quinta-feira, 3 de outubro de 2013

"Blá, blá, blá domingueiro...." e....A propósito do amor.


Texto 15/09/2013


Foto: O Verão em Itapoan. Fazendo Arte com Gravetos. Contorcer-se de Dor?
Autor: Joaquim Leal Gomes (in memoriam)


Vilma e Dinho, dois nenúfares. Nenúfar, linda flor aquática. Dois nenúfares nascidos e criados em Novos Alagados. Não sei ao certo quando conheci o nosso querido Dinho, José Eduardo Ferreira  Santos. O meu registro é de quando ele, então orientando de Ana Cecília (junto com Virgílio, sua em breve madrinha de casamento), defendeu sua dissertação de mestrado na Ufba.
 
Registro importante, porque somente ele, na sua especialidade como intelectual e sobretudo na sua especialidade de alguém cuja alma reluz, me faria retornar, séculos depois, à Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, após o meu traumático pedido de demissão, como professora do Departamento de Psicologia.
 
Somente Dinho me faria retornar a São Lázaro. Voltei a São Lázaro (meu Deus, quem diria! quando me despeço das coisas com dor, nunca mais.....) especialmente para assistir à defesa de Dinho. Obrigada, Dinho! Só assim pude ressignificar São Lázaro. Omolu. Vestido e dançando de modo a esconder suas chagas, e, como Dinho, cuidador das chagas do outro. Dinho cuida das chagas do outro com arte. Com a arte.
 
Me vejo sentada num auditório em São Lázaro, literalmente aos prantos de comoção com a figura de Dinho, com seu trabalho de acolher com a arte os seus companheiros de origem social, talvez não tão "resilientes", não tão afortunados quanto ele, no enfrentamento das crises do desenvolvimento.
 
Na ocasião escrevi para ele um texto intitulado "Olhos Alagados" me referindo a meu pranto comovido e às suas raízes bem plantadas em Novos Alagados. Dali em diante ficamos amigos. Ana Cecília tem a generosidade de me franquear amigos queridíssimos. Dinho é meu amigo, queridíssimo! Que privilégio, o meu! Como escreve bem o danado! Como sabe afirmar e firmar seus pontos de vista. E que sensibilidade!
 
Conheci Vilma, sua parceira, companheira e em breve esposa, num jantar de celebração da criação de um CD de fotografias feitas por meu pai. Projeto a que Dinho deu a maior força. Se fosse pela vontade dele, as fotos já estariam sendo publicadas em livro. Dinho e Vilma como casal jantando em minha casa. Em Vilma, primeiro me chamou a atenção o belo ébano da sua pele reluzente, seus músculos rijos (que inveja!), seu sorriso tímido e tão generoso.Por tudo isso e, sobretudo, pela altivez do porte, julguei que talvez Iansã tomasse conta da sua cabeça. Entretanto, quando vi Vilma sentada à mesa ao lado de Dinho enquanto eu fazia um discurso lacrimoso (haja lágrimas, Dona Marcia!), me convenci que Oxum dela toma conta. A sua doçura de timidez "traquina", mas, especialmente, a sua postura junto a seu parceiro, me fizeram nisso apostar.
 
Que me perdoem as feministas ou que vão ao Diabo que as carregue (não gosto de feministas), fiquei encantada como Vilma, quase silente, sabia se fazer presente no jantar sem obscurecer o brilho de seu companheiro. Olhava para ele com candura em sinal de reconhecimento e aprovação.
 
Muitos sabem, o meu ofício é ocupar o lugar de psicanalista. Ao que parece, para a psicanálise homem e mulher só podem ser "iguais" em direitos sócio-econômico-políticos. Por isso constatei, com alegria, que ali havia uma parelha: de um lado, posicionada como homem, de outro lado, posicionada como mulher. Homem e mulher. Quem sabe, por sermos falantes, para além da anatomia, seres irremediavelmente diferentes. Irremediavelmente. Tendo a mulher o privilégio de ser causa de desejo do seu homem. Havia uma centelha de desejo, indiscutivelmente, entre Vilma e Dinho. E o desejo, para mim, muito além está de ser somente desejo sexual. Diria que é desejo de desejo. Discretos, sem exibições desnecessárias, Vilma e Dinho formam um casal. Coisa rara!
 
Quando fui à exposição do "Acervo da Laje" (museu de arte popular construído e bancado por Dinho e Vilma, como uma iniciativa de incentivar e resgatar a criação artística de pessoas do povo, quase desconhecidas), pude fazer contato com os dotes de quituteira de Vilma. Preparou, com esmero, comidas deliciosas para o evento.
 
