias. Felizmente, nos últimos anos, perdi muito peso infelizmente sem fazer atividade física. Aceito que tenho que me deparar com as desagradáveis consequências disso, que me deixam com uma aparência bem mais envelhecida, ainda mais tendo assumido meus cabelos brancos. Assumi com prazer. Por outro lado, minha saúde melhorou bastante e as minhas taxas de colesterol, triglicérides etc, etc, estão maravilhosas. Não é fácil lidar com uma relativa perda do vigor da juventude, mas me ancoro em algumas saídas sublimatórias. Por exemplo, tenho meu trabalho que adoro e vivencio com muita alegria a experiência de maternagem adotiva. Meu filho Rafa está muito bem instalado em Porto Seguro como professor da UFSB. Nos próximos dias vai  receber a esposa que mora em São Paulo e está feliz com isso.

Sinto-me privilegiada por trabalhar no que gosto. Estive por um longo período com o meu desejo pela psicanálise muito amortecido. Amor tecido. Amor ter sido. A morte sido. Renunciar ao gozo mortífero para que como Fênix renasça das cinzas e possa fazer as pazes com o que sou, como sou, jogando rótulos aprisionadores e estigmatizadores no lixo. Parece que faço pazes com a psicanálise. O movimento na minha clínica tem melhorado de modo relativamente satisfatório, considerando que o país vive um momento de crise e que estou na psicanálise há pouco tempo.

Sofro ainda e muito com um problema de refluxo esofágico somado a interação medicamentosa que me causam uma dificuldade sensível de articular a fala. Isso é muito complicado para alguém para quem falar é uma necessidade visceral. Essa desagradável limitação muito me inibiu de frequentar grupos e poder conversar livremente. Enquanto não se resolve, tenho usado algumas saídas paliativas que não me impeçam de todo de me exprimir principalmente em situações de trabalho. Fiquei muito feliz de ter aceito o desafio de preparar um trabalho sobre o estado amoroso para apresentar em outubro no seminário da Letra Freudiana em Salvador. Vou apresentar falando como posso. Também fiquei feliz de ter ido esta semana ao Campo Psicanalítico assistir ao debate sobre os nós do sintoma na entrada em análise. Provavelmente volto lá no dia 16 para participar do "Bloomsday". Marco da data em que transcorre a narrativa de Ulisses de James Joyce.

Por coincidência o dia 16 é também muito importante por ser o aniversário de minha mãe. Eu e ela temos tido uma relação muito amorosa. Agora, nesse período próximo ao São João, o movimento no consultório tem uma queda por conta do feriado e férias escolares. Por isso não é o melhor momento para eu viajar para vê-la. Mas assim que puder, o farei. Para mitigar a saudade falo com ela duas vezes por dia. Gostaria muito que meu irmão com quem Dona Myriam mora, dispusesse de tempo para colocá-la no Skype para conversarmos mais ao vivo. Mas nem tudo é como a gente gostaria. Torço para que minha mãezinha fique contente com o presente e o cartão que pedi à minha cunhada que comprasse para ela.

 Estou um pouquinho preocupada porque por conta de uma viagem do meu irmão e minha cunhada, minha mãe talvez vá também viajar e se hospedar em Aracaju na casa de minha irmã mais velha. Sandra é muito amorosa e cuidadosa com ela que é apaixonada por Alfredo, seu genro. O motivo da minha preocupação é que minha mãe sofre um certo abalo com mudanças geográficas. Fica um pouquinho desorientada. Só de saber que talvez viaje, ela tem chorado às vezes, e tem apresentado lapsos de memória preocupantes. Me disse com sua vozinha sumida e triste, que não aguenta mais fazer viagens. Se fosse só pela minha vontade, Dona Myriam permaneceria instalada no seu cantinho em Maceió, sem precisar passar por mudanças estressantes. Mas nem tudo é como a gente gostaria.  Meu irmão e minha cunhada cuidam dela com muito amor e dedicação e precisam viajar.Me consola saber que tenho podido usufruir de uma gratificante relação com minha mãe. Fico muito contente de vê-la fisicamente plenamente recuperada da mastectomia que sofreu no ano passado, momento em que vocês muito me apoiaram.

Não sem esforço (não consegui dar conta de toda a leitura), mas com muito gosto, me preparei para a discussão com uma psicanalista da Letra Freudiana do Rio. É que eu e uma colega muito querida estamos há 2 anos estudando o Seminário 6 de Lacan e de 2 em 2 meses tiramos nossas dúvidas com essa psicanalista do Rio. É muito rico e proveitoso. Se as contingências ajudarem, pretendo no segundo semestre participar de um trabalho sobre o Seminário de Lacan "O Ato Analítico" com essa psicanalista. Também estou me organizando para ver se retomo minhas sessões de supervisão.

