domingo, 27 de julho de 2014

20/07/14                                       DIVAGÂNCIAS

Os dolorosos confrontos na Faixa de Gaza. O trágico "acidente" de avião pondo fim à vida de centenas de pessoas. A triste notícia da morte de João Ubaldo. Nada me doeu mais do que a perda de Rubem Alves. Poeta, educador, pensador, um ser humano extraordinário que disse coisas tais como: "Amar é ter um pássaro pousado no dedo. Quem tem um pássaro pousado no dedo sabe que, a qualquer momento, ele pode voar." Pessoas como Rubem Alves, não importa o legado que deixem, não deveriam ir embora nunca porque teriam sempre algo bonito a nos dizer.

Lamentei tomar conhecimento do fato pelos noticiários. Lamentei não ter na hora ninguém a meu lado para conversar.  Assistir a noticiários é um árduo exercício de não nos sentirmos autorizados a viver a nossa dor de perder alguém como Rubem Alves. Alguém que independentemente de ser famoso, nos importa porque ajudou a construir um cotidiano mais humano, sensível, particular. E quem disse que noticiário quer saber de cotidiano particular?

 Assistir a noticiários às vezes sensacionalistas, onde o repórter global diz com a mesma inflexão de voz tanto que vai chover, quanto que um desastre aconteceu, é algo que faço a contragosto. A publicidade dada ao acontecimento, a despeito de como vai repercutir na subjetividade de cada um, acaba, às vezes, se prestando mais a comentários nas rodas sociais, se banalizando.  A notícia, tal como é contada, muitas vezes nos afasta de fazer um contato solidário com a experiência e nos tornamos ocos expectadores da manchete. Preferia que alguém querido tivesse me contado da partida de Rubem Alves e nos oferecêssemos um ombro amigo.

Então tento sair do foco da notícia publicada e, como consolo, penso no que acontece no meu mundinho particular. No meu mundinho particular ganhei três presentes muito especiais. Uma coleção bonita da obra de Manoel de Barros com um cartãozinho muito delicado. Vou deixar enfeitando de poesia os meus intervalos de trabalho no consultório. Uma amiga chegou de uma viagem à Itália e me deu um ímã de geladeira com a Pietá. Não sei como se escreve o nome dessa obra tão impressionante mas ela já está conotando de imensa beleza doída a porta da minha geladeira. Finalmente outra amiga querida me enviou um quadrinho de parede com essa interessante frase de Freud: "Não permito que nenhuma reflexão filosófica me tire a alegria das coisas simples da vida." Sábio o meu querido Freud. Provavelmente não gostava de notícias e se permitia se deter no seu mundinho particular.

Três presentes. De pessoas diferentes que me querem bem e sabem quem sou. Que bonito isso! Me sentir reconhecida pelo outro. A alegria das coisas simples da vida prescindindo de reflexão filosófica.

Ontem fez 28 anos a filha de uma amiga que eu vi nascer. Ontem também foi aniversário de um querido sobrinho de quem me perdi. Não sei onde mora, não sei o que anda fazendo, só sei que tem duas filhinhas lindas que eu não conheço. E como isso dói! Terça-feira próxima será também aniversário de um "brother" muito querido. Às vezes parece que os sobrinhos emprestados pelos amigos acabam por ter mais a nos dizer. Esse "brother", também filho de uma amiga, nasceu no ano em que retornei de São Paulo para Salvador. Vivi a gestação da minha amiga por um lado, alegre pelo "brother" que viria, por outro lado terrivelmente enlutada pelo como foi a minha despedida de São Paulo.

Ver os filhos dos amigos que a gente botou no colo, limpou o primeiro cocô se tornando cidadãos de bem, adultos construindo uma vida amorosa e profissional, me alegra e me enche de vontade de parar o tempo antes que a velocidade com que passa me atropele com a sensação de "nunca mais". Então saí ontem à tarde e fui cortar o cabelo. Eu que o assumo grisalho, de repente senti uma impetuosa vontade de pintar. Pintar o cabelo para não ficar sem saber o que fazer quando um senhor muito gentil se oferece para me ajudar a atravessar a rua. O cabeleireiro me leva até um táxi e me chama respeitosamente de senhora. Encontro no shopping com uma amiga com quem acampei em Visconde do Mauá quando vivia em São Paulo. Nunca mais poder encarar uma viagem de acampamento. Saber que não tenho tempo hábil para estudar todos os seminários de Lacan.

Voltando pra casa encontro me esperando no meu prédio minha querida Maroca. Lembram de Maroca? Aquela senhora retinta de negra que trabalhou na minha casa no começo da minha adolescência. Aquela que encontrei na rua um dia por acaso, sobre quem escrevi um "Blá,blá,blá...." intitulado  "Mara à vista" contando de como um encontro por acaso na rua se converteu numa longa e rica visita. Pois é. Reencontrei Maroca ontem para saber que felizmente a memória é o melhor antídoto para "nunca mais". Para Maroca ainda sou aquela menina namoradeira que gostava de rapazes mais velhos, aquela menina que gostava de cantar e não tinha medo de cassetete de polícia nas passeatas contra a ditadura. Para Maroca serei sempre aquela menina. Tendo Maroca a meu lado sem receio de me chamar de você, volto a ser menina. Menina de cabelo grisalho. Por que não?
                                                                                                               Marcia Gomes. 

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