segunda-feira, 14 de julho de 2014

13/07/14                             LUTO  E  GRATIDÃO

Escrevo a uma amiga querida que está no exterior. Digo a ela que do momento que vivo o que mais me importa é o quanto de amor tenho experimentado em relação a minha mãe. Comento com a minha amiga que minha mãe parece um filhote de passarinho precocemente expulso do ninho e isso me causa uma ternura incomensurável. A sua vozinha frágil, o seu entusiasmo quase sem fôlego pela leitura que fez da Bíblia. Ainda há pouco falei com ela ao telefone e combinamos de ler um trecho da Bíblia para comentar. Vou ler. Não sou afeita a Bíblia, não tenho religião, estou mais para os descrentes do que para os crentes, mas vou conversar com minha mãe sobre a Bíblia porque sei que isso lhe faz retornar ao ninho do qual parece exilada.

Hoje faz um sábado ensolarado. A tristeza com o derrota da Seleção Brasileira para a Alemanha, vai se acomodando. Amo o meu país e por isso torci para que vencêssemos a Copa, ainda que consciente que mereceria vencer o time que fosse melhor. Não me anima participar de debates sobre o que Felipão deveria ter feito, não me anima participar de debates que tendem a misturar questões do cenário político brasileiro com o futebol. Não gosto de discutir política, tampouco gosto de futebol. A minha torcida pelo Brasil foi inspirada num sentimento de nacionalidade. Fico triste de ver que o "vexame" dado pela Seleção serve de pretexto para alguns desqualificarem o nosso país, misturando alhos com bugalhos.

 Na lanchonete do prédio de meu consultório tive a tristeza de ouvir de uma madame pertencente à classe dominante, que as lágrimas dos jogadores eram lágrimas de crocodilo e que eles foram subornados por Dilma para ganhar a Copa. Fiquei estarrecida com a tonalidade delirante do discurso da madame. Lamentei que os incômodos com o governo Dilma ou com o governo de Fulano de Tal, se tornem mais relevantes do que o desejo de vermos o nosso país com uma bonita imagem lá fora, se tornem mais relevantes do que o desejo de alcançarmos direitos sociais mais igualitários, numa sociedade mais justa.

 Minha mãe costuma dizer :"um cão danado, todos a ele". Pelos sérios equívocos que cometeu, a nossa Seleção virou um cão danado. Muitos se colocam violentamente contra ela, fazendo-a de bode expiatório das próprias insatisfações. Aliás, tenho escutado com uma certa desconfiança o discurso de pessoas ricas da classe dominante que nunca estiveram nem aí para como sobrevivem os pobres, se posicionando contra a Copa porque o dinheiro gasto nela privou o nosso povo de saúde e educação. Desde quando madames e senhores endinheirados estiveram preocupados com o acesso a bens e serviços do nosso povão sofrido que gosta e se alegra com as conquistas do nosso futebol?

É lamentável que um evento como uma Copa do mundo que está acontecendo de forma pacífica e enobrecedora para a imagem de nosso país, um evento em que recebemos tão bem aos estrangeiros, em que a torcida brasileira portou-se com tanta dignidade apostando todas as fichas na torcida pela nossa Seleção, vire cavalo de batalha de correlações de forças políticas onde cada um pensa em como tirar o melhor partido, negligenciando por completo a dor do luto do povo brasileiro que investiu na Seleção como um possível alento para seu cotidiano sofrido.

Sou brasileira e me orgulho disso. Assisti ao jogo contra a Holanda na disputa do terceiro lugar. Fiquei emocionada na hora em que foi cantado o hino nacional, fiquei contente pela presença maciça da torcida brasileira no estádio apoiando os nossos jogadores e aplaudindo respeitosamente a Seleção da Holanda quando o resultado outra vez foi muito desfavorável para nós. O povo brasileiro está triste. O povo brasileiro está de luto. Eu também estou. Mas não me canso de repetir que o nosso país está de parabéns pelo bonito que tem sido a Copa, a ponto de os jogadores alemães terem pedido desculpas por terem derrotado de forma dramática a um povo que os recebeu tão bem.

Estou de luto e tolero mal as investidas revanchistas tipo golpe baixo dos representantes da direita que se comprazem em dizer "tá vendo aí, não disse? Foi pouco! Que bom que o Brasil perdeu!!" Tolero mal aqueles que por questões políticas de aversão a esse ou aquele governante ou partido político não podem se solidarizar com o dor do povo brasileiro e não podem se orgulhar da bonita Copa que fizemos independentemente de termos sido derrotados ou não. Tolero mal quem não ama este país em que vivemos e gosta de se nutrir de comparações desinformadas e viesadas do que temos, com o que existe no exterior. Acho que não é hora de tamponarmos a frustração que sofremos escolhendo bodes expiatórios para acusar. É hora de viver a dor com a mesma dignidade com que nos conduzimos até aqui. Então vou me recolher e enquanto isso examino os inúmeros E-mails que já recebi de retornos dados por meus leitores do "Blá, blá, blá domingueiro.....".

Desde 2012 escrevo essa crônica dominical. Já se aproxima de fazer um ano que criei o blog e se acumulam na minha caixa de entrada inúmeras mensagens de pessoas muito sensíveis, dizendo de como a crônica as toca, como o que escrevo chega a elas. Na verdade ao que eu chamo de crônica vem sendo um texto em prosa às vezes muito introspectivo, às vezes o relato de um caso, às vezes ficcional, muitas vezes autobiográfico quando muito me exponho expressando sentimentos e opiniões e fatos de minha própria vida. Às vezes está razoavelmente escrito, às vezes é apenas uma garatuja literária muito rudimentar, tomada que posso estar pelo afã de fazer interlocução com o outro, negligenciando questões de estilo ou mesmo da boa redação. 

Não importa. O que vejo nas mensagens que recebo é que o outro me lê com carinho. O outro parece adivinhar no "arremedo" de escritora, a pessoa que há por trás do que está dito no texto. E essa pessoa sou eu. Gratificada por tudo que me dizem e que muito me importa. Tendo a sensação de que por mais solitário que prometa ser um domingo, no final não será solitário, porque muitos retornos virão. Tendo a sensação de que mais que um passa-tempo, este escrito já é um compromisso amorosamente construído com meus leitores. São poucos, mas há aqueles para quem escrevo e que nunca me disseram uma palavra nem de sim, nem de não, nem oralmente, nem por escrito. Não importa. Importa a grande maioria que tem algo sempre a dizer mesmo que não diga sempre. Importa é que no último dia de jogo de uma Seleção derrotada eu tenho uma caixa muito grande e muito terna de E-mails recebidos, sobre a qual eu posso me debruçar como uma brasileira enlutada, mas agradecida.
                                                                               Marcia Gomes.

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