Tanto quanto o problema da coluna permite, tenho estado com amigos e adorei assistir "O Sal da Terra" com um amigo muito querido. No feriado passado encontrei com uma amiga que não via há muitos anos e por quem tenho muito afeto. Fiquei muito feliz de saber que ela vai ser avó. Num desses fins de semana fui à casa de outra amiga adorável e confortavelmente instaladas assistimos a uma aula de um psicanalista. Na saída ainda ganhei de presente uma almofadinha milagrosa para descansar a coluna. Almocei no fim de semana passado na Ceasinha   do Rio Vermelho com duas outras amigas. Mesmo com muita dor, foi um programa delicioso.

 Tendo um orçamento que não me dá folga, tenho me permitido fazer pequenos gastos como cortar o cabelo e fazer a unha, sem que por isso precise me sentir em dívida, como se o outro (aqui faço questão de usar letra minúscula) estivesse me pedindo  explicações de como uso meu dinheiro. Finalmente comprei sem culpa uma secretária eletrônica para meu consultório. O telefone da antiga não funcionava mais e o conserto sairia mais caro do que a compra de uma nova. Não me sinto em dívida. Tento aceitar o afeto que as pessoas que me querem bem me oferecem, sem que eu tenha que pagar algo por isso. Apenas fico muito grata. Muito grata mesmo. Como fiquei quando ganhei um maravilhoso puf para descansar os pés dando trégua à coluna. Vocês estão notando que toda hora estou falando da coluna?

Tem a chuva, mas estou curtindo muito a atmosfera de prenúncio de inverno. Há uma temperatura mais amena e os dias de céu mais sombrio me lembram São Paulo com suas veredas enganosas e prédios elegantes. Se o bom momento que estou vivendo se mantiver, qualquer hora dessas dou um pulo em São Paulo. Depois de tantos anos sem me permitir ir até lá, quero ver os caules de suas árvores dolorosamente maltratados pela fuligem da poluição. Quero ver São Paulo tão bem cantada na crônica musical de Paulo Vanzolini. "Cena de sangue num bar da Avenida São João". Quero ver são Paulo, essa banda de Moebius cantada por Caetano. "Porque é o avesso, do avesso, do avesso, do avesso." 

Sexta-feira, dia dos namorados, mesmo sem namorado assisti  ao filme "O Homem que Elas Amavam Demais" com Catherine Deneuve. No mínimo instigante. Sempre gostei de ir ao cinema sozinha. Não tenho vontade de assistir à programação pasteurizada e de péssimo gosto da Globo, com suas investidas tendenciosas contra o governo e fazendo um alarde mentiroso e sensacionalista a respeito da crise econômica que o país atravessa. Mesmo assim, assisti e gostei da entrevista dada pela presidente Dilma a Jô Soares. Acho que ela se saiu muito bem.

 Tenho me divertido muito com a programação do canal Arte1. Assisti a um longo e interessante documentário sobre João Cabral de Melo Neto. Fiquei triste de saber que ele já ficou internado num hospital psiquiátrico por um período. Lamentável. Na entrevista que ele dá no documentário, diz que dos bons poetas brasileiros Drummond é o menos lírico. Lembro que estou tomando um remédio para dor na coluna chamado Lyrica. Parece que mais o nome poético do que propriamente a medicação, me traz um alívio. Ai, as palavras, que felizmente nos permitem enveredar por novas cadeias significantes. Ai, as palavras.

Bom poder resgatar um pouco o meu gosto por brincar com as palavras, sem ficar atormentada pelo que posso interpretar como imperativos superegóicos do Outro. Ator mentada. Ator mentida. Essa brincadeira aqui estou tomando emprestado a um amigo poeta que a pronunciou no masculino numa sessão de análise. Atual idade. Tempo de me autorizar sem rótulos aprisionadores. Tempo de viver sem  pedir desculpas por existir. Descobri que os matizes de púrpura que atribuí às mães e a mim em texto anterior, são marcas vermelho- sangue de muito sofrimento. Mento. Minto. Tempo de dizer não ao sofrimento um tanto masô pelo qual me deixava às vezes tomar. Aprendi que na etimologia da palavra "sádico" tem algo de sapo. Sapo, aquele animal asqueroso que me causa repulsa e que diz a lenda que  lança um líquido no olho da gente e nos deixa cegos. Cegos para não ver que toda masô tem um lado sádico, um lado de sapo, aquele animal asqueroso que me causa respulsa.

O sangue do sofrimento pulsa em minhas veias parecendo não me dar trégua. Trégua, égua. Animal elegante fêmea do cavalo. Trégua lembra ser mulher emparceirada e elegante. Quero me dar trégua. Aos 62 anos, que seja. Afinal o inconsciente é atemporal. Rimou. Rimo, rimo. Muro de arrimo pra me sustentar, ou me sustentar no fio tênue do equilibrista?
                                                                        Marcia Gomes.

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