Olha aqui, de novo, o homem e a mulher em parceria: enquanto Dinho apresentava as obras do "Acervo" aos convidados, ao seu lado estava Vilma, complementando alguma informação, sempre sem obscurecer, e, servindo os quitutes. Além de encantada com a exposição, fui fisgada, feliz, pela relação do casal. Pensei:" Meu Deus, que maravilha, que milagrosa maravilha: esses dois se amam! Formam um casal!"
 
A participação de Dinho e Vilma na surpresa de aniversário que os amigos prepararam quando fiz 60 anos, me comove até as lágrimas até hoje (haja lágrimas, Dona Marcia!). Além de tudo, não sei se conscientes da eloquência desse gesto, fizeram seu amor, como se eu fosse uma testemunha bem vinda, se representar definitivamente na minha casa, me presenteando com um casal de bonequinhos negros artesanalmente concebidos.
 
O casalzinho está lá na minha sala para todo mundo ver. Todo mundo precisa ver e ser lembrado que o amor pode ser uma saída. Sem garantias, mas honrosa. Todo mundo precisa ver e ser lembrado que embora irrealizável (não há nenhum outro que nos complete. Somos faltosos por estrutura), a fantasia de formar um, bem entendido, enquanto fantasia, existe. E nutre sonhos e derruba barreiras e constrói poesia e nos faz escrever.
 
Estou escrevendo esse texto agora no caderno artesanalmente adornado que ganhei de presente de Dinho e Vilma. É a primeira vez que uso o caderno. Além de adorar escrever à mão, estou no consultório e aqui não tem computador. Bem a propósito, trouxe para cá o caderno para homenagear o amor desses dois. Amar, admirar o outro. Amar, brigar com o outro e fazer as pazes, amar, ter tesão pelo outro. Ter ciúme também.Amar, consolar o pranto do outro.
 
Na cerimônia tão bonita e serena do funeral de Dona Ruth, mãe de Ana Cecília (ai, que saudade de Dona Ruth! Como ela devia querer estar aqui nesta festa....quem sabe, com palavras bonitas, sábias e delicadas, não estaria dando conselhos eróticos ao casal? O amor entre Dona Ruth e o Professor era uma fogueira abençoada por Deus), Vilma, com sua solidariedade feminina, ficou muito tempo junto de mim. Mas teve uma hora em que ela pediu licença e me explicou: "agora vou cuidar de Dinho.Ele está chorando". Que bonito! Amar, consolar o pranto do outro.
 
Ai, como ao falar de amor a gente pode ficar piegas! Ai, como ao falar de amor a gente pode dizer besteiras! O amor é uma grande besteira. Bem aventurados os que podem ser bestas! Ficar bobo de amor por uma coisa bonita, inimitável, que só o seu amado faz.
 
Os leitores devem estar percebendo que mais escrevo sobre o amor do ponto de vista de Vilma. É, que como Vilma, sou mulher. É, que como Vilma, mesmo sendo eu uma senhora de 60 anos (quem disse que o amor escolhe idade?), só posso enxergar a experiência amorosa com olhos de mulher. A não ser pela poesia e por raros lampejos, não dá para uma mulher saber como um homem ama. Mulher é misteriosa mas o homem também tem seus mistérios.
 
Então, falando do amor de Vilma, tento dar a palavra a cada mulher que se permite com doçura e delicadeza, ter a ousadia de sentir tesão pelo seu parceiro, de se orgulhar de seu parceiro, de cuidar de seu parceiro, de cozinhar para (que se danem as feministas) e/ou com o seu parceiro, de ser causa de desejo de seu parceiro. E assim, com seu brilho, contribuir para seu parceiro brilhar. Ser a musa. Afinal de contas quem já viu amor sem poesia?
 
Hoje estamos aqui reunidos fazendo acontecer o chá de cozinha (em São Paulo chama "chá de panela") de Dinho e Vilma. Quem casa quer casa, né não? Não é assim que diz o ditado? Antes que se pense que estou falando de casa como imóvel, refraseio: quem casa quer ninho. Quem casa quer aninhar o outro lhe fazendo esquecer as crises de desenvolvimento por quê passou.
 
Por isso, Dinho e Vilma, além das toalhas (para tomarem banho juntos, de preferência), estou lhes presenteando com esse texto piegas para ser guardado no ninho de vocês. Na casa. Para quando vierem as memórias das dores da infância, para quando vierem as horas de aperto, quando acontecerem os momentos em que um estranha o outro e por isso, briga com o outro, vocês possam relê-lo e resgatar o reconhecimento mútuo, que para além de todas as fronteiras, para além de todas as interdições, para além da às vezes frustrante, necessária e bonita diferença entre homem e mulher, só o amor, essa grande bobagem, permite preservar.
 
Termino com um pequeno lembrete das lindas palavras do nosso amado Chico: "O que será, que será........"
 

                                                                                                Um beijo maternal,
                                                                                                                     Marcia Gomes. 

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